Ando às voltas com umas palavrinhas gaúchas, uma vontade enorme de estar nos pampas e então vou escrever uma aventura na terra do chimarrão!
Eu tinha uns doze anos de idade e andava triste ( atucanada) com a perda da mãe. Uma vizinha querida pediu ao meu pai que deixasse eu viajar com a filha dela para a casa de uns parentes no Rio Grande do Sul, faria muito bem a mim e eu seria boa companhia para a filha dela.
Meu pai deixou. A vizinha explicou-me muito bem as condições que me esperavam, uma vez que eu era bastante urbana.
A alegria foi tanta, que eu acho que nem ouvi as descrições feitas por ela sobre a casa dos parentes.
Viajar sozinha com minha amiga e ainda por cima havia uma novidade gigantesca, que era quase inacreditável: voltaríamos de avião!
Numa época que avião era para pessoas muito ricas, parecia tão distante da nossa realidade e eu iria realizar o sonho de voar.
30 dias de viajem. O mês de janeiro inteiro.
Malas prontas, rodoviária. Tempo em que se podia por a cabeça para fora do ônibus e acenar aos queridos ( sim porque agora os vidros de ônibus não abrem mais, não dá para fazer despedida poética, segurando os dedinhos do amado pela janela...).
18 horas intermináveis, mas só de pensar na volta de avião, tudo ficava bom!
Chegamos cedo em Porto Alegre, pegamos outro ônibus até Taquara e de lá um terceiro ônibus, daqueles que só tem um pela manhã e o da volta a noite, e fomos deixando um rastro de poeirão vermelho para trás. Para trás não, porque nós também estávamos avermelhadas.
Cada vez as casas iam se espaçando mais umas das outras, e chegamos na casa do tio Pedro. Alegria, abraços e eu quis tomar um banho para tirar a poeira do cabelo.
Achei o design do chuveiro bem diferente, parecia uma lata pendurada com vários furos e quando procurei o registro para abrir a água, não encontrei.
Chamei a amiga que caindo na risada, tinha esquecido de avisar que não havia chuveiro como o nosso lá. Tinha que esquentar água no fogão e colocar. Nunca tomei um banho tão ecologicamente correto. Segundos apenas porque a água já tinha acabado...
Bem, pelo menos havia um rio nos fundos da casa. Eu realmente era bem urbana ( fresquinha, cheia de medos) tinha muito medo de pisar no rio e alguma coisa me morder. Depois do terceiro dia, parecia que eu tinha nascido índia.
Ali pelo meio da viagem, subimos de carona na carroça do leiteiro – duas horas acima – para a casa da tia Julieta, que era uma fazenda, mas não tinha rio nem chuveiro pendurado. Era em pé dentro de um bacião de alumínio.
Lá a dificuldade foi outra. Não tinha banheiro nem activia. Essa história de matinho, não deu para mim. Número um tudo bem; agora número dois escutando galinhas ciscando por ali, nem pensar! Foram alguns dias de constipação funcional.
Antes de ir embora, pousadinha em Gramado/Canela. Banheiro, chuveiro, civilização...
Voltamos para o último banho de rio, para a última refeição com compotas de sobremesa ( foi lá que eu conheci doce de cidra, mamão verde, casca de laranja...).
Hora de partir. Malas feitas, ecobag nas mãos e o aeroporto nos esperando.
Naquele tempo já éramos ecologicamente corretas ( e nem sabíamos). A ecobag era uma sacola mesmo de couro marrom escuro onde estavam acomodados nada menos que dez salames feitos com todo amor em casa e todas as recomendações para não amassar.
Lá estava o nosso avião com a rabeira exibindo lindo arco-íris. Bons tempos de transbrasil...
Despachamos a bagagem, menos a bagagem de mão, digo os salames.
Quando entramos no avião e acomodamos os salames em nossos pés, começamos a ouvir as reclamações: que cheiro horrível era aquele?
Fui ficando envergonhada, mas era a minha primeira viagem de avião, não podia me atucanar. Veio a salvação.
O cigarro. Que maravilha aquele tempo em que se podia fumar no avião. Agora ninguém
lembrava mais dos salames que rescindiam como incensos e punham-se a tossir e esfregar os narizes. Nunca pensei que seria tão a favor de que muitas pessoas acendessem seu vício em compartimento fechado.
Trilegal, não foi?!