sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Cinco centavos

Hoje precisei consultar o doutor. Assim, de supetão, de emergência.
Saí para comprar pão. Pão de passar manteiga e mergulhar na xícara do café com leite.
Voltava carregando o saco de papel numa das mãos, a outra, livre.
Foi então que eu vi na calçada uma moeda de cinco centavos. Brilhava.
Eu passei por ela lentamente. Hesitei por alguns segundos ou frações deles.
Segui para casa carregada de pão e tristeza.
Em casa tomei a decisão: o que tinha ocorrido era mal sinal, eu pressentia.
Deixei o pão ali mesmo na mesa e fui me consultar com o doutor.
Contei sobre a moedinha de cinco centavos que eu não baixei para apanhar.
Ele olhou os meu olho, ergueu a pálpebra e falou: "está seco, é grave".
Como seco se eu estava chorando?
Pediu um exame no meu sangue.
Esperei e soube que a gente nunca está preparado pra notícia ruim.
Chamou o meu nome e com o papel do exame começou a me falar com palavras de doutor:
"As hemácias estão boas, os glóbulos brancos também. Porém há uma carência em altíssimo nível. Uma carência estabelecida de falta de água de rio.
É grave. Quando uma pessoa deixa de ter rio que lhe navega as veias, os olhos ficam secos. Secos de rio. Perdem o brilho e já não se encantam, como os moleques que se banham em rio, com uma moedinha de cinco centavos.
Nada há de errado com seus músculos ou com seu esqueleto. A senhora não se abaixou pra apanhar a moedinha porque perdeu o brilho de rio que reflete o luar, as nuvens de tempestade, o amanhecer".
Então, gentilmente tirou um retrato que guardava no bolso do jaleco e me mostrou.
Era esse o retrato:



Essa árvore é muito velha e também pesada, mas isso não a impede de se abaixar e tocar o rio. Ela é feliz. Ela se abaixaria por uma moedinha - disse com voz de sabedoria o doutor.
Receitou-me rio. De qualquer tipo. Imenso, pequeno, córrego, ribeirão, riacho. Só não podia rio poluído.
Disse que eu mesma sentiria o olho úmido de rio, o brilho de rio descendo e subindo pelas veias e então eu voltaria a ter encantamentos por uma simples moedinha de cinco centavos.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Disfarçado de poema

Fechei as janelas
para a chuva de hoje.
Sempre deixo ver a chuva
pelas lágrimas da vidraça.
Hoje não.
Hoje chove em mim.

                           Ana Paula

Antes que perguntem se estou triste, chorosa... qual o que!
Fechei as janelas mesmo para dormir em plena tarde.
A noite foi muito ruim por causa do calor. Hoje passei o dia assim como estes ursinhos:




Dormindo em pé, caindo de sono.
Então, como não pega bem para uma dona de casa, cheia de gavetas para arrumar, escrever que dormiu de tarde, a gente  fecha a janela, dorme e faz poema!

Pedacinhos do dia

A DESCOBERTA

Anos de estudo
      e pesquisas:
Era no amanhecer
Que as formigas escolhiam seus vestidos.

Manoel de Barros



quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Que calor!


Quem aí queria trocar de lugar com ela?!

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Blogagem Coletiva - consumismo


Participando da blogagem coletiva proposta pelo Christian sobre o consumismo.

