quarta-feira, 20 de março de 2019

Oficialmente, outono

É oficial: chega-nos o outono aqui neste hemisfério.
Ele, porém, não chega abrupto.
Traz mansidão, por vezes deixando notar, por vezes completamente invisível.
A luz que tinge os céus e se derrama pela paisagem, desnudou-se tímida. Por vezes um vento mais fresco nos fazia lembrar do tempo outonal.


Tenho notado que ao longo das minhas muitas primaveras, que sempre me deparo com o prenúncio do outono, seja no calendário, seja no amarelas das folhas, que há um pequeno sobressalto em meu peito, um titubeio.

Embora a pele já se mostre cansada ao final de um verão, os banhos refresquem por tão pouco tempo, e as noites não sejam tão relaxantes, o outono me sopra certa insegurança. E se for tão difícil os dias frios? Não é preferível ficar com o já conhecido?

Lembro-me de uma fala de Monja Coen, onde ela relatava o rigoroso inverno passado quando residia no Japão e ela disse que o outono era um preparar-se. "Nosso corpo vai esfriando com a terra no outono e assim somos preparados para o inverno".

O outono é mais que uma lição térmica, ou de moda, ou de vinhos e queijos.

Há muitos outonos em nossas vidas para além dos calendários. E embora possamos um certo medo do que virá, ele também, o outono da vida nos prepara.

É lindo o outono derrramado na natureza do sol, das árvores. E quando ele se derramar em nossas vidas, independente de que idade tenhamos, que possamos nos aconchegar e sentir que há uma sabedoria em todo outono, uma sabedoria que nos prepara para o acolhimento, para o recolhimento.

Porque tudo é cíclico e novas noites quentes nos chegarão!

Bom início de outono por cá e uma florida primavera lá no outro hemisfério!

segunda-feira, 4 de março de 2019

Café desgourmetizado

Em setembro de 2016, fizemos um passeio muito especial para o sul de nosso país.
A primeira parada foi num abraço demorado trocado com a nossa querida Chica! E foi pra lá de especial! Pensa: alguém que você admira, que vai ao longo dos anos conhecendo pelos blogs, de repente, ali, na tua frente te abraçando?!

Após esse delicioso encontro, subimos a serra para nosso destino, a charmosa Gramado.

O hotel no qual nos hospedamos, era igualmente charmoso, com um salão de chá de encantar olhos e paladares.

Encontrei essa foto esquecida em meu celular!



Tomávamos nosso café da manhã e também o chá da tarde nesse aconchegante lugar e seus anexos.
Até que...

Passado alguns dias, marido me disse que estava sentindo muita vontade de tomar um café.

"Como asssim?" - eu o indaguei. Afinal todos os dias havia café e eu o via bebendo.

Então num suspiro, ele desabafou - "estou sentindo falta de um café simples, aqui é muito gourmetizado! "

Então saímos em busca do apenas café e não encontramos.

Marido foi ficando aflito, só café gourmet pela cidade!

Foi então que num lampejo de lucidez, eu me lembrei.

Rodoviária! Na rodoviária tem o café de bar que marido tanto deseja!

Rumamos para lá e o homem saiu de lá revigorado!


Essa é outra foto que estava esquecida, e eu me lembro que a tirei, não pelo café, mas pelo açucareiro.

Há quanto tempo eu não encontrava desses... e assim que o segurei na minha mão, senti uma baita insegurança. Entre colherzinhas, sachês com pequenas porções da doçura, ou mesmo gotinhas açucaradas, eu não sabia mais manusear um escorregador de açúcar.

E se caísse demais?

Ao ver minha mão feito gangorra, vai num vai, marido me socorreu.
Que habilidade ao manusear a peça plástica cheia de açúcar!
Doce na medida certa para o meu paladar.

E agora eu quero saber, quem aí já usou açucareiro assim?!

* Tá sem inspiração para escrever no blog? Procura, usa o verbo escarafunchar e encontra uma foto perdida e se joga a escrever o que te vem à cabeça!

sábado, 2 de março de 2019

Rica aos domingos

Na minha infância, eu era rica aos domingos. Somente aos domingos, eu, rica.
Nos demais dias da semana, mamãe fazia verdadeiros malabarismos para esticar o dinheiro da mistura, e claro, no começo de nossa riqueza, aos domingos, ela chegou a implicar, mas se rendeu à nossa nobreza.

Não sei bem como começou, como exatamente eu fiquei rica no primeiro dia da semana, que, em criança eu jurava ser o último dos sete dias.

Mamãe, nunca ia conosco. Era um ritual de pai e filha. Logo cedo, ele me colocava no carro, que aliás, só saía da garagem também aos domingos. Eu me ajeitava no carro, por muitos anos, fuscas, cores variadas, bem depois, veio a brasília.

Mas, acomodada num dos fuscas de papai, eu abria o quebra-vento e deslizava alegremente pela imensa descida e depois outra imensa subida, em direção ao bairro vizinho ao nosso.

Entrar logo cedo, de mãos dadas com papai na bonita padaria com espremedor elétrico para as laranjas, vitrines amplas para os mais diversos pães e ouvir papai pedir orgulhoso - presunto gordo, que a menina gosta - ah... era um deleite.

O pão de lá era tão diferente da venda a uma quadra de casa, a venda do seu Joaquim.
Bengala era tudo o que o seu Joaquim tinha a nos oferecer, com a variante de ser bengala inteira ou meia bengala.

Já na grandiosa padaria, o pão chamava-se carequinha - comprido, estreito, sempre alvo. Parecia mesmo ter sido moldado para caber o presunto gordo, ou as gordas fatias de queijo fresco e goiabada que papai também levava para casa.

Extravagância era o vocabulário que mamãe usava ao nos ver colocar tantos itens em cima da mesa, aguardando apenas o seu café, passado em coador de pano.

O chocolate, adquirido no momento do pagamento, eu guardava para a sobremesa do almoço. Mesmo sendo chocolate, não me causava boa sensação degustá-lo ao café da manhã. O nome do chocolate, que coincidência, também era sensação!

Desembrulhar a rosca doce e redonda, era uma alegria e já uma nostalgia - nada sobraria; domingo à tarde sempre chegava visita em casa e eu já me antevia caminhando na segunda-feira para a venda do seu Joaquim a comprar meia bengala e besuntar margarina doriana, que sempre quis fazer-lhe uma caretinha como a das propagandas e meus olhos nunca saíam redondinhos.

O leite tipo B, tinha um sabor especial misturado no café de mamãe.

A mesa estava farta, e eu nem me importava com o chão de "vermelhão" que registrava a nossa não-riqueza. 
Aos domingos, até o brilho da cera vermelha ficava mais bonito, afinal, eu era rica aos domingos!