Fizemos um passeio analógico. Deslocamo-nos da nossa cidade para a capital com um único objetivo: revelar uma fotografia.
A verdade é que não fomos "revelar" e sendo assim o tal passeio analógico também não se encaixa aqui. Acho que foram os tempos saudosos ou o filme " Dias Perfeitos" que me inclinaram a começar esse texto usando as palavras revelar e analógico.
Não havia filme, negativos, 12,24 ou 36 poses.
Houve uma visita que recebemos em casa com alegria e no entusiasmo do café coado, risadas, um deles tirou o celular do bolso e anunciou que havia encontrado fotografias do "padrinho e da madrinha" num site de linhagem familiar.
As xícaras e copos ( as visitas gostam mesmo é de beber café no copo de bar ) eram pousados; óculos foram necessários. Vez por outra a tela do celular apagava, era preciso passar o aparelho, feito brincadeira de passa-anel até o dono estabelecer novamente o retrato.
Então eu me lembrei que meu computador também abrigava um retrato, em condições melhores do que aquele encontrado por nossos visitantes.
Não tinha certeza se encontraria. Admito que há considerável bagunça em meus arquivos.
Retornei para a cozinha com o notebook em mãos, aberto, a fotografia ocupando toda a tela.
O entusiamo foi geral e tão grande que acharam não caber ali na cozinha e todos se deslocaram para a sala.
Os copos americanos e as xícaras se acomodaram na pia, as visitas se acomodaram nos sofás e o retrato foi acomodado sobre joelhos e pernas. Até as lembranças tristes tinham traços de alegria.
Enquanto lavava as xícaras e os copos, meu marido foi invadido por pensamentos analógicos.
"A gente precisava dar um jeito de revelar essa foto, fazer um quadro bem grande, precisava encontrar um lugar bom que fizesse isso".
A foto em questão foi tirada em 2014 com um celular que, comparado com os de hoje, deixava muito a desejar.
Lembrei-me de um local, entrei em contato, explanei a situação e perguntei se era possível.
Fiz tudo em segredo e quando ficou pronto anunciei que precisaríamos ir à capital para buscar o retrato.
Encantou-nos o resultado! E também encantou à moça que nos atendeu.
Ela vestiu luvas para tocar na fotografia e enquanto percorria os dedos, percebeu algo ali e indagou: "nessa fotografia, são todos irmãos?"
"Doze. E estamos todos vivos. O casalzinho aí no centro, é o papai e a mamãe, eles já se foram, e nós seguimos aqui.
"Doze?!" A moça misturou a pergunta e a admiração.
Seus dedos deslizavam suaves dentro do tecido branco indo de encontro às orientações que meu marido lhe falava.
"80 anos a mais velha, ali, ali à direita lá em cima"
"Você é o caçula dos homens? Sou sim. Me fala a ordem em que nasceram. Nossa! Nossa!
O lugar que nos fez o excelente retrato é muito procurado para serviços de museus e galerias e fotográfos profissionais.
Há fotos lindas espalhadas pelo ambiente.
Mas aquela foto tão caseira, tão café preto no copo de vidro de uma família que conseguiu se reunir e se abraçar, encantou o coração até de quem está acostumado com obras de arte!
Saímos de lá e fomos escolher a moldura:
Marido em estado de encantamento!
Logo será colocado na parede.
" Para não esquecer, para voltar de vez em quando, pelo tempo de um olhar" Valérie Perrin