Eu não uso protetor solar para praticar atividades físicas ao ar livre. E outras oito ou nove pessoas que praticam comigo, também não.
É que nós começamos às dez para cinco da madrugada. Está tudo escuro. Ninguém precisa disto!
Eu sou novata na turma.
Comecei no dia das mães. Não que eu tenha ganhado alguma roupa esportiva, ou um tênis bacana. Não, nada disso.
Na véspera do dia das mães, houve a tradicional festinha na escola. E eu participei com a Júlia, minha filha, do pega-pega.
Fui pega aos dois segundos do início da brincadeira. Minha filha ficou muito decepcionada comigo. Eu ainda tentei descontrair dizendo que isso era um recorde, mas ela pareceu não se convencer.
Acordei arrasada no dia seguinte, o domingo das mães. Não propriamente pela Júlia, mas sim porque me doía o corpo todo. Aqueles míseros dois segundos me deixaram toda dolorida. Um trapo.
Um belo dia resolvi mudar. E foi naquele dia mesmo que comecei a caminhar. Domingo à tarde.
Porém durante a semana, o único horário possível é às dez para cinco da matina.
O silêncio e a escuridão são incríveis.
Não é preciso se preocupar com o tênis. Ninguém enxerga marca, modelo, nada disso.
A moda é bastante misturada. As poucas pessoas que lá estão, estão vestidas de tudo: cachecol inclusive. Inclusive eu vou de cachecol. Faz bastante frio de madrugada.
Há dois caminhos: o estreito de terra, que é para os profissionais do pega-pega. Eles correm bastante. E há o caminho mais largo, para aqueles que vão mal no pega-pega, tiram nota baixa ou mesmo são expulsos, que é o meu caso.
Por alguns segundos ficamos lado a lado: a turma que corre e a que caminha. Saudamo-nos gentilmente. Um aceno de mão ou de cabeça.
Por falar em cabeça, eu caminho de chapéu, não por eu ser princesa, é que sempre me lembro de papai falando "pegar sereno na cabeça faz um mal danado".
E por falar em sereno, hoje eu comecei a caminhada e já me deu calor, tive que tirar o cachecol e amarrar na cintura. De repente comecei a sentir delicadas gotinhas tocando o meu rosto. Sereno, porém prefiro orvalho. O orvalho a me beijar a face. Que poético, pensei.
Também pensei que a escuridão e o silêncio trouxessem muita inspiração poética. Trazem sabe o quê? O seu lado mais sombrio.
Primeiro a gente inveja daquela turma do pega-pega profissional. Dão umas vinte voltas, enquanto eu nem completei a primeira.
Depois veio a maledicência em mim. Vi uma mulher na minha frente caminhando de guarda-chuva aberto por causa do orvalho. Pensei: que falta de poesia, ao invés de deixar que o orvalho lhe beije a face, abre essa coisa enorme durante a caminhada.
E segui sendo acariciada pelo orvalho, só que não sei o que aconteceu que o orvalho ficou tão forte, mas tão forte, que eu despertei daquele transe poético e percebi que estava chovendo. E percebi que aquela mulher de guarda-chuva à minha frente era feliz. Eu não devia ter tido pensamentos maldosos em relação a ela.
O guarda-chuva era tão grande, que ela abrigou uma amiga e seguiram a caminhada. Eu também segui. Usei o cachecol da cintura para enxugar o rosto que escorria. Mas não desisti.
Sabe, quando me vem a soberba e eu acho que estou arrasando na caminhada, ultrapassando e acenando com um bom dia ( deveria ser boa madrugada ) e deixando gente para trás, surge uma senhora japonesa que passa por mim com tanta tranquilidade e agilidade que eu penso que ela ter patins invisíveis que a torna tão rápida.
Por mais que eu me esforce, fique ofegante, não consigo ultrapassá-la.
E com toda aquela orvalhada caindo, esta senhora se ausentou da pista de caminhada, foi até o seu carro e voltou de guarda-chuva e ainda por cima em dois segundos me ultrapassou.
Segui arrasada e ensopada. Mas, segui.
No caminho, quando o orvalho era só orvalho, um senhor à minha frente parou perante um arbusto, arrancou um pequeno galhinho com umas três ou quatro folhinhas, colocou no bolso e arrancou numa corrida surpreendente. Devia ser mágico aquele arbusto. Com inveja, pensei em arrancar também umas folhinhas, mas naquela escuridão fiquei com medo de confundir os arbustos. Vai que eu arrancasse um com efeito tartaruga.
Já na hora de ir embora, o céu limpou, clareou e fiquei com aquela sensação de feriado prolongado que só chove e no dia que você volta para trabalhar, sai aquele solzão.
Enquanto tudo isso ocorria, dormiam meus rebentos e sonhavam com pega-pega. E eu ali, me esforçando para aumentar os segundos no próximo dia das mães.
Na verdade, eu nem sei por quanto tempo vai durar essa determinação pela caminhada. Vamos caminhando e veremos.
Agora vou confessar uma coisa: quando estou na volta final, eu sinto uma vontade enorme de encontrar um pipoqueiro. Que fome de pipoca.
Mas não deve ter. Milho não deve gostar de pular de madrugada.
Confesso também que estou prestes a seguir a sabedoria de Mario Quintana:
As pessoas sem imaginação
podem ter tido as mais imprevistas aventuras,
podem ter visitado as terras mais estranhas.
Nada lhes ficou. Nada lhes sobrou.
Uma vida não basta apenas ser vivida:
também precisa ser sonhada.
Estou pensando em sonhar mais tempo na minha cama, comprar um protetor solar e ir caminhar no sol a pino!
Agora, uma opinião: que título fica melhor neste post, pega-pega ou protetor solar?
Beijo