Não é preciso esforço para se deparar com o consumismo de final de ano. Seus reflexos estão no trânsito, nas ruas, nos estacionamentos, nas lojas, debaixo de árvores de natal abarrotadas de pacotes.
Seja estando "em campo"ou olhando pelo noticiário, o consumismo borbulha.
E borbulha com tal gigantismo que algumas bolhas saltam deste caldeirão convulsivo e começa um outro movimento, uma outra cadência.
Alcançando esse nível cansativo, exaustivo, esse ápice, algumas pessoas repensam e fazem diferente.
E acho esse um lado positivo do pico do consumismo: propiciar uma reflexão e mudança.
Claro que é ínfima se comparado com as multidões que transitam pelo shopping, mas é uma mudança.
Não falo de um movimento contrário ao consumismo que seria não comprar nada e sim encontrar significados, valores que não materiais somente.
Conheci uma família que na troca de amigo secreto o presente é uma ida ao cinema nesta semana até o ano novo. Disseram-me que os filmes foram se restringindo aos dvds, computadores e quiseram resgatar a telona do cimena, a companhia para se conversar depois do filme. Diferente.
Numa outra família conhecida, o presente será igual para todos: uma câmera fotográfica digital compacta. Objetivo? Haverá no próximo natal uma exposição coletiva. Cada um terá um ano inteiro para fotografar o que mais gosta num total de 12 fotos e revelá-las no tamanho 15x21. A garagem ganhará pintura e iluminação especial. Achei uma ideia original. 
Estas outras duas sugestões eu li no jornal:
Uma família onde há muitas crianças e devido ao "alto consumo" resolveram dar um presente com outro valor - a lista de materiais.
Uma das tias das crianças disse que em termos de valor econômico, sairá mais caro comprar uma lista de material escolar do que uma boneca, ou um jogo. Porém o que eles pretendem é tirar o foco do excesso de brinquedos.
Num outro relato lido também em jornal, uma mãe estava preocupada com a filha que cada vez que ganhava um presente, perguntava "quanto custou". Para mudar esse desconforto, esse natal a mãe confeccionou um álbum-livro de fotografias desde o nascimento até os 9 anos da menina. A própria mãe prevê que talvez a filha não valorize agora o presente. Mesmo assim iria fazê-lo.
São exemplos em unidades a competir com as multidões de compradores.
Ouvi também muitas pessoas fazendo uma ceia enxuta. Excesso de comida sobrando; algo desnecessário.
Esse choque que o consumismo nos dá, pode sim trazer mudanças.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Um conto de Natal


Estava exausto. Foi percebendo pouco a pouco que o limite se aproximava.
E foi a iminência deste limite que trouxe a reflexão.
Não estava mais aguentando manter erguida a bandeira anti-natal.
Consumismo, presentes, amigo-secreto, listas, shoppings, ceia, família, hipocrisias... de repente suas forças para defender a “sua lista” estava se esvaindo.
Passagem comprada, estava novamente sentado no banco da rodoviária. Ainda esperaria por horas até o embarque.
Estaria na estrada à meia-noite, rumo a qualquer lugar.
O imenso formigueiro de seres humanos com malas enormes ou uma pequena sacola, pacotes, sorrisos.
Onde estaria o olhar pontiagudo que sempre tivera para tudo aquilo a que ele chamava “asqueroso”?
Sempre, sempre...
Não, não foi sempre.
Lembrou-se do gosto doce que sentia no natal. O creme de leite de suas tias, de sua mãe, na gelatina colorida, na salada de frutas, no pavê de bolacha champanhe e também o doce do suco de uva que era um pouco de vinho misturado com água e açúcar.
Quando foi que este doce cedeu lugar ao fel nas suas papilas, nas suas palavras?
Da mesma forma que não havia um motivo numa data marcada, não encontrava o motivo de uma transformação que se dava sem a sua autorização.
Enxergar aquelas pessoas com os olhos laminados d'água, enfrentando distâncias, cansaço. Talvez o ano inteiro de economias de um dinheiro já tão pequeno. A alegria de rever mãe, pai, irmãos que ficaram, a alegria de distribuir presentes, lembranças.
Sua bandeira não representava mais uma guerra silenciosa ao natal.
Começava a sentir bem estar em confraternizar, em apenas estar ao lado.
Continuava não importando as roupas, os presentes.
A data no calendário, o 25 de dezembro, tão questionado na voz seca “quem garante que o nascimento foi neste dia?”, fazia todo o sentido, precisava existir. Na sua existência, não importando se real, ela propícia a folga, a pausa, o empenho a ir, a estar presente.
O gosto do creme de leite adocicado estava novamente em sua boca. Aprender o que ensinou o motivador da festa, o aniversariante, isso importava.
Amassou a passagem e jogou-a no lixo.
Estava pronto para voltar.
O pavê da tia já devia ter outra receita naquele primeiro ano de sua ausência. Seria porém igualmente doce e ele aproveitaria a companhia de amigos, da família.
Sentia uma vontade imensa de que viessem muitos outros natais, para que em cada um pudesse transformar um pouco que fosse.
No próximo ano, os presentes seriam músicas, frases colecionadas dos livros, do facebook.
Este ano, embora de mãos vazias, daria o melhor de si, o melhor sorriso.
Sentia-se vivo. Nem melhor, nem pior que as pessoas ali ao seu redor.
Era igual. Podia abraçá-las.
Reencontrara o doce e o amor.
Feliz Natal.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Espírito natalino

