Eu era uma criança. Oito pra nove anos quando peguei e li aquela carta.
Não tínhamos caixinha de correspondências; eram deixadas no portão.
Estranhei aquela carta, eu era familiarizada com cartas, e aquela não continha selo, nem o carimbo dos correios, não havia remetente e no destinatário estava escrito: PARA VOCÊ.
Sim, era para mim.
Abri-a ali mesmo sentada nos degraus próximo ao portão.
Fiquei paralisada e os sentimentos que se sucederam, hoje já não sei descrever.
Por vários dias, convivi com aquela sensação horrorosa.
A carta era descrita como uma corrente e quem a quebrasse, ah... quem a quebrasse...
Houve sim pessoas que romperam a corrente e ali na carta estava descrito tudo o que de ruim lhes aconteceram.
Acidentes automobilísticos, casas incendiadas, perda de emprego e empobrecimento estarrecedor e o pior de todos na minha opinião de oito pra nove anos - a mãe daquele que quebrou a corrente, em menos de três meses, morreu.
Não quebrar a corrente significava escrever, ou melhor, copiar dez cartas iguais àquela e enviar para dez pessoas diferentes.
Comecei desesperadamente a fazer as cópias, angustiada com as desgraças ali descritas, angustiada com e como eu iria distribuir aqueles envelopes anônimos. E fui salva pelo flagrante de minha mãe.
Caí no choro com medo de que ela morresse em menos de três meses.
Ela entendeu o tamanho do sofrimento para tão poucos anos de vida e disse-me que aquilo era coisa de gente que não tinha o que fazer e que não deveria acreditar naquelas coisas. Ao invés de escrever cartas daquele tipo, apenas reze e tudo ficará bem, ela me disse.
Eu me acalmei, rasguei tudo e ela não morreu em três meses, nem houve incêndio, ou qualquer outra tragédia.
Encontrei outras cartas daquele mesmo tipo, apenas com desgraças diferentes descritas, na minha infância e depois nunca mais.
Achei, depois de adulta, que tínhamos evoluído o pensamento e por isso aquelas correntes desapareceram.
Que engano!
Ganharam apenas novas roupas.
Estão nas redes sociais, exigindo que você diga amém, que você compartilhe em vinte e quatro horas, que você repasse a dez amigos. Continuamos a querer obrigar o outro. Continuamos a ter medo e por isso repassamos, abaixamos a cabeça mesmo sem querer, sem acreditar que aquilo sirva para algo.
Agora, em tempos políticos somos desafiados, ameaçados - "agora é pra valer Quem não responder com um fora temer... Estará fora do meu twitter, do meu face, do meu snap, do meu instagram... prazo Até sexta feira 28/04."
Sério, acho incoerente esses tempos. Lutamos por igualdade, lutamos para acabar com o racismo, com a xenofobia, lutamos por inclusão, mas somos incapazes de aceitar quem pensa diferente da nossa ideologia? Boas amizades são desfeitas porque não se coloca um fora temer, fora dilma, fora sei lá quem?
Vamos construindo relações agradáveis pelas redes sociais e de repente, fulano já não serve porque é isso ou aquilo?
As cartas malditas estão por todos os lados... fazendo ainda enormes estragos.
quarta-feira, 26 de abril de 2017
terça-feira, 25 de abril de 2017
Aprecie a luz
"Vá para fora e veja mais o céu. Vá para fora, olhe para o céu e veja mais a luz. Eu recomendo que você vá lá fora, olhe o céu, se conecte com o céu. Este é o espaço sagrado externo.
Olhe a luz no céu no por do sol, no sol nascendo, no sol nas montanhas, no lago, nas construções, nas flores... Essas luzes são a manifestação externa, a luz externa.
Quando você se conecta com o céu externo, isto ajuda você a se conectar com o céu interno."
Olhe a luz no céu no por do sol, no sol nascendo, no sol nas montanhas, no lago, nas construções, nas flores... Essas luzes são a manifestação externa, a luz externa.
Quando você se conecta com o céu externo, isto ajuda você a se conectar com o céu interno."
Tenzin Wangyal Rinpoche
Há maneiras agradáveis de começar bem o dia.
