quarta-feira, 31 de maio de 2017

Cheiro de perfume

É sabido que cheiros despertam memórias. Memórias recentes e mesmo aquelas que, de tão ocultas em gavetas esquecidas, já nem nos lembramos.
Foi assim comigo. Por esses dias, tive uma memória acordada por um cheiro.
Não um cheiro que me chegou pelas narinas. Eu não o senti, eu o li.

A leitura era de uma pequena entrevista. Uma antropóloga que fez um trabalho em uma cadeia feminina ( na verdade, numa instituição sócio-educativa ) com meninas de doze a vinte e um anos, estando a maioria com quinze anos.

O trecho:

"É assim: quando eu chegava na cadeia, tinha de ficar no pavilhão enquanto esperava as meninas serem liberadas. Então o pedido era: "Dona Débora, deixa eu cheirar a senhora?".
Dentro da estratificação social, da desigualdade de renda, nós nunca nos encontraríamos. Nenhuma daquelas meninas seria cheirada ou beijada por mim fora dali, nem elas beijariam ou cheirariam a sinhazinha aqui. Então eu dizia: "Você quer cheirar? Cheira."  *

De alguma forma fui tocada por esse cheiro que li. Há muito o que conversarmos sobre isso, mas será  adiante.

Hoje não sinto vontade de falar dessa ausência de perfume que faz surgir aquele cheiro que incomoda...
Falarei das minhas lembranças em frascos.

Eu não sou de perfume. Atualmente tenho apenas um frasco e as vezes peço umas borrifadas de uma fragrância da filha!
Sabonete, desodorante, creme do cabelo, creme do corpo, muitas vezes me bastam.

A gavetinha que se abriu no mais profundo de mim, traz o carro da Valdete, uma variant azul claro estacionando na porta de casa. Ali ela nos entregava o pedido da avon que mamãe havia feito. O pagamento seria feito alguns dias depois, na casa da própria Valdete e eu adorava ir lá!

Um pequeno frasco com a tampa em forma de maçã: é tudo o que me lembro. Do aroma, nada. Acho que esse foi um dos primeiros perfumes que usei.
Quando eu acompanhava mamãe até a casa da Valdete para o pagamento, torcia para que o convite para entrar e tomar um café fosse aceito.

Feito! Enquanto o café com conversa acontecia lá na cozinha, Valdete me permitia ficar sentada de frente à penteadeira dela. "Pode olhar, pegar, abrir e passar um perfume se quiser".

Era uma  grande  penteadeira, Três espelhos e toda tomada por perfumes do catálogo que ela vendia. Também haviam os talcos. Os simples, os em lata e aqueles com uma linda esponja redonda.

Lembro-me da primeira loja do O Boticário que entrei e saí de lá com um Acqua Fresca. Cheiro que marcou muita gente!
Conheci e ousei usar o perfume masculino Stylleto e teve também a "febre"das meninas da escola com o Giovana Baby.

Agora tão diverso é esse mundo dos perfumes. Tem até marketing olfativo ( você já deve ter percebido o cheiro característico de determinadas lojas e tem gente que trabalha com isso ).

Mas tem mesmo gente que é perfumada na alma! Deve ser de sol, de olhar a lua e as estrelas. Que aprecia a chuva e sabe atravessar noites escuras.

Deixo uma fotografia bem perfumada que fiz dias atrás!
E você, como é sua relação com o perfume?
Deixe um cheiro nos comentários!



Lavandas

* Debora Diniz para Bons Fluidos edição 219

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Jardins que falam

Há tempos que queríamos fazer esse passeio!
Conhecer o parque Amantikir que fica em Campos do Jordão.
Foi numa segunda-feira que as condições ficaram favoráveis e pudemos apreciar lindos jardins, bela natureza!
Um pouquinho em fotos para vocês!


quinta-feira, 18 de maio de 2017

Inocência

A mulher estava no portão. No seu colo, uma alegre menininha.
O homem saiu lentamente, sentado na moto ainda desligada. Desceu, fez com seu polegar um pequeno sinal da cruz na testa da mulher. Beijou-a depois. Repetiu o gesto na testa da criança, o pequeno sinal, o beijo por fim.
Sentado novamente na moto, disse com voz alta e doce: "um bom dia minha sogra".
Mulher e filha acenaram e sorriram até a moto deixar de ser vista no final da rua.

