Não havia expectativa alguma. Nada de material novo, mochila, cadernos, caneta para a volta às aulas.
Já sabia de antemão o que encontraria - uma escola sucateada.
E não foi diferente. Foi pior, mas por estudar à noite, os olhos nem se esforçaram por ver o quebrado, o pichado, o destruído.
Mas, havia sim uma esperança módica de que alguém, um professor ou professora de língua portuguesa, literatura, não se assustasse, não temesse ficar na escola dando a aula de que mais apreciava. Tão difícil era um professor permanecer ali...
E a esperança parca ganhou brilho e volume. Um jovem professor, Luís Fellipe, abraçou o desafio.
Não se importava em dar sua aula para três ou quatro jovens que ficavam ali na frente enquanto os outros faziam qualquer outra coisa que não fosse estar na aula.
Assim, o professor, em poucas semanas, inflamou o amor pelos livros, pela literatura no jovem.
Final de semana era difícil ficar na comunidade, nome bonito que em nada modificava o significado de um barraco na favela.
Numa tarde de tédio, foi andar num shopping. De lá iria direto para a aula à noite.
Não foi. De lá foi direto para a cadeia.
Roubou livros na grande e famosa livraria. Num ato insano, onde tédio e desejo se misturavam, pegou quatro títulos e colocou na mochila.
Na saída foi abordado. Cumpriu-se o protocolo de segurança.
No tempo em que aguardava julgamento, alguém o viu chorar e enxergou um brilho diferente em suas lágrimas.
Precisava saber do acontecido. Entregaram-lhe um jornal que relatava o ocorrido.
Pouco, era muito pouco o que a matéria dizia. Matéria aliás que nem deve ter sido lida, afinal perder tempo com mais um jovem que rouba?
Ele perderia, estava disposto a isto.
Falou com amigos, foi até à escola, voltou lá à noite, ouviu do professor de literatura exatamente o que imaginava ter lido nas lágrimas do rapaz.
No dia do julgamento, o dono da livraria, que à época estava em viagem internacional, deu o seu depoimento. Foi duro e correto ao afirmar que nunca o jovem deveria ter cometido o roubo, mas ele foi conhecer a escola em que o jovem estudava, a sua moradia, questionou sobre bibliotecas e entendeu o anseio do jovem por um livro.
A pena de reclusão foi revertida para uma medida sócio-educativa. Saiu do tribunal empregado na grande livraria. Abaixou a cabeça e chorou novamente.
Trabalharia no estoque e a depender do seu desempenho teria outras oportunidades. Junto ao primeiro salário, recebeu o cartão vale-cultura. Estava ainda indeciso de compraria o livro ou assistiria ao filme "A menina que roubava livros". Agora tinha possibilidades.
*Amigos queridos da blogosfera me inspiraram a escrever esta crônica que é baseada em fatos reais e é realmente como eu sonho que poderia ser o desfecho dela.
PS. Dois anos se passaram, e numa tarde o professor Luís Fellipe entrou na livraria. Prontamente atendido pelo jovem que fora seu aluno e agora já trabalha sob os holofotes das prateleiras abarrotadas da sua mais pura paixão, tiveram tempo para um café.
Desta vez foi o jovem que viu uma lágrima com um brilho diferente descer pela face do professor.
Imperdível a crônica de Luís Fellipe Alves. Passa lá!
Nooooooooossa, que maravilha de crônica. Emocionante. Que bom todos pudessem ter alguém assim pra ver ,repensar e ajudar sobre os maus atos cometidos...LIndo final, adorei!!! bjs, chica
ResponderExcluirQuando li a notícia me apiedei do garoto.
ResponderExcluirPode ter sido por zoação, para se amostrar para "amigos", por mau hábito, mas por grana não foi, livros não são comerciais, não é como um celular ou outra coisa que se rouba e vende fácil.
Ai me ocorreu de ser para ler por gosto, para a escola por não poder comprar, para dar a uma namorada, amigo...
Comparei ao roubo de um pão ou pacote de biscoitos por quem tem fome e é preso, as vezes linchado.
Fome de comer, sede, fome de ler, casos que bem podiam ser conduzidos como na sua crônica.
Casos de merecimento de prisão e notícia que passam em branco, que não tem o final devido.
Meninos emeninas que roubam livros, pão, água, que tem a infância e o acesso ao lazer, a cultura, ao amor, roubados. Triste!
Multipliquem-se policiais, donos de estabelecimentos, professores, escritores, pessoas que tentam, nem que seja em desabafo, no sincero entristecer, com olhares, gestos, atitudes, desejos e orações que hajam finais felizes.
Voltei :)
ResponderExcluirFiquei me perguntando se não houve ninguém que questionou, se informou, interviu como se fingiu fazer a maioria no quadro do Fantástico
E lembrei de uma colega de quando eu era vendedora de celular em um grande shopping daqui que te um acesso a rodoviária. Ela vendeu um celular para um ambulante da passarela, um senhor batalhador, simpático e que sempre passava lá antes de comprar pois ñ tinha o dinheiro e depois para aprender a manusear a tecnologia.
Na mesma semana em que ele comprou foi roubado e foi lá nós contar e dizer que ia juntar para comprar outro.