Vá para fora e olhe o céu.
Há muitas maneiras de se conectar com essa fabulosa paleta de cores e o blog da Chica, Céu e Palavras, há muitos anos nos presenteia a cada manhã com um lindo céu, nos ensina a olhar para o Alto e ver a Luz.
Por vezes a Luz pode até estar obscurecida por uma nuvem, por um dia chuvoso, mas está lá!
Minha gratidão a esse lindo trabalho que Chica realiza fotografando, garimpando céus e nos trazendo boas palavras para um bom dia, ou para uma ótima noite.
Aprecie a luz!
sábado, 22 de abril de 2017
Diário
Ontem li num blog sobre escrever diários. O quanto a garota se tornou melhor e mais feliz escrevendo e relendo seus diários.
Tomo a decisão. Vou escrever também. Ainda que virtualmente. Isso aqui é um diário também.
Sábado, 22 de abril de 2017.
Acordo às 05h46min.
Filho tem aula.
É emenda de feriado, é feriado prolongado de Tiradentes que a gente lembra, mas eu tinha me esquecido que hoje é "descobrimento do Brasil".
18˚ é a temperatura lá fora. O céu está muito limpo e bonito. Promete ser dia de sol ( previsão minha mesmo).
Tenho que ser ágil. Café preto, duas castanhas do Pará e metade de uma maçã. Perguntei ao filho ontem antes de ir dormir.
Mando-o colocar blusa. Ele resmunga mas obedece.
Descemos: eu, o cachorro e o filho.
Seu amigo José já o espera; vão pegar um Uber. José veio só para esta cidade. Seus pais ficaram. José está sem blusa nesses 18˚. Um dia ainda arrumo um jeito de falar isso pra mãe dele.
Na minha volta, tomo o meu café, que na verdade é chá. GUEM MAI CHA. Assim que está escrito no pacote. É chá verde com arroz integral tostado. Aprecio demasiado.
No apartamento agora, só eu e o cão. Filha e marido têm casamento para ir à noite em outra cidade.
Achei cruel deixar o menino aos cuidados dele mesmo e ir também ao casamento. Fico. Ele tem aulas durante todo o feriado ( e agora tenho certeza Chica, que a melhor idade é a da Marina ).
Vou comprar jornal. São 9h da manhã e sol já aquece o ar frio. 15 min de caminhada até a banca.
Levo o cão. Compro o jornal e uma bala de hortelã.
Acho que a bala é saudade da filha.O jornal não é para ler; é para forrar o cestinho dos banheiros. Toda vez que ela vai comigo comprar o jornal aos sábados, pede bala de hortelã.
Volto chupando a bala e pensando nela e no casamento.
Ela me perguntou todo o protocolo da cerimônia. A gente fica sentado? Que horas levanta? Vai tocar música?
A menina tem doze anos e nunca foi a um casamento. No meu tempo acho que casavam mais porque nessa idade eu já sabia até as falas do padre.
Explico tudo com delicadeza e ela me devolve: "Obrigada, novelas, vocês me ensinaram tudo sobre casamento". "Ah mãe, sempre tem casamento no último capítulo".
Houve uma evolução muito grande nos casamentos.
Vou contar.
No convite que recebemos constava um site. Tudo deveria ser visto e resolvido por lá. Horários, trajes, endereços, lista de casamento virtual, fotos dos noivos e padrinhos.
Adorei a lista de presentes virtual. Fiquei um bom tempo olhando cada item e quando me decidi, ocorreu-me uma dúvida em relação a cor. Chamei marido, mostrei-lhe os outros itens, disse estar apreensiva em relação a cor porque de repente, nada naquela lista, nada parecia combinar e assim ele ligou para a mãe da noiva, que no caso, é sua própria irmã.
Expos com delicadeza minha dúvida sobre o ornamento das cores, que foi imediatamente sanada. "Mano, preocupa não com a lista, qualquer coisa, porque aquilo é só pra dizer. Num vai os presentes para ela, só o dinheiro".
Odiei a lista de presentes virtual.
