domingo, 21 de abril de 2024

Mãos

 Eu deveria começar esta carta com o clássico cabeçalho - nome da cidade, uma vírgula seguida pelo número corresponde à data, o mês, o ano. Poderia tentar ser poética e descrever o céu, nublado, azul, ensolarado ou simplesmente dizer, céu de outono.

Escolhi começá-la desta maneira:


Você me ofereceu a tua mão num gesto que jamais esquecerei e sempre honrarei.

Você me ofereceu a sua mão e eu a segurei por um tempo em que os cálculos se desfazem. Eu a segurei enquanto meu corpo nu estava coberto por panos estéreis, enquanto os sons da máquinas anunciavam minha pressão arterial, meus batimentos cardíacos, minha saturação. Eu apertava a tua mão enquanto ouvia "respira, respira bem fundo".

Eu respirava e apertava minha mão na sua para dizer que era tão importante esse cuidado que você estava tendo comigo. Poder tocar a tua mão era expressão de gratidão.

Não havia palavras, a máscara tomava-me o nariz e a boca. Eu segurava a tua mão porque em mim misturavam-se o medo, a insegurança, a fé, a alegria de ser cuidada, a esperança. A sala de cirurgia, o câncer em meu seio, a anestesia geral.

Você me ofereceu a tua mão e eu a segurei com força pelo tempo que os anestésicos não me adormeceram. E depois suas mãos ofereceram ao meu corpo suas habilidades cirúrgicas. Eram as suas mãos e as da sua esposa, vocês me operaram juntos. Eram as mãos do anestesista, das enfermeiras, das faxineiras que deixam todo o ambiente limpo.

Sou grata a todos. A todas essas mãos.

Fico preenchida de alegria por saber que você já ofereceu a tua mão para tantas outras pacientes e oferecerá ainda para tantas outras do futuro. Passado, presente, futuro, todas cuidadas, com carinho, com amor. Algo difícil de encontrar.

Ao estender a tua mão você cuidou da minha fragilidade, do meu medo, da minha gratidão. Você se fez presença. Tuas mãos, expressão de cuidado, de afeto, de precisão cirúrgica.

Jamais me esquecerei que naquele domingo, 14 de abril de 2024, sua mão foi um bálsamo que acalmou o meu ser. Obrigada. Meu sempre, muito obrigada.


No dia 13 de março de 2024 fui diagnosticada com um câncer de mama, no dia 14 de abril fui operada. Hoje faz uma semana. Estou me recuperando bem e é preciso aguardar resultados de exames para que seja definido o tratamento.


Na minha primeira caminhada curtinha após a cirurgia, o encantamento por essa luz, o verde, o dentro, o fora da folha, me fez parar e pedi para meu marido que fotografasse.


quinta-feira, 18 de abril de 2024

Retrato na parede

 Fizemos um passeio analógico. Deslocamo-nos da nossa cidade para a capital com um único objetivo: revelar uma fotografia.

A verdade é que não fomos "revelar" e sendo assim o tal passeio analógico também não se encaixa aqui. Acho que foram os tempos saudosos ou o filme " Dias Perfeitos" que me inclinaram a começar esse texto usando as palavras revelar e analógico.

Não havia filme, negativos, 12,24 ou 36 poses.

Houve uma visita que recebemos em casa com alegria e no entusiasmo do café coado, risadas, um deles tirou o celular do bolso e anunciou que havia encontrado fotografias do "padrinho e da madrinha" num site de linhagem familiar.

As xícaras e copos ( as visitas gostam mesmo é de beber café no copo de bar ) eram pousados; óculos foram necessários. Vez por outra a tela do celular apagava, era preciso passar o aparelho, feito brincadeira de passa-anel até o dono estabelecer novamente o retrato.

Então eu me lembrei que meu computador também abrigava um retrato, em condições melhores do que aquele encontrado por nossos visitantes.

Não tinha certeza se encontraria. Admito que há considerável bagunça em meus arquivos.

Retornei para a cozinha com o notebook em mãos, aberto, a fotografia ocupando toda a tela.

O entusiamo foi geral e tão grande que acharam não caber ali na cozinha e todos se deslocaram para a sala.

Os copos americanos e as xícaras se acomodaram na pia, as visitas se acomodaram nos sofás e o retrato foi acomodado sobre  joelhos e pernas. Até as lembranças tristes tinham traços de alegria.

Enquanto lavava as xícaras e os copos, meu marido foi invadido por pensamentos analógicos.

"A gente precisava dar um jeito de revelar essa foto, fazer um quadro bem grande, precisava encontrar um lugar bom que fizesse isso".

