Numa tarde de março, já oficialmente outono, mas ainda com o calor de verão, pude admirar aquele momento pela janela. As gotas robustas da chuva, cintilavam com o sol já do fim de tarde, fim do verão. Registrei o momento, não só em fotografia, mas também em reflexões.
É forte e robusta, feito aqueles pingos dourados, a memória da música “Águas de março”, composta por Tom Jobim, eleita a melhor música brasileira e cantada lindamente num dueto entre o compositor e Elis Regina.
Toda aquela beleza que eu via num recorte da minha janela, também trouxe lamento.
Aqui a chuva era calma e nutritiva para a terra, as árvores, as represas.
No mesmo planeta, pessoas acordam e não podem agradecer pelo dom da água. Seu primeiro pensamento é angustiante, desesperador. “Haverá água?”
Érico Hiller, fotógrafo que tem um trabalho incrível, retratou o desespero dessas pessoas. A capa do livro mostra, de maneira dura, a busca pela água para sobreviver. Límpida, transparente, insossa, é tudo o que essa água não é…
Por esses dias me deparei também com uma bela oração dentro do movimento orquestrado por Papa Francisco, “Ladato Si” - louvado seja.
Para mim é pura poesia, e eu aprecio muito esse olhar renovado, esse frescor para uma prece que carrega toda a beleza de um poema.
A água que vi em forma de chuva também me fez lembrar do mestre zen-vietnamita Thich Nhat Hanh que falava da água e para mim, sua voz e suas palavras chegavam como uma oração ao meu coração.
Todas as manhãs, quando ele ia lavar o rosto, ele dizia sentir o frescor da água tocando suas mãos e ele imaginava aquela água sendo a neve das montanhas derretendo e descendo suavemente, imagina um olho d’água, água jorrando do seio da Mãe-Terra, pensava no mar, o sol, a água evaporando, tornando-se nuvem, chuva e chegando até ele, ali naquele momento, o líquido sagrado em suas mãos, em sua face.
Música, poesia, prece, oração, fotografia. Tantas são as formas e se olharmos bem, todas podem ser sagradas.
Que a gente aprenda a olhar e reverenciar o líquido sagrado que nutre a nossa vida.