Não tive como conter as lembranças dos casamentos da minha infância. A mãe da noiva era a que mais sofria. A cada visita que ia à sua casa, ela os conduzia até a casa da noiva e lá acomodava os presentes em cima da cama.
Nos dias que antecediam o casório, já tinha presente no chão.
Como era gostoso olhar aquilo. Cinco panelas de pressão, quatro ferros de não vapor, jogos de prato duralex.
Decido que não gosto das listas de casamento virtuais e também que não vou mais escrever diários.
Tenho muito passado agora e esse passado se mistura com a bala de hortelã que eu volto chupando e assim o diário perde a característica de diário, enfim.
Mas, antes de encerrar, só mais uma coisinha.
Ontem ( tá desculpa, o diário era pra ser sobre hoje ) eu peguei elevador com um pai e um garotinho.
O pai falou para o menininho me oferecer a bolacha. Ele virou o pacote em minha direção e eu agradeci recusando.
Fiz errado, devia ter pego, pois assim o garotinho já aprende que tem mesmo uma finalidade oferecer.
O pai se desculpou por ser bolacha de maisena. Eu disse que gosto de maisena e água e sal também.
Ele lembrou de "umas redondinhas que tinham pedrinhas de sal".
Claro que eu lembro, exclamei. Levei muito de lanche!
Eu ficava lambendo o sal, el econfessou. Acho que nem existem mais, pois agora fazem mal, concluiu.
Concluo assim que escrever diários é para os bons. Eu tô mais é para cadernos de memórias!
Feliz Dia do Descobrimento ( via Odebrecht ) do Brasil.
Tomo a decisão. Vou escrever também. Ainda que virtualmente. Isso aqui é um diário também.
Sábado, 22 de abril de 2017.
Acordo às 05h46min.
Filho tem aula.
É emenda de feriado, é feriado prolongado de Tiradentes que a gente lembra, mas eu tinha me esquecido que hoje é "descobrimento do Brasil".
18˚ é a temperatura lá fora. O céu está muito limpo e bonito. Promete ser dia de sol ( previsão minha mesmo).
Tenho que ser ágil. Café preto, duas castanhas do Pará e metade de uma maçã. Perguntei ao filho ontem antes de ir dormir.
Mando-o colocar blusa. Ele resmunga mas obedece.
Descemos: eu, o cachorro e o filho.
Seu amigo José já o espera; vão pegar um Uber. José veio só para esta cidade. Seus pais ficaram. José está sem blusa nesses 18˚. Um dia ainda arrumo um jeito de falar isso pra mãe dele.
Na minha volta, tomo o meu café, que na verdade é chá. GUEM MAI CHA. Assim que está escrito no pacote. É chá verde com arroz integral tostado. Aprecio demasiado.
No apartamento agora, só eu e o cão. Filha e marido têm casamento para ir à noite em outra cidade.
Achei cruel deixar o menino aos cuidados dele mesmo e ir também ao casamento. Fico. Ele tem aulas durante todo o feriado ( e agora tenho certeza Chica, que a melhor idade é a da Marina ).
Vou comprar jornal. São 9h da manhã e sol já aquece o ar frio. 15 min de caminhada até a banca.
Levo o cão. Compro o jornal e uma bala de hortelã.
Acho que a bala é saudade da filha.O jornal não é para ler; é para forrar o cestinho dos banheiros. Toda vez que ela vai comigo comprar o jornal aos sábados, pede bala de hortelã.
Volto chupando a bala e pensando nela e no casamento.
Ela me perguntou todo o protocolo da cerimônia. A gente fica sentado? Que horas levanta? Vai tocar música?
A menina tem doze anos e nunca foi a um casamento. No meu tempo acho que casavam mais porque nessa idade eu já sabia até as falas do padre.
Explico tudo com delicadeza e ela me devolve: "Obrigada, novelas, vocês me ensinaram tudo sobre casamento". "Ah mãe, sempre tem casamento no último capítulo".
Houve uma evolução muito grande nos casamentos.
Vou contar.
No convite que recebemos constava um site. Tudo deveria ser visto e resolvido por lá. Horários, trajes, endereços, lista de casamento virtual, fotos dos noivos e padrinhos.