A foto em questão foi tirada em 2014 com um celular que, comparado com os de hoje, deixava muito a desejar.

Lembrei-me de um local, entrei em contato, explanei a situação e perguntei se era possível.

Fiz tudo em segredo e quando ficou pronto anunciei que precisaríamos ir à capital para buscar o retrato.

Encantou-nos o resultado! E também encantou à moça que nos atendeu.

Ela vestiu luvas para tocar na fotografia e enquanto percorria os dedos, percebeu algo ali e indagou: "nessa fotografia, são todos irmãos?"

"Doze. E estamos todos vivos. O casalzinho aí no centro, é o papai e a mamãe, eles já se foram, e nós seguimos aqui.

"Doze?!" A moça misturou a pergunta e a admiração.

Seus dedos deslizavam suaves dentro do tecido branco indo de encontro às orientações que meu marido lhe falava.

"80 anos a mais velha, ali, ali à direita lá em cima"

"Você é o caçula dos homens? Sou sim. Me fala a ordem em que nasceram. Nossa! Nossa!

O lugar que nos fez o excelente retrato é muito procurado para serviços de museus e galerias e fotográfos profissionais.

Há fotos lindas espalhadas pelo ambiente.

Mas aquela foto tão caseira, tão café preto no copo de vidro de uma família que conseguiu se reunir e se abraçar, encantou o coração até de quem está acostumado com obras de arte!

Saímos de lá e fomos escolher a moldura:






Marido em estado de encantamento!

Logo será colocado na parede.

" Para não esquecer, para voltar de vez em quando, pelo tempo de um olhar" Valérie Perrin






quinta-feira, 4 de abril de 2024

A história da medalha

 Popô era o carinhoso nome que demos para o nosso carro. O Popô ficou conosco muito tempo. Era surradinho e sendo assim, nós o poupávamos de grandes esforços. De casa para o trabalho, do trabalho para casa e idas ao mercado.

"Nossos sobrinhos nos convidaram para irmos viajar, vamos?"

"Ih, o carrinho não aguenta, tadinho do Popô é muito puxado para ele pegar estrada; ele é mesmo só de andar por aqui".

Assim foi por vários anos, até que recentemente chegou-nos um outro carro - ainda sem nome carinhoso - e nós nos despedimos do Popô, desejando que faça seu novo condutor tão ou mais feliz do que fomos com ele!

Inauguramos o carro novo ( que na verdade é usado ) fazendo uma pequena viagem, duas horas e meia até Aparecida.

Embora não houvesse muito o que planejar, eu quis incrementar um pouquinho o passeio sugeri a marido que passássemos na ida numa cidadezinha próxima ao nosso destino para conhecermos o Mosteiro da Sagrada Face.

Nunca tínhamos ouvido falar desse mosteiro, e ele tem uma história bem peculiar. Ao final da postagem colocarei o link para quem quiser conhecer de maneira correta a história porque ela é bastante interessante.

Bem resumidamente, freiras pediram a um padre que pintasse para elas num tecido a face de Cristo pois elas fariam uma procissão. 

Sem habilidade artística nenhuma e sem jeito de falar não para as irmãs, ele aceitou a tarefa.

Bem, bom não ficou! Mas é aí que a história se torna interessante. O padre fez o desenho e o deixou lá paradinho. Quando as freiras vieram para buscá-lo e ele levantou o pano para mostrar-lhes, foi uma surpresa geral. Do outro lado do tecido, surgiu uma face muito melhor que a do padre.

Questão de fé ou não, mistério ou não, isso vai de cada um.

Chegamos ao local que é bonito, muito silencioso, lá dentro apenas nós e a moça que fazia a limpeza.

Vimos o tecido exposto e já saindo, havia uma pequena lojinha. Falei para marido que eu iria entrar e comprar algo para ajudar o local, que é bastante simples.

Olhei, olhei e peguei uma vela. Como eu iria pagar com dinheiro/nota e não tinha muito, peguei uma vela baratinha.

Nisso marido apareceu e riu - " como você quer ajudar e pega a vela mais barata?! Vou levar uma para mim também". E ele pegou a mais cara.

Levei uns dias ainda depois do nosso passeio para acender a minha vela. Fiz minhas preces perante a chama acesa e segui meu dia.

Lá pela tarde, entrei no quarto e passei um olho para ver se estava tudo tranquilo com minha vela queimado. Mesmo com prato grande por baixo dela, é prudente cuidar.

Nesse olhar de soslaio eu percebi algo escuro e estranho junto ao pavio, a cera derretida e o fogo. Quando me aproximei, uma surpresa!

