sexta-feira, 25 de maio de 2012

O pesadelo da chuva

Era madrugada quando eu despertei. Embora os olhos ainda estivessem revestidos com aquele sono que os deixa pesados, mexi e remexi o corpo, os cobertores e só então ouvi a chuva.
Como me incomodou aquela chuva. Era aquela chuva com barulhinho gostoso que lhe faz virar para o lado, afinal ela cancela a caminhada.
Eu que gosto dessas chuvas mansas que limpam os telhados, os poluentes do ar, fazem a alegria das árvores, goteja com uma cadência que embala os olhos, continuem incomodada.
Uma só imagem me tomava. Um pesadelo.
Pesadelo que não era o avesso de sonho bom. Era avesso da vida.


Um especial no Jornal da Cultura mostrou e mostrará durante esta semana, a seca que está afetando do Cariri.
Nenhuma novidade. Poderiam pegar até imagens de anos anteriores e editarem a data. Ninguém perceberia. As cenas são as mesmas: terra seca, o gado morrendo, água barrenta para se beber.
A inteligência, a tecnologia ergueu cidades sobre desertos. Pomares suculentos fixaram morada no sertão.
Fazer campanha para arrecadar garrafas de água mineral e alimentos básicos... sim poderíamos fazer, usaríamos a internet e em pouco tempo teríamos toneladas.
Toneladas de ilusão. Porque embora fosse muito bem vindo essa ajuda, eles têm direito a mais do que uma campanha de algumas semanas. Existe verba, existe muito dinheiro para ser aplicado nestas regiões. O dinheiro evapora tal a água dos açudes.
Já sabemos que a seca não é tão somente um boletim meteorológico. É um descaso político vergonhoso. É um crime contra a humanidade. Uma humanidade que está dentro do país que eu vivo.

Da chuva da madrugada restou uma sombra cinza no céu e água empoçada pelo quintal.
Levanto-me e como já disse Roseana Murray, mais ou menos assim "A primeira água para o café, a segunda para o rosto".
Teve a água da torneira da pia, do vaso sanitário, do tanque, do banho, a que empoçou na rua, a da tigela do cachorro.
Posso sim fazer tudo isto economizando água: vou fechar a torneira enquanto escovo os dentes, usarei a água da máquina de lavar para jogar no quintal. Mas continuarei indignada porque não posso mandar a minha economia para uma dona qualquer que está bebendo água barrenta mesmo porque o caminhão-pipa vai passar sabe lá quando.
Continuarei incomodada porque hoje é dia que a minha filha pode levar um brinquedo para escola e eu não sei que brincadeira aqueles meninos vão inventar entre os sulcos da terra.


 Eu não sei que silêncio sai das entranhas daqueles contornos de dor. Será que é o mesmo silêncio de um Cachoeira.
E aquele lugar nem precisava de uma cachoeira imensa de recursos. Bastava alguns e bem aplicados.

6 comentários:

  1. Linda crônica e é mesmo revoltante a situação. Tantas Cachoeiras ,roubalheiras, desvios de grana e milhares de pessoas naquelas condições. Nem sei como suportam e sobrevivem! beijos,lindo fds!chica

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  2. Oi Ana, bem interessante sua postagem, e vem de encontro ao que eu também sinto.
    A corrupção nesse país está tomando ares insuportáveis. Ficando escrachada, despudorada.
    Assistir aos não depoimentos na CPI é uma coisa nojenta, revoltante.
    Soube, através de uma reportagem em um canal de TV, alguns meses atrás, que se for cavado poço artesiano, lá no norte e nordeste, dá água, e da boa!
    Os politicos dizem que precisaria muitos poços, e não tem verba!
    O que não tem é vergonha na cara.
    Pobres irmãos nossos que vivem naquele inferno.
    E ainda assim votam nesses bandidos.
    Nossa, se continuar falando vou ser vítima de CPI também, por desacato rsrsrsrs
    Mas a vontade é de continuar falando até que alguém ouça (será?).
    Beijos Ana Paula, essa semana foi de reclamações em? aqui e lá!
    abraços querida.

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  3. Teu blog é lindo, parabéns!

    Vem conhecer o meu:
    leiakarine.blogspot.com

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  4. Oi Ana
    Falou bem sobre o sentimento que se tem quando vemos imagens ou lemos a respeito.
    Tanta desigualdade e tanto desperdício de dinheiro. Orçamentos mal aplicados,desviados.
    Tanntas cidades fazendo jardins pelas cidades com caminhões pipas a molhar quando demora a chuva demora um pouquinho.
    E o sertão sem água , a sofrer, a adoecer, a morrer.
    Onde estão os homens de bem do Governo que nao conseguem conciliar,flexibilizar orçamentos, usar devidamente os impostos recebidos?
    Voce já disse tudo, nem precisava comentar, está muito bem dito.
    Minha indignação também existe.
    E o que nos resta é a impotência diante de tudo.
    Que Deus os protejam.
    Um bom domingo, saudade de vir aqui.
    abraços

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  5. Ana Paula, sinceramente a paisagem já não mais me comove. O que me incomoda é o descaso e a acomodação de todos.
    Somos "enganados" diariamente com propagandas de "ecologia", "economia de água para preservar o planeta", "uso de preservativos", "Lei Seca ( e em seguida entra na TV uma propaganda de cerveja. Depois a cara de pau de dizer: Se for dirigir não beba, rs...rs.)", "sacolinhas plásticas em supermercados", e outras mais... Se você analisar uma a uma verá que, por exemplo, a das sacolinhas foi promovida por uma grande rede de supermercados com o objetivo de "podarem" os pequenos mercados que não tem dinheiro para a propaganda na TV e usam as sacolinhas para propaganda única. Essa denúncia partiu de supermercados que usam sacolinhas recicladas e biodegradáveis.
    Ninguém "bota a boca no mundo" para falar disso. O mais importante é entrar na "onda" de "salvar" o Brasil.
    Vou parar por aqui, senão o comentário vira postagem, rs...rs.
    O que me pergunto, em função de seu alerta, é:
    Será que alguém tem interesse em resolver esse problema? (Sempre existiu, né?).
    Será que ninguém teve alcance em conhecer como Israel conseguiu resolver isso?
    Ana Paula, o que interessa é a promessa, que gera a falsa esperança e rende os VERDADEIROS VOTOS.
    Muito legal essa postagem. Isso me provoca bastante, todavia o bom mesmo seria um bate-papo de horas para contar e ouvir muito sobre isso. Só nos resta a ação da cobrança efetiva aos responsáveis pela solução disso e outras coisas (bem mais importantes que sacolinhas plásticas).
    Enfim...
    Beijo
    Manoel.

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