sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Obrigada porteiro

Estava a passear com o cachorro, quando paramos em uma árvore.
Ele, bem, já sabem.
Eu para admirar o florescer de uma belíssima orquídea.




A árvore que abrigava a orquídea fica de frente para um edifício.
De repente, ouvi o destrancar do portão e um homem uniformizado veio em minha direção.
O porteiro.
Preparei-me para a reprimenda, para uma bronca, palavras difíceis...
As pessoas andam um tanto indispostas com cachorros.

"Muito obrigada por a senhora parar aqui para admirar! Fui eu que amarrei aí na árvore e fui cuidando e olha só, ficou bonita né?!

Devolvi-lhe o meu melhor sorriso e o parabenizei. Disse que eu não levo o menor jeito com as plantas, nem feijão no algodão brota.
Ele riu e despediu-se.
Voltou a sua rotina de porteiro entre vidros escuros e falas por equipamentos eletrônicos.
Aquele homem invisível mostrou-se na beleza de uma orquídea.

Voltei lá na árvore no dia seguinte. Sabia que ele trabalhava dia sim, dia não, portanto não estaria.
Fotografei.
Revelei.
Acenei para o vidro escuro, ele abriu.
Disse-lhe que ele tornava o caminho das pessoas mais bonito.
E entreguei-lhe um envelope.


Dias depois passei pelo mesmo caminho segurando uma sacola pesada.
Não havia mais orquídeas.
A pressa, o peso, passei rápido apenas percebendo a ausência.
Já há uns bons passos a frente, uma mão toca meu ombro.

"A senhora viu que maldade? Arrancaram com as mãos as flores.
Ainda bem que a senhora me deu aquele presente. Obrigado.
Que gente má né?

Seguimos.



quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O homem do código de barras

Eu era adolescente quando ouvi, pela primeira vez na vida, o termo código de barras.
Fazia aulas de inglês duas vezes na semana, à noite. O professor tinha por volta dos 40 anos. Aparentava mais e havia um peso, um cansaço excessivo em sua aparência.
Numa daquelas noites ele nos revelou o motivo de seu desgaste - o trabalho que realizava durante o dia e que nada tinha a ver com aulas de inglês.
Trabalhava com código de barras.

Fez um desenho na lousa, vários risquinhos, tomando o cuidado de deixar uns finos e outros mais grossos e pôs-se a explicar seu árduo trabalho.

Eu sinceramente, não alcancei nada do que ele havia dito.
Comprávamos a grande maioria das coisas na venda do português Antônio.


"Compra um rolo de papel higiênico e três gomos de linguiça"- pedia a minha mãe. "E pede pra ele marcar".
Caneta na orelha para marcar o que a gente levava na caderneta. As contas ele fazia de cabeça.

Tempos depois, no dia seguinte ao pagamento do pai, que religiosamente era no dia 10 de cada mês, a gente ia ao mercado Malena que tinha uma caixa registradora feito essa da foto.
Nunca reparei se havia código de barras no chocolate sensação que eu comprava para durar o mês todo.

A cada aula de inglês, o professor chegava mais exaurido. Eu deduzi que devia ser péssimo trabalho essa coisa de código de barras. 
Ele começou a faltar, saiu da escola e eu ainda não aprendi inglês, embora hoje já saiba um pouco mais sobre código de barras e afirmo que é das coisas mais exaustivas que podem acontecer para nosso cérebro.
Explico:

Em 1976, um supermercado (americano) tinha 9 mil produtos distintos; hoje esse número inflou para 40 mil, embora uma pessoa comum satisfaça de 80% a 85% de suas necessidades num universo de apenas 150 artigos. Isso significa que precisamos ignorar 39 850 artigos em estoque. Estima-se que exista hoje mais de 1 milhão de produtos nos Estados Unidos ( cálculo baseado nas unidades de manutenção de estoque, aqueles pequenos códigos de barras nos produtos que compramos )*

Bem, lá na venda do português devia ter uns noventa itens, no máximo, incluindo os bloquinhos com folha de papel carbono para jogo do bicho...

1 milhão de produtos, milhões de risquinhos de código de barras e isso explica que eu não tô ficando velha, embora sim, esteja.

Marido me disse que eu estava ficando velha quando me recusei a entrar em um local para comprar jornal.
Compro jornal somente aos sábados. Os de domingo têm muito informe publicitário de apartamentos.
Então, num sábado qualquer, saíamos do supermercado quando eu disse que passaríamos na banca de jornal.
No andar térreo do supermercado há uma sequencia de pequenas lojas e entre elas uma que vende jornais, mas eu me recuso a entrar lá.

Antigamente havia somente revistas, o que já é um exagero de publicações, jornais, balas e gomas de mascar. Foi vendida e a nova proprietária conseguiu colocar naquele espaço minúsculo, um milhão de novos itens.
Há pesos para porta, lingerie, perfumes, brinquedos piscantes e barulhentos que ficam funcionando, girando pelo meio do caminho, ou seja, lá eu não entro, fico tonta naquele lugar; prefiro andar mais e ir até uma banca de jornal convencional.

A neurociência veio em meu socorro explicar esse meu mal estar.

Há um relato num livro em que um professor encontra sua melhor aluna um tanto exasperada. Ela é uma imigrante e ele acha, a princípio que é todo o fato da adaptação a uma nova cultura que a deixou assim.
Ela diz:

"Mas hoje é o quarto dia que venho à livraria. Olha só! Toda uma fileira de canetas. Na Romênia tínhamos três tipos. E muitas vezes havia escassez: nenhuma caneta. Nos Estados Unidos existem mais de cinquenta tipos diferentes. De qual delas eu preciso para a aula de biologia? E para a de poesia? Será que quero uma de ponta de feltro, de tinta, gel, cartucho, apagável? Esferográfica, ponta fina, rollerball? Estou há uma hora aqui lendo etiquetas."

Os cientistas descobriram que todo esse processo de decidir, escolher, selecionar, optar por um item e ignorar os demais, tem um custo para nosso cérebro. Processar toda essa informação cansa.
E para nosso cérebro não há prioridades. É como se você tivesse uma cota diária para ser usada. Parece "bobo" decidir com qual roupa você irá trabalhar, qual caminho fazer hoje e se usa a caneta de ponta fina ou grossa. Isso causa um cansaço em nosso cérebro e quando lá no final da tarde temos que tomar uma decisão importante, nossa capacidade já está comprometida.
Então não é preciso dizer que logo pela manhã escolher qual vídeo assistir no facebook, quais fotos curtir, ou curtir todas, enfrentar cinquenta marcas novas de shampoo. E as notícias então?

Aquele homem que trabalhava com códigos de barras e mais parecia carregar barras de ferro nas costas, tem meu apreço.

Gosto de pensar que agora que ele resolveu tornar os tais códigos mais leves, bonitos, suaves e poéticos.
Gosto de imaginá-lo criando códigos assim:



terça-feira, 11 de outubro de 2016

Enquanto isso na amoreira

Enquanto ainda não consigo voltar a blogar como eu gosto e sinto que deve ser, deixo umas fotos ( só para não silenciar totalmente o blog ). Esforçando-me para em breve retomar.
Paciência comigo amigos!