Adorei a lista de presentes virtual. Fiquei um bom tempo olhando cada item e quando me decidi, ocorreu-me uma dúvida em relação a cor. Chamei marido, mostrei-lhe os outros itens, disse estar apreensiva em relação a cor porque de repente, nada naquela lista, nada parecia combinar e assim ele ligou para a mãe da noiva, que no caso, é sua própria irmã.
Expos com delicadeza minha dúvida sobre o ornamento das cores, que foi imediatamente sanada. "Mano, preocupa não com a lista, qualquer coisa, porque aquilo é só pra dizer. Num vai os presentes para ela, só o dinheiro".
Odiei a lista de presentes virtual.
Não tive como conter as lembranças dos casamentos da minha infância. A mãe da noiva era a que mais sofria. A cada visita que ia à sua casa, ela os conduzia até a casa da noiva e lá acomodava os presentes em cima da cama.
Nos dias que antecediam o casório, já tinha presente no chão.
Como era gostoso olhar aquilo. Cinco panelas de pressão, quatro ferros de não vapor, jogos de prato duralex.
Decido que não gosto das listas de casamento virtuais e também que não vou mais escrever diários.
Tenho muito passado agora e esse passado se mistura com a bala de hortelã que eu volto chupando e assim o diário perde a característica de diário, enfim.
Mas, antes de encerrar, só mais uma coisinha.
Ontem ( tá desculpa, o diário era pra ser sobre hoje ) eu peguei elevador com um pai e um garotinho.
O pai falou para o menininho me oferecer a bolacha. Ele virou o pacote em minha direção e eu agradeci recusando.
Fiz errado, devia ter pego, pois assim o garotinho já aprende que tem mesmo uma finalidade oferecer.
O pai se desculpou por ser bolacha de maisena. Eu disse que gosto de maisena e água e sal também.
Ele lembrou de "umas redondinhas que tinham pedrinhas de sal".
Claro que eu lembro, exclamei. Levei muito de lanche!
Eu ficava lambendo o sal, el econfessou. Acho que nem existem mais, pois agora fazem mal, concluiu.
Concluo assim que escrever diários é para os bons. Eu tô mais é para cadernos de memórias!
Feliz Dia do Descobrimento ( via Odebrecht ) do Brasil.
segunda-feira, 17 de abril de 2017
Mistérios
Cecília, a responsável pela faxina no prédio onde moramos, dirigiu-se a mim na entrada do elevador:
"Você se incomoda se eu subir com você?"
"Larga de frescura Cecília"
Subimos sorrindo.
Enquanto deslizava o pano na parede de aço inoxidável, relatou:
"Ana Paula, você se lembra daquele cheiro horrível que estava aqui no elevador? Eu limpava, limpava, morador reclamando e o cheiro não passava? Então, tiveram que chamar os técnicos e eles descobriram que o cheiro vinha do fosso do elevador. Fizeram uma limpeza e tanto lá. E você nem vai acreditar o que eles encontraram por lá..."
Comecei a passar mal. Visivelmente.
Cecília, percebeu.
"Nossa, você está pálida, suando. Será que é o cheiro do produto? Calor?"
Cecília tem aquela prosa agradável; um bom dia que faz melhor mesmo o nosso dia.
Mas naquele momento, tudo o que eu queria era ser rapidamente içada para o meu andar o mais rápido possível. Ainda bem que não houve tempo para ela concluir o relato do que foi encontrado lá no fosso do elevador que exalava horrendo aroma.
Já em casa, tomei um gole de água e joguei-me no sofá para me recuperar.
Não tive coragem de falar para Cecília.
Farei a confissão aqui no blog:
Eu perdi meu espremedor de alho no dia internacional da mulher.
Porque só agora estou escrevendo?
Bem, minha filha alertou que não seria nada bom falar de espremedor de alhos no dia da mulher.
Eu, apesar de discordar, afinal, feminismo a parte, mas comida bem temperada todo o mundo gosta, acabei acatando a recomendação da menina.
Ia escrever na Páscoa, mas fui novamente alertada por ela, que chocolate não cai bem com alho. Insisti no bacalhau, mas acabei cedendo e me calando.
