Calçaram seus pés com uma alpargata, ou como ela mesma dizia rindo, aquele sapato molinho, de paninho.
Não veio o riso, tampouco qualquer palavra. Talvez tivesse se lembrado que o sapato molinho fora presente da filha, comprado na feira de domingo.
Apoiaram um de seus braços e a conduziram.
Lembrou-se de pegar um lenço bom. Passou-o pelos olhos e guardou preso ao sutiã.
Depois da cirurgia de catarata malsucedida, enxergava somente vultos e tinha sempre os olhos úmidos que lhe escorriam pela face.
Cessaram as conversas quando ela chegou. Duas ou mais pessoas aproximaram-se no intuito de ajudar. Ela os afastou com um gesto firme. Agradeceu a quem lhe apoiava o braço e pediu para que a deixassem ali, só.
Tateou com as mãos até pousá-las no rosto.
A gelidez tomou-lhe as palmas, os dedos, a alma.
Não gritou, porém todos que estavam presentes puderam ouvir.
"Era eu que tinha que estar neste caixão minha filha."
Os olhos continuavam úmidos. Talvez fosse quente o seu lacrimejamento; não se lembrou de usar o lenço.
Uma mãe jamais poderia sentir em suas mãos tal gelidez vinda da face de um filho.
Dilacerante dor, reversos do processo natural do vir e ir da vida
ResponderExcluirPresencie recentemente uma tia querida que a pouco havia enterrado seu companheiro, enterrar seu filho, meu primo que me viu crescer e que vi definhar e perder para a bebida e as drogas, separação da mulher e do filho e dos irmãos e do pai e essa mãe dizer que ainda bem que se foi, que melhor assim, que estou aqui para enterrar, não sumiu sem eu saber onde o corpo foi jogado já que a alma morreu a muito, a dele e a dela
Durezas da vida que não devemos absorver e sim fazer delas prover algo de bom em nós pelo que temos, o que não temos e o incerto porvir
Nossa, Ana, tão triste! E tão belamente escrito, o que faz justamente essa tristeza da história penetrar no âmago da gente...
ResponderExcluirPor pura coincidência, ou não, este é o dia em que uma amiga minha enterra precocemente seu filho, vítima de acidente enquanto fazia trilha com sua moto... presidente dos trilheiros, embora ainda muito jovem, de repente perdeu o controle da moto e de sua própria vida. E minha querida amiga está lá, sentindo as mãos gélidas do filho entre as suas e certamente pensando, como sua personagem: era ela quem deveria estar em seu lugar!
De arrepiar, querida Ana! Você descreveu uma história real deste meu triste dia.
Um grande beijo.
Nossa Ana Paula, acho que esse é o maior medo que uma mãe tem na vida!
ResponderExcluirEssa cena me fez lembrar de minha avó ao lado do caixão de meu pai, ela acariciava seu rosto e dizia: meu bebê, meu bebê…Era de cortar o coração.
Sempre rezo para que ninguém tenha que passar por isso.
Bjs
Olha, vc devia participar de oficinas de criação literária. ficou lindo e muito poético. Parabéns Ana! Que se dom se desenvolva a contento!
ResponderExcluirTriste, tocante, emocionante e lindamente escrito e descrita essa dor!bjs,chica
ResponderExcluirQuando ela chega e vem buscar o que é seu, não temos como fugir desta dor que fere a nossa carne e faz sangrar a nossa alma. Um abraço, um aperto de mão, um beijo na face ou um colo para repousar são importantes para que possamos entender que é preciso continuar e que um dia esta dor vai virar lembrança. Doces lembranças temperadas pelo amor, porque este nunca morre.
ResponderExcluirQue lindo Ana, um feliz dia da mãe para vc! Bjosss
ResponderExcluirUm texto lindo e pungente!
ResponderExcluirUma realidade, mas mãe nunca imagina ver seu filho morto, acho que é a maior das dores.
beijos cariocas
Tão triste Ana que dói o coração,
ResponderExcluirNão dá para imaginar o sofrimento de uma mãe que perde um filho,
Dói-me demais!
Seu texto é de muita delicadeza e por isso triste.
Dizem que as coisas belas são tristes e as tristes são belas,
E os poetas conseguem expressar, obrigada poetinha por partilhar.
deixo abraços
Oi, Ana Paula!
ResponderExcluirDe muita sensibilidade a sua crônica. Não sei se aconteceu realmente ou se foi uma inspiração de escritor, mas eu lembrei logo de minha avó.
Eu tinha chegado em casa depois de uma balada e ela estava hospedada em casa. Era a mãe do meu pai e mesmo ele falecido à muitos anos, era a minha mãe que ela procurava quando ficava adoentada. Eu a ouvi falar, parei no corredor e escutei: "Deus pai, eu não aguento mais ver filho meu morrer, me leva logo...".
Foi de cortar o coração e sempre quando penso em uma dor maior, lembro da dor que deve ser ver um filho morrer. Eu peço à Deus todos os dias que me prive dessa dor, mas ao mesmo tempo, sinto vontade de ser eterna, para ver como será a sua vida futura, como criará os filhos, seus netos...
Dizem que as mães nunca morrem e que elas sempre estarão do nosso lado. Um alento...
Sua crônica me pegou de jeito!
Beijus,
que triste...
ResponderExcluiressa é uma dor que mae nenhuma merecia sentir :-(