segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

É trágico

Final de domingo. Tomou seu banho, arrumou-se e diferentemente da grande maioria foi trabalhar.
Plantão noturno na emergência de um hospital.
Logo nos primeiros minutos, começa a correria típica de um atendimento emergencial.
Homem, moço ainda. Muito, mas muito machucado.
Enquanto o doutor fazia os procedimentos iniciais, o homem falava com dificuldade.
 - Doutor eu apanhei muito. Duzentos caras me batendo.
O médico não lhe deu muita atenção naquele momento. Era preciso certificar-se que seus órgãos estavam bem.
 - Doutor, eles eram uns duzentos. Vieram todos pra cima de mim.
O doutor examinava minuciosamente seus ossos. Solicitou raio-x de várias partes do corpo.
E enquanto a equipe manobrava cuidadosamente a maca para conduzí-lo às radiografias, o sujeito tornou a falar para o médico dos duzentos caras de quem apanhou.
O médico colocou, num gesto de carinho, a mão na testa suja do homem e disse que ficaria tudo bem. Assim que voltasse dos exames, conversariam.
Saíram com a habitual rapidez nos corredores da emergência.

Enquanto aguardava, o médico foi olhar a ficha do sujeito.
Guarda municipal, 32 anos.

Examinou atentamente as radiografias e no momento em que preenchia a prescrição com os cuidados e medicamentos, o homem voltou a falar dos duzentos caras que lhe bateram.
O doutor achou por bem pedir uma avaliação neurológica e como até na medicina às vezes é melhor pecar por excesso, pediu também que um psiquiatra o avaliasse.
O sujeito apanhou tanto que tava variando. O estrago foi grande, mas duzentos?
Sedativo leve.

Na manhã do dia seguinte, antes de finalizar seu plantão, o médico foi ver como estava o paciente, se tinha dormindo um pouco.
 - Nem conseguia dormir doutor. Era só fechar os olhos e eu via os duzentos caras me batendo.

A parte que lhe cabia foi muito bem feita. Agora era com o neuro e o psiquiatra. De gente fora da caixinha ele não entendia.

Foi para casa, tomou seu banho e ligou a tv no jornal local enquanto relaxava um pouco.

"Rolezinho feito ontem num parque da cidade por cerca de duzentos jovens, teve violência. Um guarda municipal de 32 anos foi a vítima. O grupo o cercou e ele apanhou muito. Foi levado no começo da noite para a emergência do hospital."

* Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.

11 comentários:

  1. Tristeza mesmo,Fatos trágicos que nos fazem muito pensar...E esses rolezinhos certamente, irão se alastrar, pois essas modas do mal pegam...beijos praianos,chica

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  2. Poderia ser somente uma história inventada.
    =/

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  3. E ainda dizem que a polícia é que é violenta. mas pensemos: uns poucos homens encarregados de manter a ordem entre uma turba de milhares de pessoas enfurecidas e agressivas: como não usar de violência, a fim de poupar a própria vida?
    Gostei!

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  4. Médicos são mais que salva vidas, são missionários, acho lindo, profundo, transcendental o juramento (não levado a sério por muitos, diga-se de passagem).
    Os que levam, a cada dia, a cada atendimento, cada ida e vinda ao trabalho, que é mais que um ofício, é um sacerdócio, são salvadores de vidas como a da desse personagem e seriam das dos duzentos que dos roles, dos que não contam o que fizeram ou contam e ainda assim recebem cuidados.
    Foi nisso que pensei!

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  5. Eu vi essa noticia e vc fez um excelente conto! É demais a violencia urbana,nem os guardas estão perdoando! bjs e boa semana,

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  6. Que tristeza a nossa realidade!
    Antes fosse somente um conto.
    bjs

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  7. Se existir volta a este mundo, juro que não quero voltar. Como ter uma vida feliz cercada de violência. Vivemos numa loteria de vida.

    Belo texto, Ana. Beijinhos!

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  8. Um belo conto que retrata nossa triste realidade. Esta moda do rolezinho - e tantas outras que tem como único objetivo provocar a sociedade, está passando dos limites. E isto acontece porque a família cada vez mais se omite e deixa para os outros a tarefa de educar os seus filhos. São menores de idade e os pais são responsáveis. Estou igual à Rovênia,não quero voltar outra vez para cá.

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  9. Ana Paula, é muito triste isso. Enquanto a medicina e a tecnologia progridem a passos largos com o decorrer dos anos, nós seres humanos entramos numa trajetória inversamente proporcional a tudo isso.
    Está fácil criticar tudo isso, mas chegou a hora da gente tomar as rédeas desse mundo que foi feito para nós e não nós nos adaptarmos a ele. Vamos pensar como podemos nos unir para fazer que se entenda que a vida é muito bonita para estar sendo vivida dessa maneira.
    Beijo,
    Manoel

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  10. Eita mundo cão!
    Se este tal de rolezinho continuar emplacando e as autoridades se fazendo de boazinhas neste ano de eleições, veremos muitos guardas ou gente que nada tem a ver com isso, machucando-se ou até morrendo.
    beijos cariocas



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  11. A história lida e/ou vista na mídia tradicional possui um texto que nos faz acostumar com a violência, e leva o assunto para debates puramente políticos. Quando se inventa algo extremamente verossímil (vai que aconteceu algo exatamente assim?), a linguagem e a fluidez do texto (seja escrito ou falado), detém o poder de melhor cativar a atenção de quem lê/vê.
    Muito bom o escrito.

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