Resolvi então correr atrás dela.
E não foi necessário nenhum esforço.
Digitei a palavra cavalo marinho no buscador, e enquanto titubeava entre colocar a palavra-chave "haste flexível ou cotonete", já estava lá: cavalo marinho cotonete.
Executei o movimento de dois ou três clics e a imagem que rendeu prêmio ao fotógrafo, surgiu.
Fonte e matéria completa aqui
Enquanto eu lia a matéria que falava em enxurrada de lixo, também uma enxurrada de imagens, reflexões, questões, lembranças me assolavam. Toneladas de lixo na praia de Copacabana, lixo na virada do ano da Paulista, japoneses que recolheram todos os seus resíduos num estádio de futebol, o professor rígido de Língua Portuguesa nos repreendendo por falarmos cotonete, dona Beatriz...
A campainha, as visitas, as novidades, o convite de casamento... me fizeram esquecer.
Na parede da cozinha, o espaço vazio deixado pelo calendário, hoje ultrapassado. Nenhum outro a substituí-lo. Lembrei-me que uma rede de drogarias estava vendendo uma revista solidária com um calendário.
Quando no calendário haviam os números 1976, eu tinha medo, no nível pavor, do cheiro de uma farmácia. A sala da injeção, o choro, o segurar apertado da mãe.
Em 2018 não identifico o cheiro de uma farmácia. É uma mistura de esmaltes, protetor solar, fraldas de recém-nascidos, adultos, velhos, cremes dentais, geladeiras com água, energéticos, isotônicos, desodorantes, shampoo, chocolate com colágeno. Ah, já ia me esquecendo, remédios.
Em meio de todos esses odores que se misturam, se anulam, se sobrepõem, sou informada que o tal calendário da revista está esgotado.
Dou uma "volta" pelos corredores só para não perder a viagem.
Numa esquina de gôndolas, a novidade: hastes flexíveis ecológicas. Pego uma das caixinha, ergo-a até a altura dos olhos para ler as letras miúdas que explicam que são feitas com papel reciclável e o mais puro algodão. Destacam ainda - sem descarte de plástico na natureza.
Mais uns anos no calendário e essa foto não faria mais sucesso na internet, não renderia prêmio a um fotógrafo.
Volto para casa sem calendário. Volto para casa com a sensação de ouvidos tão limpos que sou capaz de ouvir dona Beatriz...
"Conheça a triste história da foto do cavalo-marinho com cotonete"- esse é título da matéria que cita o premiado fotógrafo.
Conheça a triste história de dona Beatriz e os cotonetes caídos no chão - vou contá-la.
Dona Beatriz estava no calendário de 1978. Era avó de minha amiga. Brincávamos todo final de tarde no quintal da casa da avó alta e altiva, que eu tanto admirava.
A brincadeira parava somente naqueles instantes que entrávamos na casa para beber água.
Numa dessas vezes eu estava com as mãos tão sujas que achei melhor lavá-las. Da casa de dona Beatriz só conhecia a cozinha, mas não fora difícil encontrar o banheiro do pequeno lar.
Dona Beatriz estava lá dentro e com um sorriso abrandou minha timidez deixando-me confortável para entrar.
Fiquei sozinha ali admirando uma cena que nunca antes eu tinha encontrado e fiquei até um tanto confusa.
Num rústico banquinho retangular de madeira, estava disposto um frasco com líquido cor de rosa ( minha mãe tinha igual, era para dor nas pernas ) uma toalha dobrada de maneira bonita, e uma fileira bem simétrica com várias hastes flexíveis de cabo azul.
Passado algum tempo, ouvi adultos conversando:
"Coitada da dona Beatriz, tava no banheiro, ia começar a ajeitar os cotonetes um do ladinho do outro, como ela fazia todo finalzinho de tarde para esperar o seu Euclides. Pedreiro, né coitado, trabalho duro. Ela deixava tudo ali no banheiro prontinho pra ele e gostava do gesto excêntrico do marido. Lembra que ela falava? É pedreiro mas tem um luxo com os pés! Só enxuga o meio dos dedos com cotonete e ria muito. Coitada. Recebeu a notícia que o marido estava caído lá no portão da casa. Só se ouviu os gritos dela, os cotonetes caíram da mão, ficou tudo espalhado lá no banheiro".
Bom, com calendário na parede ou no celular, com cotonete ou haste flexível, de plástico ou ecológica, eu queria mesmo voltar com uma história bem alegre. Não encontrei. Achei melhor voltar com cotonetes mesmo. Vou apurar bem os ouvidos e não deixar o calendário correr tanto para estar novamente aqui.
Seguimos juntos neste 2018!
Ana Paula, que bom te ver de volta,mesmo com essa triste história do cotonete e cavalo marinho...
ResponderExcluirA da D.Beatriz me espantou...quanto carinho e submissão dela...E triste final!!!
Tomara as histórias de 2018 tenham finais mais alegres e que cada dia nos reserve momentos legais a serem vividos.
um lindo e feliz 2018 pra ti ,teu marido e os dois filhotes queridos...Como foi o Bernardo nas provas?
beijos praianos, tuuuuuuuuuuuuudo de bom,chica
Uma bela postagem querida amiga que faz
ResponderExcluirtempo que náo encontro vc aqui no Blog
vemos sim coisas boas e triste né....gostei
do post e vc seja sempre bem vinda..
Abraços com carinho!
└──●► *Rita!!
Muito bem vinda, Ana e sua fluente capacidade agregadora de histórias tocantes, sejam tristes ou alegres, elas fazem a margem do dia ser sempre brilhosa.
ResponderExcluirDona Beatriz e seu zelo me comoveu.A tristeza da perda me tocou. Os cheiros perdidos me trouxeram recordações também...cheiro de farmácia!!!
Que 2018 estique uma brecha me teus dias pra que vc esteja mais pertinho de nós.
Boa semana, amiga.
Bjo,
Calu
Feliz Ano Novo, Ana Paula!
ResponderExcluirQue tenha histórias alegres e lindas para contar no final de 2018!
Grande e carinhoso abraço
Feliz ano novo!
ResponderExcluirSabe que eu comprei esse calendário da farmácia pra minha mãe, mas foi no começo de dezembro... quis garantir logo a "folhinha" porque o calendário era dos bons, com numeros grandes pra poder anotar os remedios, os compromissos... minha mãe não usa celular e todo ano a gente arranja um calendário novo pra ela, hehehe. Se eu encontrar na farmacia aqui perto, pego um pra você.
Um texto cheio de preocupações ambientais. Gostei de a ler. E da fotografia.
ResponderExcluirUma boa semana.
Um beijo.
Olá Ana, parece que andamos fadados mesmo a dor , às histórias tristes, com tanta coisa acontecendo. E falando em sujeira, as praias cheias de plásticos que com certeza matarão cavalos marinhos e centenas de outros seres marinhos e a nós a cada dia, as águas, os rios. E é preciso se valer de cada um ter a empatia de se colocar no lugar do outro para ouvir melhor, e abrir os ouvidos á limpeza da alma. Boa volta. Feliz 2018 de muita luz! Amo te ler!
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