domingo, 9 de abril de 2017

Composição, produção de texto, redação

Ou,
Estão destruindo a criatividade de nossas crianças

Faz tempo que quero abordar esse assunto. Precisamente, dois anos.
Mas eu não encontrava um fio condutor, parecia-me inconsistente escrever sobre redações escolares, podia mesmo ser coisa da minha cabeça apenas...
Porém, semana passada, chegou-me a linha que faltava para eu costurar todas as ideias que foram ficando aos pedaços por aí.


Foto da folha de uma das redações que meu filho fez no último mês.
Transcreverei mais abaixo o comentário do corretor.
Antes disso, quero convidá-los a voltar aos bancos de escola. Muitos ( os como eu, mais antiguinhos! ) se lembrarão!

Composição foi o primeiro nome que eu tive contato para indicar a escrita de um texto.
E já no segundo ano primário, tínhamos vocabulário suficiente para produzir um texto curto e bom.
A lembrança que tenho dessa época foi uma composição nota cem que eu fiz já no final desse segundo ano escolar e foi escolhida para ser lida em voz alta para toda a sala.
Minha nota cem provocou risos e ao final da leitura, aplausos entusiasmados.
Acho que percebi a professora, tia Eliana ( sim, podíamos chamá-la assim ) orgulhosa.
Escrevi sobre circo. Das vagas lembranças do texto propriamente dito, a definição de um dos palhaços, magro feito uma lâmina de gillete ( meu pai era barbeiro e eu conhecia bem o fio da navalha! ) que parecia uma folha de papel quando estava de lado e o outro para contrastar, era gordo ( adorava assistir em preto e branco com papai O Gordo e o Magro ).

Nos bancos escolares daquela época, a coisa era relativamente simples no que se referia à composição, que depois teve por sinômino, produção de texto, mais para frente, redação.
Começo, meio e fim; a questão de parágrafos bem distribuídos, ideias coerentes, ortografia, pontuação. Tudo isso embasado em muita criatividade e para isso, no decorrer dos anos, várias técnicas foram-nos ensinadas. Recordo-me da chuva de ideias: anotar num rascunho todas as palavras que nos vinham ao pensar no título do texto. 

Aprendi a gostar de produzir textos na escola; era um desafio agradável.

Voltemos agora para a folha de redação de meu filho.
O que o corretor comentou, transcrevo a seguir:

Bernardo,

O uso impreciso de vocábulos e a incoerência de ideias no interior de alguns parágrafos comprometeram a fluidez do texto e a exposição das ideias.
Aplicar, sugerir uma intervenção para a resolução da problemática ( final do último parágrafo ) não é necessário para as redações dessa prova de vestibular.

Por gostar das redações, sempre que possível dou uma espiada nos textos dos meus filhos e claro, adoro palpitar!
Mas comecei a ser repreendida em meus palpites, principalmente pelo mais velho - "mãe, esse tipo de colocação não cabe para este texto; mãe, você não pode escrever isso nessa redação aqui."

Fui percebendo, entre repreensões, sugestões e explicações, que agora, especificamente no ensino médio, há um padrão politicamente correto que deve ser cumprido.

Para este tipo de vestibular, cite a revista Carta Capital; neste, Veja. Aqui seja neutro. Acolá proponha uma intervenção. Jamais vá contra o Governo naquela ali.

E dessa forma, assim que recebem um tema, precisam pensar primeiramente a que instituição se destina e moldar todas as ideias para que sejam encaixotadas ali.
Até o ano passado meu filho era bom nisso. Nesse ano ele e "caixa" não estão se encaixando.

Penso em todos os livros que lemos juntos, que leu sozinho. Todas as contações de histórias em parques, livrarias. Todas as peças de teatro infantil que os levei, as bibliotecas que frequentamos e sabe com que sensação fico? De que foi tudo em vão. Toda aquela criatividade, imaginação despertada pela leitura, pela cultura agora não serve de nada. É preciso acertar, devolver exatamente o que já é esperado.

Só eu que tenho essa sensação?
Quem mais já passou pelas redações atuais e sentiu isso?
Quem, com um adolescente em casa teve essa percepção?

Eu gostaria de estar vendo chifre em cabeça de cavalo...

Agora meu pedido de desculpas: nada foi em vão. Nenhuma leitura infantil, teatro, biblioteca.
Parabéns aos educadores, aos blogs de literatura infantil nos quais eu tanto me inspirei e me inspiro.
Paula Belmino, Jaci Pandora, Gato de Sofá, só para citar alguns.