Minha amiga e eu contamos ão dono a história, pedimos desconto ou até um aparelho usado. O dono era e ainda é riquinho rico e não topou. A menina tb rica de bolso e de interior passou em seu cartão um aparelho e deu a S.João.
História verdadeira para ser imitação e aquecer o coração.
Bj
Os erros de digitação são um oferecimento do meu celular :)
ResponderExcluirQue coisa linda!!!! Emocionante!
ResponderExcluirPrecisamos de mais histórias assim, precisamos de verdade, precisamos de histórias de vida e não de telenovelas...
MUito lindo! Obrigada por nos presentear com uma crônica linda desta!
Grande abraço e muito obrigada pelo carinho no Palavras
Leila Rodrigues
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAo ler a matéria, senti falta de muitas linhas. E encontrei aqui. Encontrei aqui o que eu gostaria de reconhecer no garoto. O brilho no olhar, a mudança, a transformação, a experiência em estar próximo desse mundo literário. Dói pensar que na realidade, muitos repreendem o garoto e sua ação sem mesmo imaginar todo o contexto daquela história. Para muitos, é imperdoável. E essa atitude é extremamente egoísta. Não querer conhecer a verdadeira história por trás do acontecimento e julgar, simplesmente.
ResponderExcluirSuas linhas, Ana, são linhas de esperança. Desejar um desfecho tão bonito para o garoto é ter a consciência de que o contexto justifica a ação... E de que o perdão tem uma força muito maior do que se pode imaginar.
Não desejo que essa história se repita integralmente, mas espero que muitos jovens possam desenvolver tamanho apetite por esse mundo tão vasto que é o da literatura. E que, no fim, tudo seja tão feliz e brilhante como nas linhas que nos deu de presente.
Que mais Luís Fellipes possam ter o privilégio de sentir uma lágrima escorrer com tanto orgulho e admiração, por um resultado tão belo.
E espero que a mídia possa nos trazer maiores e melhores notícias sobre o garoto. E não descansarei de desejar que o desfecho seja tão lindo como o que nos escreveu.
Desejo que mais pessoas possam ter um olhar diferente do convencional, assim como todas essas que vemos acolher o caso.
Beijos!
Ana Paula,
ResponderExcluirbela crônica!
Pois é, diante de algumas situações que já estão arraigadas na sociedade, sempre fico pensando qual o limite entre o querer e o poder, e se há de fato possibilidades diante dessa realidade.
Bom ter contato com algumas histórias como esta, e teu jeito de escrever, possibilitou "escorregar" por ela, de maneira fluente e tocante.
Beijos e ótimos dias!
Ai Ana Paula, quem dera o final que você colocou na história fosse verdadeiro…
ResponderExcluirBjs
Puramente tocante, Ana.Esta bela crônica tocou em pontos nevrálgicos da minha sensibilidade acordando lembranças de vivências no chão da escola municipal.Vi o professor, vi este aluno apaixonado por livros, vi situações conhecidas com desfechos diferentes...prefiro o teu.Quisera que todos os roubos fossem desse carácter e que logo deixassem de existir por força da reversão de duras em suaves realidades.
ResponderExcluirMeus aplausos :)
Bjkas,
Calu
Que lindo, Ana!
ResponderExcluirEmocionante e com o final especial que faz a gente feliz!
Beijos!
Ana Paula, querida.
ResponderExcluirVoce sempre voce... a nos tocar a alma, nos sensibilizar e nos fazer pensar.
Como seria bom se mais pessoas no mundo tivesse tempo de ouvir o outro, olhar nos olhos e acolher (nao somente quando as lagrimas caem mas sempre).
Abracos e que bela cronica; como sempre.
Gra'
*nao to conseguindo comentar sempre mas tento, juro que tento.
Linda a crônica, me emocionei.
ResponderExcluirBeijos
Uma bela crônica e o fim da história que todos desejaríamos que tivesse acontecido. Este é um país tão injusto, tão carente, tão pobre em valores que às vezes penso que palavras como as suas poderiam ter o poder de mudar, na mesma hora, esta realidade.
ResponderExcluirVocê foi genial nesta crônica!
ResponderExcluirAmei!!! Para refletir...
ResponderExcluirExcelente crônica, Ana Paula!
ResponderExcluirEstou sem fôlego diante da sua criatividade inspirada numa notícia policial que, como muitas, exprime a realidade brasileira.
Abração
Jan
Ana, o conto é lindo! Continue escrevendo sim!
ResponderExcluirMas olha, acho que o roubo não é justificativa pra nada... tem outros meios de se conseguir as coisas que não seja pelo crime. Mas o conto é conto e a história é real.
Acredito que o caráter é o que sempre predomina. Se ele achou por bem roubar só pra ter algo que não conseguiria, então tenho minhas dúvidas do caráter dele.
É o que penso.
Uma linda semana, abençoada!
Beijos
Emocionante!!!
ResponderExcluirAna Paula,
ResponderExcluirConcluo esta crônica encantada com teu olhar, com tuas linhas de esperança, como referiu Luís Fellipe! Tão fácil julgar o fato... tão necessário, porém, contextualizá-lo para que não se propaguem injustiças deixando seus reflexos gerações afora. Um final feliz é possível, de verdade, para um jovem infrator... se ele quiser e se a sociedade permitir.
Parabéns!