Se eu demorar mais, será dia das mães e aí não pega bem, mesmo que as mães utilizem alho o ano inteiro. Dia dos namorados então... falar em alho deve dar separação.
Então agora é a hora. Repito, perdi meu espremedor de alho.
Vou descrever o modelo: ele é do tipo andarilho. Após exercer sua função, é devidamente higienizado, precisando algumas vezes ser utilizado um palito de dentes Gina e após isso ele vai para o sol antes de repousar na gaveta dos talheres e utensílios grandes ( a segunda gaveta ).
Não, não adianta que já tentei usar aqueles potes com uma massa de alho mas eu não gostei nem do gosto nem do cheiro que ficou na geladeira, no armário, enfim, gosto mesmo é da cabeça do alho, de descascar, e amassar no sumido espremedor. Acho que esse gosto herdei de papai, que era obrigado a andar com um colarzinho com alho no pescoço por causa do saci-pererê. E eu não estou brincando.
Mas, voltemos ao sumiço.
Desapareceu mesmo e isso me desesperou. Já imaginou se ele foi parar lá no fosso do elevador?
Porque já revirei gavetas, armários, debaixos, cantos e nada.
Até hoje não consegui comprar outro. Sei lá, talvez seja a esperança dele aparecer repentinamente, um certo apego talvez.
Um pouquinho mais da descrição dele: era daqueles completos, que só depois da internet eu aprendi que ele tinha muitas utilidades como por exemplo, tirar caroço de azeitona. Quando descobri isso, corri comprar um vidro, só para testar a novidade recém descorberta. Depois de umas dez azeitonas, aquela "perninha" quebrou, mas tudo bem, ele continuava a exercer a função de espremer perfeitamente.
Durante todo esse tempo, tenho feito o trabalho de picar o alho manualmente. Descasco, corto ao meio, depois em tiras no sentido do cumprimento bem finas. Venho então com a faca no outro sentido cortando cubinhos ínfimos e depois faço uma espécie de passeio com faca em todas as direções para torná-lo ainda menor. Declaro que esse é o motivo de eu estar tão ausente dos blogs...
É bastante demorado esse processo.
O dedo indicador e o polegar, depois de uns dois minutos nesse procedimento começam a arder e latejar. Mas, até a próxima refeição, passa.
Ah! Você quer saber se minhas mãos ficam cheirando a alho?
Claro que não.
Eu assisti ao episódio que a Rita Lobo ensinou um truque: nada de leite ou limão. Basta esfregar as mãos na pia de inox que o cheiro sai feito mágica.
Sigo assim meus dias. Evitando falar com a Cecília sobre o que foi que encontraram nas profundezas do elevador, esfregando as mãos na pia e lembrando de papai sendo salvo daquele encontro com o saci por causa do colarzinho de alho.
Inté.
"Você se incomoda se eu subir com você?"
"Larga de frescura Cecília"
Subimos sorrindo.
Enquanto deslizava o pano na parede de aço inoxidável, relatou:
"Ana Paula, você se lembra daquele cheiro horrível que estava aqui no elevador? Eu limpava, limpava, morador reclamando e o cheiro não passava? Então, tiveram que chamar os técnicos e eles descobriram que o cheiro vinha do fosso do elevador. Fizeram uma limpeza e tanto lá. E você nem vai acreditar o que eles encontraram por lá..."
Comecei a passar mal. Visivelmente.
Cecília, percebeu.
"Nossa, você está pálida, suando. Será que é o cheiro do produto? Calor?"
Cecília tem aquela prosa agradável; um bom dia que faz melhor mesmo o nosso dia.
Mas naquele momento, tudo o que eu queria era ser rapidamente içada para o meu andar o mais rápido possível. Ainda bem que não houve tempo para ela concluir o relato do que foi encontrado lá no fosso do elevador que exalava horrendo aroma.
Já em casa, tomei um gole de água e joguei-me no sofá para me recuperar.
Não tive coragem de falar para Cecília.
Farei a confissão aqui no blog:
Eu perdi meu espremedor de alho no dia internacional da mulher.
Porque só agora estou escrevendo?
Bem, minha filha alertou que não seria nada bom falar de espremedor de alhos no dia da mulher.