Eu agradeci silenciosamente por poder apreciar este pequeno ritual imenso de amor e inocência.
Nutriu-me presenciar tudo aquilo enquanto passeava com o cachorro na fria manhã.

Inocência...
Ah! Como eu achava ruim, quando criança, ouvir dos adultos a inocência das crianças. Soava-me como um sinônimo de coisa boba.
Que boba era eu!

Falo por mim, mas sinto que é um desejo coletivo, um desejo de muitas pessoas vivermos tempos de inocência.
Quanto cansaço, quanta exaustão o tempo todo termos que olhar para algo e buscar o que está por trás daquilo. Nada mais é o que parece ser. Tudo com uma segunda intenção. Sempre esperando por algo que ainda está por vir. E claro, que este algo, é sempre pior.

A cena que apreciei, era toda inocência. Não era para ser vista. Era um ritual intimista.
O acaso me pôs ali do outro lado da rua, um pouco distante para presenciar a inocência tão escassa e que tanta falta nos faz.




terça-feira, 9 de maio de 2017

Como não dar uma notícia

Ontem, meu filho chegou bem adiantado de seu horário habitual.
Expressei meu espanto, indagando-o ainda na porta: "Nossa, o que aconteceu que você chegou tão cedo?"
"Um colega nosso convulsionou na sala de aula e aí não teve mais clima; depois que a ambulância chegou, fomos dispensados. Ele recebeu no whatsapp que o tio dele tinha morrido".

A notícia da morte do tio ter chegado via whatsapp não me surpreendeu nem um pouco. Há dois anos, enquanto meu marido me dava a notícia com a voz embargada que seu pai havia morrido, "alguém"mandava um whats para meus filhos: "Oi! Sabia que teu avô morreu?"

Conversando com meu filho a respeito desse triste ocorrido, ele me perguntou como era na época dos telegramas, questionou-me se não era a mesma coisa - uma notícia triste dada via papel.



A fotografia está bem ruim. É um telegrama datado de 1945. Fotografei-o semana passada quando fui a uma exposição num parque daqui. Exposição de correspondências antigas de moradores da cidade.
Esse telegrama, trazia uma notícia boa: CHEGOU PIANO MENINAS CONTENTES ABRAÇOS
Haviam outros expressando profunda tristeza. Aqui na cidade funcionou um sanatório para tratamento de tuberculose, e muitas vezes, acho que na maior parte das vezes, as notícias não eram nada boas.

Expliquei para meu filho a diferença entre um whatsapp e um telegrama dando a mesma notícia.
Na época dos telegramas... sabíamos que geralmente eles não traziam notícias boas. Entre o carteiro bater palmas em frente ao portão e anunciar em voz bem alta "Telegrama", o coração já mudava o compasso. 
Havia um caminho a ser percorrido entre o anúncio com palmas lá no portão e a a abertura do envelope pardo já dentro de casa.
Cumprimentava-se o carteiro, que após breve meneio de cabeça, perguntava pelo nome que estava no destinatário - podia ser a própria pessoa, o marido, o filho, a tia já velhinha.
Era preciso assinar, colocar número de documento e só então segurávamos em nossa mão o telegrama.
A boca já tinha se acostumado com o amargo que lhe tomou desde o grito do entregador.
Então quando o telegrama era aberto, de alguma forma ( pressentimento, intuição? ) esperávamos por uma notícia ruim.

Diferente de você estar no whatsapp, rindo de memes, piadas, emojis mil, besteiras ( especialmente e principalmente no caso dos jovens :) ) e se deparar com uma notícia terrível assim no meio de toda aquela algazarra virtual.

Claro que um telegrama também não era a melhor forma de dar uma notícia, especialmente as ruins, mas eram, muitas vezes, a única maneira de fazê-lo.

Acho que não podemos perder a sensibilidade para um momento difícil. Sabemos da facilidade de uma mensagem instantânea, mas muitas vezes ouvir a voz é muito mais adequado. Olhar nos olhos e depois poder abraçar, seria ainda melhor.

Estamos avançando tanto em nossos aparelhos, a cada ano, uma nova geração surge - " esse com reconhecimento de íris; o outro pela sua digital".
E o reconhecimento humano, estaríamos perdendo?