E se as renas, que são seres mágicos, estão molhadas, imaginem, nós, os simples mortais...


sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Feliz Natal

Júlia no violão e nosso beijo e desejo de Feliz Natal!


O mundo não acabou

Levo o cachorro a passear...
enquanto cheira um pequeno canteiro
decifrando uma linguagem
da qual sou analfabeta
leio os sons que saem
da janela de uma cozinha:
torneira aberta
talheres, bule, leiteira, pires e xícara
emborcados no escorredor
O dia segue...
sigo com o cachorro
o mundo não acabou

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Algumas fotos

Algumas fotos da nossa viagem à Curitiba.














quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Presidente

Handkerchief foi a primeira palavra em inglês que aprendi. Na verdade, nunca aprendi o idioma e acho que posso responsabilizar essa palavra pelo feito ( ou melhor, pelo não feito ). Nunca vou saber porque a freira, minha primeira professora escolheu essa palavra.
Palavra tão difícil de aprender que eu julgava que nunca me lembraria dela.
Mas ela surgiu de uma cena. Uma cena no saguão de embarque do aeroporto.

Um homem, dos seus quarenta e pouco anos aproxima-se devagar dos assentos espalhados pelo saguão como que à procura de algo ou alguém.
Parado em frente a um assento para três pessoas que estava sem ninguém, coloca a mão no bolso, tira um lenço de pano, deita-se no banco e coloca sobre os olhos o lenço.
Lenço de pano... o tal do handkerchief da freira Irmã Maria me saltou aos olhos!
Perguntei imediatamente ao meu filho se ele sabia o que era handkerchief, ao que ele me respondeu que era um lenço de pano e que nem se usa mais essa palavra. O mais usado é scarf ou kleenex que é a própria marca que significa o lenço de papel.

Junto com a palavra de difícil pronúncia e aprendizado, lembrei-me olhando o lenço que causava penumbra nos olhos do homem que buscava algum descanso, dos lenços Presidente, vendido nas caixinhas transparentes em três unidades.

Quantas vezes presenteei meu pai com os lenços Presidente comprado na feira ou na loja pequena em tamanho porém imensa em variedades de mercadorias.
Também fizemos bonecos de cartolina e a professora colocava um lenço daqueles em forma de gravata, num outro ano, cachecol e assim tínhamos o presente para o dia dos pais.
Natal, foram vários com uma camisa e uma caixinha de lenços Presidente.
Meu pai sempre usou. Não saía de casa sem ter um no bolso.
Fico a imaginar quantos destes lenços enxugaram alguma lágrima de moça, acudiu algum líquido fugido do copo. E sim, lenços brancos, acenando, espalhando no vento o almejo de paz.
Hoje, não se usa o handkerchief, parece não haver espaço suficiente nos bolsos a serem divididos entre o lenço de pano e o celular.
Quem aí já usou, já presenteou com o famoso lenço de pano?
Deixo um aceno de lenço branco para que nossos dias tenham paz!