Eu, apesar de discordar, afinal, feminismo a parte, mas comida bem temperada todo o mundo gosta, acabei acatando a recomendação da menina.
Ia escrever na Páscoa, mas fui novamente alertada por ela, que chocolate não cai bem com alho. Insisti no bacalhau, mas acabei cedendo e me calando.
Se eu demorar mais, será dia das mães e aí não pega bem, mesmo que as mães utilizem alho o ano inteiro. Dia dos namorados então... falar em alho deve dar separação.
Então agora é a hora. Repito, perdi meu espremedor de alho.
Vou descrever o modelo: ele é do tipo andarilho. Após exercer sua função, é devidamente higienizado, precisando algumas vezes ser utilizado um palito de dentes Gina e após isso ele vai para o sol antes de repousar na gaveta dos talheres e utensílios grandes ( a segunda gaveta ).
Não, não adianta que já tentei usar aqueles potes com uma massa de alho mas eu não gostei nem do gosto nem do cheiro que ficou na geladeira, no armário, enfim, gosto mesmo é da cabeça do alho, de descascar, e amassar no sumido espremedor. Acho que esse gosto herdei de papai, que era obrigado a andar com um colarzinho com alho no pescoço por causa do saci-pererê. E eu não estou brincando.
Mas, voltemos ao sumiço.
Desapareceu mesmo e isso me desesperou. Já imaginou se ele foi parar lá no fosso do elevador?
Porque já revirei gavetas, armários, debaixos, cantos e nada.
Até hoje não consegui comprar outro. Sei lá, talvez seja a esperança dele aparecer repentinamente, um certo apego talvez.
Um pouquinho mais da descrição dele: era daqueles completos, que só depois da internet eu aprendi que ele tinha muitas utilidades como por exemplo, tirar caroço de azeitona. Quando descobri isso, corri comprar um vidro, só para testar a novidade recém descorberta. Depois de umas dez azeitonas, aquela "perninha" quebrou, mas tudo bem, ele continuava a exercer a função de espremer perfeitamente.
Durante todo esse tempo, tenho feito o trabalho de picar o alho manualmente. Descasco, corto ao meio, depois em tiras no sentido do cumprimento bem finas. Venho então com a faca no outro sentido cortando cubinhos ínfimos e depois faço uma espécie de passeio com faca em todas as direções para torná-lo ainda menor. Declaro que esse é o motivo de eu estar tão ausente dos blogs...
É bastante demorado esse processo.
O dedo indicador e o polegar, depois de uns dois minutos nesse procedimento começam a arder e latejar. Mas, até a próxima refeição, passa.
Ah! Você quer saber se minhas mãos ficam cheirando a alho?
Claro que não.
Eu assisti ao episódio que a Rita Lobo ensinou um truque: nada de leite ou limão. Basta esfregar as mãos na pia de inox que o cheiro sai feito mágica.
Sigo assim meus dias. Evitando falar com a Cecília sobre o que foi que encontraram nas profundezas do elevador, esfregando as mãos na pia e lembrando de papai sendo salvo daquele encontro com o saci por causa do colarzinho de alho.
Inté.
domingo, 9 de abril de 2017
Composição, produção de texto, redação
Ou,
Estão destruindo a criatividade de nossas crianças
Faz tempo que quero abordar esse assunto. Precisamente, dois anos.
Mas eu não encontrava um fio condutor, parecia-me inconsistente escrever sobre redações escolares, podia mesmo ser coisa da minha cabeça apenas...
Porém, semana passada, chegou-me a linha que faltava para eu costurar todas as ideias que foram ficando aos pedaços por aí.
Estão destruindo a criatividade de nossas crianças
Faz tempo que quero abordar esse assunto. Precisamente, dois anos.
Mas eu não encontrava um fio condutor, parecia-me inconsistente escrever sobre redações escolares, podia mesmo ser coisa da minha cabeça apenas...
Porém, semana passada, chegou-me a linha que faltava para eu costurar todas as ideias que foram ficando aos pedaços por aí.
Foto da folha de uma das redações que meu filho fez no último mês.
Transcreverei mais abaixo o comentário do corretor.