Querem nos encaixotar, mas é a literatura, a imaginação solta, que nos faz voar.

Deixo uma animação, um vídeo de 8 minutos que bem exemplifica e também nos traz um sopro de ânimo.



14 comentários:

  1. Puxa, Ana Paula...Te li e fui ao vídeo e ele fala por si só. Mostra como tantas vezes em nome do politicamente correto, do "certo", tolhem a criatividade. Adorei esse vídeo e tomara não façam isso com nossos filhos, netos.Que não percam a capacidade de expressar-se quando veem como no vídeo, em mio ao cimento feio da cidade, uma árvore, um tocador e sua música. isso só acrescenta. Se tirarem essa capacidade deles, o que veremos daqui a alguns anos? Já as letra estão cada vez piores pelo uso do computador.Quase não escrever e quando o fazem, um horror!

    Tenho um adolescente aqui e vejo também, como tu, exatamente isso!Por vezes o texto está lindo, perfeito e a preocupação é com uma vírgula...

    Pena! bjs, tuuuudo de bom, fiquei feliz com os carinhos e em te ver! Lindo domingo de Ramos! chica

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  2. Oi Ana Paula
    Também gosto muito das redações,nao tenho facilidade pra escreve-las.mas adoro ler.Ainda tenho algumas guardadas dos alunos e também das netas.
    Penso que essa história de encaixar cada tema de acordo com o 'politicamente correto' bloqueia o pensamento livre dos jovens.
    O vídeo é excelente e retrata bem o que fazer e o nao fazer.
    Gosto muito dos teus textos também.
    Semana feliz pra ti.

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  3. Olá, Ana Paula, sou de época diferente, não nasci nem perto de computador, o que agradeço muito. Nem de celular e redes sociais, é claro. Quando meus filhos, hoje já formados, quando entraram no 2º grau, fiquei espantadíssima e muito encucada. Não haviam mais livros, e sim polígrafos preparados pelos seus professores. Mas como??? Pensei as piores coisas. Mas estava todo o ensino assim. Tudo que eu fiz, foi através dos livros, um ou dois para cada matéria, e sou da época da caligrafia, letra bonita. Trabalhada. Tínhamos aula de gramática e redação! A gente escrevia coisa com coisa!!
    Dado a esse parco ensino hoje, temos aí médicos, advogados etc etc com um formação a discutir. Vestibular? Prova de redação? Criatividade? Zero! Por temos visto isso bem cedo, nossos filhos tiveram biblioteca em casa e incentivo. E um certo empurrão 'estilo dureza'.
    Mas hoje, amiga? É só Smart e redes sociais. Pobres crianças...pobre formandos.
    Beijo, uma ótima semana.

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  4. Adorei o vídeo. A criatividade das crianças é muitas vezes cerceada por imposições sem sentido...
    E voltei ao banco da escola. Eu gostava tanto de fazer redacções. E podia ser imaginativa, dentro de certos limites, claro.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  5. Lamentável.
    Geralmente, quem mais corta daqui, costura dali e proibe acolá, impondo regras que tornam-se mais importantes do que a fluidez do texto e da imaginação, não sabe escrever.

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  6. Lamentavelmente é isso que tenho visto desde os primeiros anos, não querem que as crianças produzam autônomas suas ideias,mas que recriem como os professores querem, ou mandam os livros, e batem capa a capa, não aceitando outros cainhos, e criatividade, memorização, educação bancária. Não tenho contato com adolescentes, mas vejo a leitura na escola, a maioria delas, apenas para aprender conceitos e não a leitura literária pelo prazer. Este fim de semana vivi momentos mágicos na jornada literária, postarei depois,a inda há uma luz no fim do túnel

    Obrigada por me citar e acreditar no meu trabalho

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  7. Li
    Muito a dizer
    Volto com calma p comentar

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Que triste isso Ana Paula!
    Os jovens são engessados dentro de um modelo que visa exclusivamente passar no vestibular.... E a vida?
    Bjs

