Aceitei a carona.
Diz o ditado que para baixo todo santo ajuda, mas descer a ladeira de carro, foi providencial!
Mel é minha vizinha de andares abaixo. Nossas meninas e meninos são amigos, mas nossas conversas ainda estão incipientes.
Meio sem jeito, sentei-me no banco da frente naquela sexta à noite.
Falando rápido, Mel relatou-me que seu dia havia sido tão corrido pois ao ir fazer a matrícula de seu filho, percebera que tinha perdido a carteira de identidade dele.
Prazos, correrias, poupatempo e a pergunta que ela disparou: "Ah Ana, você tem jeito de ser organizada, não deve perder papéis, né?"
E foi com a face iluminada pelo reflexo da luz vermelha do semáforo que eu dei aquela resposta evasiva do tipo, é, não.
Nem houve tempo para estendermos o assunto porque bem rápido chegamos.
Na manhã seguinte, aquela luz vermelha me incomodava.
Abri a gaveta da secretária ( jeito português que li por aí para significar escrivaninha! ).
Estavam lá os papéis.
Eu não perco papéis.
Eu simplesmente me perco nos papéis...
Bugungun lerden bugun está num pequeno pedaço de papel retangular.
Olho fixo tentando buscar o que me fez anotar aquelas palavras. Nada encontro.
Vou para o google.
Você pode no acreditar, mas, às vezes, o próprio google fica confuso.
Nesse caso, ele me indica uma série de palavras com trema e cedilha debaixo da letra s que não me levam a lugar algum.
Ou melhor, vou para o lixo reciclável e deixo o tal bugun ali.
Nesse outro papel sou mais bem sucedida!
"Uma das dádivas de ser escritor é que a profissão lhe dá uma desculpa para fazer certas coisas, ir a alguns lugares e explorá-los. Outra vantagem é que escrever nos motiva a olhar a vida mais de perto"- Anne Lannott.
Esse eu me lembrei porque anotei! Era o trecho de um livro sobre escrita criativa e a autora falava que frequentemente, sob a desculpa de ter que escrever, ia para algum café e passava manhãs e tardes lá a escrever.
Ah, poder trocar o chiado da panela de pressão por uma mesa próxima a uma árvore que farfalha, um café e um papel...
Mas sempre penso se não vão desconfiar de alguém que pede um café e passa a tarde inteira ocupando uma mesa? Ou será que tem que pedir um café atrás do outro? Deixa pra lá e vamos ao próximo papelzinho.
"Compotas de pêssego e tangerina, drops de melancia, trufas de chocolate, barras de menta, biscoitos amanteigados, bolos, pirulitos e outros doces, todos enriquecidos em sua preparação com uma calda de maconha". ( Ruy Castro ).
Por que diabos eu anotei isso?
Não precisa se preocupar, caro leitor.
Meu desempenho culinário não vai além de bolinhos de chuva que não necessitam de calda alguma; é só fazer uma chuvinha de açúcar misturada com canela e pronto.
Mais um para reciclagem. E assim abri um bom espaço na escrivaninha e na mente.
Sinal verde agora para novas anotações! Com esforço e dedicação para escrever de onde tirei aquilo e com qual finalidade. Será que consigo?!
Alguém mais com papeizinhos?
E antes de finalizar, anota aí em algum papel: archetier - fabricador de arcos de violino. Vai que você precise para alguma postagem, não é?!
Beijos!