Antes disso, quero convidá-los a voltar aos bancos de escola. Muitos ( os como eu, mais antiguinhos! ) se lembrarão!
Composição foi o primeiro nome que eu tive contato para indicar a escrita de um texto.
E já no segundo ano primário, tínhamos vocabulário suficiente para produzir um texto curto e bom.
A lembrança que tenho dessa época foi uma composição nota cem que eu fiz já no final desse segundo ano escolar e foi escolhida para ser lida em voz alta para toda a sala.
Minha nota cem provocou risos e ao final da leitura, aplausos entusiasmados.
Acho que percebi a professora, tia Eliana ( sim, podíamos chamá-la assim ) orgulhosa.
Escrevi sobre circo. Das vagas lembranças do texto propriamente dito, a definição de um dos palhaços, magro feito uma lâmina de gillete ( meu pai era barbeiro e eu conhecia bem o fio da navalha! ) que parecia uma folha de papel quando estava de lado e o outro para contrastar, era gordo ( adorava assistir em preto e branco com papai O Gordo e o Magro ).
Nos bancos escolares daquela época, a coisa era relativamente simples no que se referia à composição, que depois teve por sinômino, produção de texto, mais para frente, redação.
Começo, meio e fim; a questão de parágrafos bem distribuídos, ideias coerentes, ortografia, pontuação. Tudo isso embasado em muita criatividade e para isso, no decorrer dos anos, várias técnicas foram-nos ensinadas. Recordo-me da chuva de ideias: anotar num rascunho todas as palavras que nos vinham ao pensar no título do texto.
Aprendi a gostar de produzir textos na escola; era um desafio agradável.
Voltemos agora para a folha de redação de meu filho.
O que o corretor comentou, transcrevo a seguir:
Bernardo,
O uso impreciso de vocábulos e a incoerência de ideias no interior de alguns parágrafos comprometeram a fluidez do texto e a exposição das ideias.
Aplicar, sugerir uma intervenção para a resolução da problemática ( final do último parágrafo ) não é necessário para as redações dessa prova de vestibular.
Por gostar das redações, sempre que possível dou uma espiada nos textos dos meus filhos e claro, adoro palpitar!
Mas comecei a ser repreendida em meus palpites, principalmente pelo mais velho - "mãe, esse tipo de colocação não cabe para este texto; mãe, você não pode escrever isso nessa redação aqui."
Fui percebendo, entre repreensões, sugestões e explicações, que agora, especificamente no ensino médio, há um padrão politicamente correto que deve ser cumprido.
Para este tipo de vestibular, cite a revista Carta Capital; neste, Veja. Aqui seja neutro. Acolá proponha uma intervenção. Jamais vá contra o Governo naquela ali.
E dessa forma, assim que recebem um tema, precisam pensar primeiramente a que instituição se destina e moldar todas as ideias para que sejam encaixotadas ali.
Até o ano passado meu filho era bom nisso. Nesse ano ele e "caixa" não estão se encaixando.
Penso em todos os livros que lemos juntos, que leu sozinho. Todas as contações de histórias em parques, livrarias. Todas as peças de teatro infantil que os levei, as bibliotecas que frequentamos e sabe com que sensação fico? De que foi tudo em vão. Toda aquela criatividade, imaginação despertada pela leitura, pela cultura agora não serve de nada. É preciso acertar, devolver exatamente o que já é esperado.
Só eu que tenho essa sensação?
Quem mais já passou pelas redações atuais e sentiu isso?
Quem, com um adolescente em casa teve essa percepção?
Eu gostaria de estar vendo chifre em cabeça de cavalo...
Agora meu pedido de desculpas: nada foi em vão. Nenhuma leitura infantil, teatro, biblioteca.
Parabéns aos educadores, aos blogs de literatura infantil nos quais eu tanto me inspirei e me inspiro.
Paula Belmino, Jaci Pandora, Gato de Sofá, só para citar alguns.
Querem nos encaixotar, mas é a literatura, a imaginação solta, que nos faz voar.
Deixo uma animação, um vídeo de 8 minutos que bem exemplifica e também nos traz um sopro de ânimo.