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O nome das coisas

Armas.
Vou escrever sobre armas.
Não combina nem um pouco com o clima do Natal que já está se instalando nas casas decoradas, arrumadas para receber familiares, nas decorações das ruas, tampouco com a serenidade dos corações que desejam um mundo melhor, mas não quero deixar para depois.
Armas de brinquedo: é sobre elas que quero falar.
E em primeiro lugar elas não se chamam armas de brinquedo e sim lançadores.
Lançadores de projéteis é como devem ser chamadas.
E eu fico me perguntando por que dar um nome pomposo? Por que não "pega" bem dizer vou comprar uma arma de brinquedo para meu filho?
Mudando o nome das coisas, alivia-se algo nos adultos?


Outra mudança diz respeito às cores. Nada monocromático, cinza, preto, marrom, para não dar impressão de arma. Afinal é apenas um lançador. Deve ser colorido para parecer lúdico.

Sou absolutamente contra armas de brinquedo ou lançadores, como é politicamente correto dizer.
Muitos especialistas afirmam que nada há de errado em brincar com eles.
É natural das crianças em sua imaginação usar o bem e o mal. Lembro-me de uma especialista dizendo que se uma criança não tiver uma arma de brinquedo ela pode simulá-la com a mão.
Concordo.
Só que acho que muita coisa mudou desde os tempos em que eu ia na feira com minha mãe e tinha a barraca de doces onde se vendia um suco dentro da embalagem plástica em formato de carrinho, boneca, arma.
Mocinho e bandido, talvez seja brincadeira do passado.
Os videogames violentos, a dificuldade de se impor limites, o nível de stress deste nosso mundo, dão, ao meu ver, uma outra nuança à brincadeira.
Precisariam mudar o nome das coisas se fosse tudo assim tão inocente?
Sou contra. Absolutamente contra.
Posso ser careta, antiquada, mas prefiro outro tipo de brinquedo.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Burros n'água

E demos com os burros n'água novamente em relação aos eventos natalinos.
Depois da decoração embrulhada, decidi que precisava de algo grandioso para tirar aquela impressão ruim.
Nada tão grandioso quanto ir ver o natal lá em Curitiba.
Ah! As crianças cantando no Palácio Avenida...


Em cada janelinha, um rostinho com voz de passarinho.
Mas, demos com os burros n'água...



À noitinha, tudo fechado.
Foi feita uma denúncia de exploração de trabalho infantil, então foi preciso reduzir as apresentações. E nós chegamos exatamente nos dias da redução.

Sabe, acho que estão modificando muito as tradições.
Gostava das renas de Noel e não sei o motivo que foram trocadas por cavalos. Será algum tipo de exploração das renas?


Ver as coisas embrulhadas, até que não é de todo ruim. 


Pelo menos ficamos com a sensação de que o tempo está passando devagar. Afinal era dia 12/12/12 e eles nem tinham terminado a arrumação:



Não saímos de lá sem música não. Tudo bem que não era natalina, mas estava animada.
O cenário era natalino com pura música indígena latino-americana. 
Foi bom.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Vida que vive


