Cultivo hábitos antigos; alguns diriam ultrapassados.
Para mim, do passado que ainda se faz presente.
Ir a uma agência dos correios, por exemplo.
Evitável, alguém poderia sugerir.
Fato, evitável em muitas situações.
A que me levou até lá, também seria evitável.
Fotografias. Eu poderia transferir as fotos diretamente para um site, que, após a confirmação do pagamento, enviaria diretamente para a pessoa em questão. Economizaria tempo.
Mas não é sempre que quero economias de tempo.
Saí cedo, com o sol ainda ameno. Caminhada, ponto de ônibus, ônibus, descer na praça, caminhada, senha, espera, atendimento, alegria.
Entre a senha e o atendimento encaixava-se um livro que lembrei de pegar antes de sair de casa.
Pequeno para que não pesasse e coubesse na bolsa.
E foi entre a senha e o aviso sonoro e luminoso no painel que eu encontrei uma história nesse livro.
Especificamente nas bordas dele.
Eu era uma menina e junto a meu pai, via o progresso do metrô chegando cada vez mais próximo de onde morávamos.
Eu tinha quatorze anos quando era possível pegar um ônibus e em meia hora estar na estação mais próxima, que traduzida do tupi, significa "caminho do tatu". E veio a permissão ( e acredito, apreensão ) de meu pai para que eu fosse sozinha ao centro de São Paulo.
Quase indescritível a sensação!
A confiança dele em mim, a minha responsabilidade, a liberdade contida no trajeto. Claro, que precisei disfarçar o frio na barriga.
Fui e voltei em segurança e fui tantas outras vezes, já sem o frio na barriga, entrando e saindo de lojas e ruas estreitas.
Na loja de nome Paulinas, onde havia artigos religiosos, de papelaria e uma boa livraria eu entrei muitas vezes. Comprava marcadores de páginas com belas imagens e frases com os quais eu presenteava as amigas da escola. E lá me deparei com uma coleção de pequenos livros de um mesmo autor que soube ser poeta.
Capas de cores intensas para cada título. Haviam muitos exemplares. Custava pouco.
Trouxe um para casa e de uma outra feita, mais um.
Poderia ter comprados todos de uma só vez, devido ao preço tão miúdo. Era o prazer de ir até lá.
Era a eternidade que me pulsava, a duração de para sempre da adolescência, da loja, dos mesmos livros, no mesmo lugar.
Mas a vida também escreve enredos para nós.
E quando lá eu voltei, o nome da loja antes no feminino, tinha mudado para um equivalente masculino.
Não questionei o porquê; queria apenas comprar os livrinhos e até me lembrava do lugar onde estavam.
Mas eles não mais existiam.
O efêmero começou a se mostrar ali.
Saiu do catálogo, não era mais editado, não existia na loja que apesar de existir, mudara o nome e talvez tantas outras coisas.
Pudera, eu também não era a menina que desbravava o centro da cidade.
Restou-me o meu exemplar, na verdade, os dois somente.
Poesias no lado de dentro, histórias nas bordas amareladas.
Entre a senha e o atendimento, não abri o livro.
Ele mesmo fechado me contou toda essa história.
A1106
Minha vez. As fotos. O atendimento. A alegria.