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  10. Esta muito difícil compor uma boa redação com tantas mudanças e técnicas ensinadas nos dias de hoje... Muitos jovens estão meio perdidos nessas mudanças, e acabam tirando zero porque fugiram do tema, da proposta. Em vestibulares passados muitas vezes, o estudante saia do assunto por “se perder” no texto, sem necessariamente ter desejado brincar com a prova. Por isso, não era necessário excluí-lo do processo. Agora é. Redação virou o bicho papão dos candidatos. Não aceitam candidatos que escrevam contra os direitos humanos, mesmo que quase toda a redação seja de excelente nível, totalmente bem escrita. Por exemplo, se, em determinado momento, o candidato escreve que, por algum motivo, alguém deva ser punido com algum tipo de tortura ou pena de morte, a redação será zerada. Eu se fosse fazer uma redação nos dias de hoje, eu com certeza, tirava uma nota de reprovação rsrs. Ando fora de forma... O candidato precisa sempre provar ao corretor que já está familiarizado com o tema sugerido. Pra se sair bem numa redação precisa estar bem atento às atualidades, depende de embasamento, ler muitos livros, revistas e jornais, acompanhar as principais notícias do Brasil e do mundo, se informar sobre os temas mais discutidos nas redes sociais etc e tal, isso certamente vai ajudar muito na hora de formular os argumentos. As vezes o tempo do candidato é curto pra tantas novidades e chega na hora X não da conta.
    O vídeo é muito bom, exatamente isso que acontece.
    Boa semana e uma excelente páscoa pra ti e os teus!
    Beijo Ana Paula.

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  11. Eu acho que estão tirando a opinião dos estudantes
    Os variados estilos
    A poesia
    Tudo muito técnico, engessado, padronizado
    Um desserviço a criatividade
    Veto a posicionamentos políticos (surreal isso) e legítimos seja qual for a temática, motivação; doutrina...

    E nesses muitos modelos diferentes para cada instituição como se a redação fosse uma carta de pedido de ingresso no tal lugar para onde se vai prestar vestibular ? E não uma prova didática como as demais

    Há que se falar pontos positivos e negativos de tudo
    Podendo aparecer a proposição de discorrer pontos positivos p o consumo de drogas e negativos para uma vida saudável
    E por ai lá vai
    E tudo isso, andei refletindo, tem um paralelo com os personagens mocinhos de hoje em dia dos filmes, livros etc não serem totalmente bons e os bandidos charmosos e cheio de qualidades
    E assim são as músicas de hj
    Assim são os jovens
    Sem palavras próprias
    SEM IDENTIDADE
    Com redações, canções, literatura, pensamentos enlatados, sem glúten, lactose
    Sementes iguais q geram frutos iguais e com frutos iguais n se faz salada de frutas
    Nesse padrão técnico não se faz de conta que se ensina, se faz de conta que se aprende e não se muda o mundo

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  12. No meu tempo Ana nos idos anos 60, se dizia fazer uma composição muito utilizada para falar dos passeios com a professora em algum ponto da cidade, tipo um relatório de passeio.
    Como tem mudado o o processo causa estranheza, pois vemos a criatividade relegada a segundo terceiro plano, até chegar ao ponto de escolher uma redação que melhor se aplica num processo de múltipla escolha como já se faz nas áreas de exata.
    Muito boa a animação.
    Uma boa Sexta-feira da Paixão para uma Feliz Páscoa.
    Bjs.

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  13. Caramba seus filhos estão em idade de fazer o ENEM? Meu Deus parece que foi ontem que enviei o "garota de vidro" para vocês!!! OMG estou idosa kkkk
    Assim quando fiz o vestibular já tinha essas coisas sim. Acho que é por isso que sempre detestei dissertação e me sentia presa. Acho que foi um dos motivos para começar a escrever fanfics e contos na internet.

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  14. Que lindo o vídeo! Entrou um cisco no meu olho, no final... :)
    Eu sou do tempo das composições e depois, das redações. Temos uma história parecida, pois lembro, de ter feito uma composição e lido em voz alta para a turma. Não lembro a nota, não sei se foi nota máxima, mas lembro que era sobre a minha cadelinha, a Totoca. Guardei aquela composição por um bom tempo! Não pela nota, mas de tanto amor que eu sentia por aquela bichinha. rererere
    Nunca fui uma boa aluna, no quesito notas, mas minhas redações me salvavam um pouco. Nada de mais, nada de excepcional mas, considerando as notas que eu tirava nas outras matérias...
    Eu acho que o ensino está muito decadente. Eu ficaria horas escrevendo o que penso sobre este assunto, mas não é o caso. Só vou dizer que meu pai estudava filosofia, português, francês, latim e tudo mais que eu estudei e que hoje, acham que é muita coisa para os estudantes.
    Acho muito triste a Educação de hoje.
    Tua postagem está muito legal!
    Boa semana!

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