Meu peito está que não cabe em mim.
Como uma lua cheia disputando espaço com meu coração. A felicidade gosta de ocupar nosso peito. Ela fica bailando ao som do ar que farfalha nossos pulmões. O retumbar do coração é samba que saltita os pés da felicidade.
Assim estou. Pelos sonhos dos meus amigos que se concretizam, por inspirações que ganham forma. Pelos sonhos que ainda serão sonhados.
Estou feliz por tanta gente hoje.
Meu peito também está vazio de alegrias hoje.
O silêncio não houve o coração. É um silêncio de dor. Dor pelos sonhos que deixaram de sonhar, pelos sonhos que ficarão nem sei por quanto tempo adormecidos.
Meu peito dói pelo sonho de um moço nas terras quentes da Bahia que sonha em ser pai.
Meu peito dói pelo sonho da moça das terras frias do sul que sonha em ser mãe.
Meu peito silencia todas as palavras que eu queria dizer para um alguém que hoje ouvirá a campainha soar. E não haverá o que fazer senão abrir. A visita? A morte.
Apesar de todos os cartões de felicitações que recebi nas datas festivas e ainda receberei, a vida não é de sempre felicidade, sorrisos, alegrias, caminho de flores.
A vida é somente e intensamente vida.
Hoje gostaria de chorar sufocando os soluços, os grunhidos de dor no travesseiro que já não tenho de paina. Aquele que não tenho mas me faz lembrar Tina, amiga da roça que se foi.
Hoje soltaria a minha cabeça pesadamente no travesseiro que paina que já não tenho olhando para o teto e gargalhando alto a alegria dos meus amigos, as luzes de natal decorando as casas.
Meu peito está assim cheio de vida.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Significados desconhecidos


Dois comentários, lidos no texto de uma querida amiga, inspiraram a escrita deste.
Um comentário dizia “não”, o outro “sim”. E o não e o sim estão em mim e através das palavras destas amigas, percebi uma dimensão, um tamanho, antes por mim desconhecida.

  • Bença pai.
  • Bençoe meu filho, bençoe minha menina.

Não fui criada assim. Lembro-me que falava bom dia para a minha mãe. Meu pai saía muito cedo de casa.
Tinha determinado que a modernidade seria a marca na criação dos meus filhos. E pedir benção parecia algo tão distante da modernidade...
E foi numa noite que eu com um bebezinho no colo, disse: “Pede benção pro papai”.
Não foi pensado, não foi para agradar.
Eu me surpreendi com a frase que proferia.
De alguma forma que eu não percebia, havia um significado.
Eu não dou a benção para meus filhos. Não consigo, não está em mim. Seria forçado.
Eu sempre os lembro de pedir a benção para o pai. É natural.
Para eles, agora, pode ser automático, pode ser apenas um protocolo.
Acho que é assim.
Só agora é que vou começando a compreender o significado de algo que nunca significou nada para mim. É grandioso, é amor. Hoje são palavras repetidas. Hoje tenho certeza que na verdade é como uma semente, que no momento certo, para cada um deles irá brotar e desabrochar.
Para mim é imenso dizer de dia ou de noite “pede bença pro pai”.



segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Balões que flutuam


Pediu que amarrasse 
em seu punho
E ele o fez com delicadeza

Tirou os sapatos
para ser leve
como o balão

Correu inspirando ofegante
a brisa
o mar
a areia

Não se soube 
se velha 
ou criança era

Era somente leve
Podia flutuar
ana paula

Ah! Como eu queria ser a protagonista deste poema.
Nunca tive um balão de gás daqueles que se amarra nas mãos.
E só agora quando fico sabendo da notícia da escassez mundial de gás hélio, que é mais leve que o ar, é que me vem a vontade imensa de ter um balão, ou de ter tido um balão.


Não quero pensar seriamente no gás hélio.
Não quero saber por hoje.
Quero ter a imagem, o desejo.
Pediria ao bom velhinho, sem me preocupar se seu saco enorme de presentes iria também flutuar...


Quero um assim!

Sonhar é bom.
Mas agora a realidade me espera. Vou lavar louça.
Assim:


E breve, muito breve, terei um balão.
E com ele bem amarrado em minha mão, vou procurar um tocador de realejo.
Porque não importa a forma que o corpo tem agora: criança ou velho.
Há coisas que são para sempre em qualquer linha do tempo da existência.


domingo, 2 de dezembro de 2012

O moço da lista telefônica


Dezembro chegou e com ele a lembrança de que logo no começo de janeiro, o moço da lista telefônica estará batendo à minha porta.
Sem floreios - não gosto do moço da lista telefônica.
Minha memória visual não me permite saber se o moço que estará à minha frente é o mesmo do ano passado, porém minha memória auditiva é certeira: ele sempre pede uma "caixinha"para tomar um guaraná porque o sol está de rachar.
Acho um abuso.
Vem aqui uma vez por ano, entrega um objeto praticamente sem valor ou utilidade e ainda quer que eu lhe pague um guaraná?
Durante o transcorrer deste ano não utilizei a lista uma vez sequer. Peguei-a nas mãos apenas para tirar o pó que se acumulava.
E pensar que eu já usei muitas e muitas vezes a lista, ou melhor as listas.