Havia uma medalha ali imersa na cera derretida. Gritei para que marido trouxesse um palito de dente. Ele veio na hora e entre uma estranheza, interrogações, resgatou a medalhinha da cera.

Na hora nem lembramos de fotografar. Ele estava bem " cabreiro". Nossa, a sua vela era a mais baratinha e veio com essa medalha? Então a minha vai ter além da medalha até a correntinha!


E assim marido pôs a vela dele a queimar. Era uma vela bem elaborada, para ser queimada dentro da caixinha. Levou dias para terminar e durante esses dias ele ia e vinha do quarto! 
"É, até agora nada".

Nada surgiu da vela do marido!

Fica tudo pela interpretação que cada um quiser dar ao fato!
Fato é: ganhei uma medalhinha de uma maneira bem inusitada!


Bom final de semana a todos!

Aqui o link para saber mais sobre o Mosteiro da Sagrada Face.






quarta-feira, 3 de abril de 2024

Ju faz 19!

Hoje, 03 de abril, é dia de celebrar a vida da minha filha!

 


Esse é o primeiro aniversário em que estamos passando, geograficamente, longe.
Júlia está lá em Belo Horizonte, onde faz faculdade. Nós, aqui em São Paulo.
E estamos muito felizes pelo caminho que ela está trilhando.

O sorriso da Júlia traz toda uma alegria que envolve quem está por perto! Isso é o que eu desejo a ela neste aniversário: espalhe teu sorriso, mesmo quando dias difíceis chegarem, se esforce para sorrir.

Feliz aniversário filha!

Seleção de fotinhos com pessoas muito queridas!











segunda-feira, 1 de abril de 2024

Um novo olhar

 Todo mundo sabe usar o olhar amoroso quando está apaixonado, quando vê um bebê recém-nascido ou um animal bem bonitinho.

Por que não usamos esse olhar amoroso com mais frequência? *



Essa indagação encontrei na leitura de um livro e fiquei a refletir sobre essa pergunta de usarmos esse olhar amoroso, não o romântico, mas um olhar carregado de afeto, de serenidade com mais frequência, de um jeito mais corriqueiro.

O livro segue dizendo que quando paramos para refletir, vamos perceber que nosso olhar para as coisas e pessoas, não é amoroso.
Ou é neutro, ou é um tanto negativo e crítico.

E a autora cita exemplos: " ao entrar numa sala, a primeira coisa que reparamos é que o carpete está precisando de uma boa limpeza".

Usamos uma gama variada de olhares - passamos do olhar irritado para o crítico, para o impessoal, o pessoal, o gentil, o amoroso. O olhar que escolhemos dá o tom da nossa percepção de mundo, alterando-a de hostil para acolhedora.

Nem sempre é fácil entregar nosso olhar gentil e amoroso. Muitas vezes é necessário mesmo um olhar mais duro, porém é fato que se vivermos apenas com o olhar ausente de amor, de afeto, o mundo se torna um lugar hostil.

" Os olhos que escolhemos utilizar têm efeito sobre a nossa felicidade e a felicidade dos seres que olhamos".

Neste abril que nos acena com seu início, possamos derramar mais olhares amorosos pelos nossos caminhos!

Bem-vindo abril!


* Jan Chozen Bays

sábado, 30 de março de 2024

Feliz Páscoa

 Houve, há e haverá um caminho até que cheguemos a exclamar Feliz Páscoa. Que possamos sempre nos recordar.


Feliz Páscoa!


Orvieto Itália 2023


terça-feira, 26 de março de 2024

Na sala das velas

 


Santuário de Aparecida

Pus-me ali - Sala das Velas - assim foi nomeada.
Prece, pedido, desespero, gratidão, agradecimento, oração, devoção, esperança, dor, alegria, medo, promessa, silêncio.
Na Sala das Velas tantos outros nomes caberiam.
Pus-me ali em contemplação.
Não levei vela, não acendi na corrente de luz, uma passando a outra.
Pus-me ali em silêncio.
Silêncio poderia ser outro nome para a Sala das Velas.
Um silêncio permeado de murmúrios, estalidos do fogo crepitando com suavidade, o vento que se nota no tremeluzir.
Silêncio com odor.
Pus-me ali a contemplar a beleza imensa.
Cada chama uma particularidade, ainda assim tão iguais na angústia, na felicidade, no desejo, no sonho, tudo tão cheio de ternura.
A luz que nos eleva e me fez desejar que cada lágrima escorrida de uma vela seja também a alegria de todos que ali passam.