Naquela época,  o moço realmente merecia um guaraná por carregar enormes e grossas listas - a de assinantes, a de endereços e as páginas amarelas. Que peso!
Começava o ano, chegavam as listas. 
Começava a escola e a gente já ia se apaixonando por um menino mais velho que estava no colegial.
Por sorte na nossa turma sempre tinha alguém com uma irmã mais velha que estava lá sala do colegial.
 - Descobre o sobrenome dele? Ah! Por favor vai.
 - Tá bom, mas tem que esperar algum professor que faça a chamada pelo nome completo.

 - Galo. O sobrenome é Galo.
Na volta da escola, lá estávamos com o nariz enfiado nas letras e números miúdos da lista.
Mas, tem um monte de Galo...
Dia seguinte:
 - Ah! Por favor, descobre o nome do pai dele?
Íamos da lista de assinantes para a de endereços com muita destreza e claro que depois de tanta investigação, nós ligávamos para a casa do sujeito em questão só para ouvir a sua voz. Não tinha identificador de chamadas!
Hoje, professor não faz chamada; é chip em uniforme, catraca eletrônica com senha e é mais eficaz consultar a internet do que abrir a lista; os telefones mudam a todo momento e identificam chamadas, então...
Eu não vou dar um troco pro guaraná do moço da lista.
Aliás, você usou a lista telefônica este ano?

sábado, 1 de dezembro de 2012

Para Gisele

Gisele foi a responsável por modificar as sensações emanadas de um calendário na vida de muitas adolescentes. Eu era uma delas.
Durante três anos, eu esperava ansiosa pela segunda-feira. Por todas as segundas feiras do ano letivo.
Faltar à escola na segunda? Nunca!
Foi numa segunda-feira, o primeiro dia de aula do curso de Magistério, que a aluna nova, Gisele, chegou.
A primeira coisa que me chamou à atenção foi a cicatriz que ela trazia na bochecha direita: um círculo perfeito, com mais ou menos meio centímetro de diâmetro. Nunca tinha visto uma cicatriz tão linda. Parecia ter sido esculpida.




"Foi meu irmão mais novo. Acendeu o magic-click na minha bochecha"- disse ela com sua voz que sorria.

A explicação da cicatriz fez nascer em nós uma forte amizade.
Segunda-feira era o dia que eu chegava mais cedo no colégio só para ouvir as histórias do final de semana da Gisele.
Gisele ganhava os olhares dos meninos mais cobiçados da escola. Teve muitos namorados durante estes três anos. Eram histórias hilárias. Mesmo quando levava um "fora", ela era divertida e nos fazia rir.
Fizemos uma viagem de formatura para Maceió e  lá Gisele recebeu um ramalhete de flores assim que pisamos no hotel. Era do namorado Alcides Roberto. Num tempo em que não havia internet por lá.
Ficamos todas boquiabertas: como o Alcides Roberto conseguiu mandar flores para lá? Quanto romantismo...
O que mais aprendi com a Gisele?
Gisele era gorda, linda, confiante e divertida.
Talvez ela não saiba o quanto me ensinou.
Depois da formatura os rumos nos distanciaram.
Há um tempo atrás encontrei seu nome no Orkut. Mandei um recado.
Ela não respondeu.
Tudo bem.
Não me importei. Quero guardar a Gisele adolescente, gordinha, de riso fácil, que durante três anos fez das segundas-feiras um palco para as alegrias da vida.
E que ela, Gisele, siga assim pela vida.