terça-feira, 16 de dezembro de 2014

51/52


Estamos de mudança. Novo cep, novos ares, novos desafios.
Tudo temporariamente uma bagunça...
Está difícil aparecer por aqui e logo ficarei sem internet até que instale no novo endereço. Peço desculpas pela ausência nos cantinhos amigos :(
Mas eu volto, volto sim!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Canudinhos

"... Um mundo em que até os canudos eram envoltos em plástico e em que as pessoas das academias borrifavam desinfetante nos assentos dos aparelhos de musculação, toda vez que se levantavam, como se o suor humano fosse mais perigoso do que as substâncias químicas de seus aerossóis."*

Fechei o livro de súbito, num baque seco assim que terminei de ler esta frase. 
De forma alguma era raiva; era mesmo urgência em me encontrar com a memória da menina que ia aos sábados com a mãe no comércio do bairro mais próximo e escolhia a cor de seus canudinhos ( sim, eram dois ) na pastelaria dos chineses.
Calma lá! Não era assim tão rápido...
Tínhamos que tomar um ônibus para chegar ao bairro vizinho ao nosso, o bairro da Penha, onde havia o comércio. Às vezes era por causa de um sapato que ficara pequeno, ou o casamento de um primo; inverno se aproximando, foto três por quatro para a matrícula do colégio.
A mãe gostava de "bater perna": andava, andava, entrava por todas as lojas, subia ladeiras, ruas estreitas, conhecia até alguma loja na viela com a placa amarela - sem saída.
Apesar do cansaço, da rabugice de criança, eu sabia que ao final, antes de voltar para casa, seria recompensada sentada no banco fixo com os braços apoiados no balcão da pastelaria do chinês, que eu nem me importava que falassem que era uma sujeira só.
E era mesmo. Aqueles papéis pardos que saíam do porta-guardanapos e serviam de suporte para segurar o pastel quente e depois para limpar as mãos engorduradas ficavam espalhados por todo o estabelecimento, o que me faz pensar hoje que o problema não eram os chineses e sim os que estavam sentados ao balcão...
A mãe pedia sempre um caldo de cana e dispensava o canudo; eu ia de guaraná caçulinha, com a recomendação de cuidado com a garrafa de vidro e dois canudinhos.
O líquido chegava primeiro que o pastel. Eu escolhia cuidadosamente a cor dos meus canudinhos. Os olhos se demoravam naquele utensílio prateado feito talvez de um alumínio barato com uma abertura para que ficassem expostos e prontos para serem dali retirados, a esmo ou em demorada escolha. Eles eram fininhos e mesmo sendo dois fazia com que a pequena quantidade do guaraná durasse um longo tempo.

Mas, a escritora tem razão.
Volto daquele passeio e me dou conta que já é hora boa de ir à feira (tradução: preços melhores, hora da xepa) saio apressada em companhia da filha que ao final pede um caldo de cana sem pastel.
Diferente da avó, ela quer um canudinho em seu copo plástico.
A frase do livro está ali, mais presente, com mais força ainda. O utensílio que porta os canudos é um material mais lustroso. Os canudos são monocromáticos e isso faz com que o gesto de pegar um deles e rasgar-lhe o plástico seja instintivo.
Meus olhos se demoram na publicidade grudada no porta-canudos: a grande marca de cartões de crédito que tem deixado mais da metade da população doente economicamente.
Minha filha termina rápido, tão rápido que me assusto. É que os canudos embalados são bem grandes; devem equivaler a uns quatro coloridos da pastelaria do chinês e isso faz com que o gostoso líquido acabe mais rápido.
Tudo bem. O moço aceita dinheiro plastificado também.

* do livro "A doçura do mundo de Thrity Umrigar".

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

50/52

show do Paul McCartney em São Paulo

Quando celulares significam estrelas e vibram paz, é tão lindo...

domingo, 30 de novembro de 2014

49/52


Desde que publiquei esta foto em algum lugar aqui na web, não cessa de chegar no meu e-mail chamdas para "seja um sushiman, faça o melhor sushi do mundo em apenas 20 minutos, monte um sushibar em sua casa... " e por aí vai.
Minha intenção era apenas dizer o quanto apreciei a leitura do livro.
Mas, fiquei intrigada: antes "eles" espiavam os sites que a gente navegava para mandar publicidade; receio que agora tenha alguém vendo nossas fotos!

Dia de Domingo

"Mas você não se incomoda mesmo?"
"Não."

A interrogação, dirigida a mim, partira de uma senhora, que ao ouvir minha resposta, meneou a cabeça deixando bem claro que ela não acreditava na minha resposta.
Emendei então "ele sempre volta com um presente!"
A expressão facial, a inclinação da cabeça, o esboço de um sorriso, eu não soube traduzir, não saberia dizer se ela acreditou. E eu não menti quando disse que sempre ganho um presente.

Esse diálogo se deu perante à incredulidade da mulher ao saber que eu não me importo que meu marido trabalhe num domingo. Aquele domingo que amanhece com a promessa de ser uma combinação perfeita entre o azul do céu e o sol colorindo a cada minuto e te chamando para não ficar em casa. Eu verdadeiramente não me importo, mas fico ansiosa pelo presente.

Hoje ele chegou à tempo do almoço e me entregou o pacote.
Tinha a seguinte história embrulhada:

"Uma velhinha de 89 anos me pediu para ir embora pra casa hoje porque tinham chegado pessoas da família que ela quer muito bem e ela queria almoçar com eles neste domingo.
O nome dela é Rosa. Eu brinquei, cantarolei alguma coisa com rosa e ela devolveu me chamando de "meu cravo"e sua companheira de quarto, lá no cantinho disse - "é cravo nada Rosa, isso é um anjo que você arrumou!"

Quando eu estava indo embora, um homem alto, sisudo parou na minha frente e disse que eu havia dado alta para a mãe dele e que ela não tinha condições de ir para casa.
O tom de voz dele era mesmo para criar complicações.
Respondi: "é verdade, tua mãe não tem condições de alta, mas você e eu sabemos que ela não vai melhorar além disso, ela tem um câncer terminal. Eu não dei alta para ela, eu estou atendendo um desejo dela de passar um domingo ao lado de familiares que ela preza muito, além da vontade que ficou ao saber que no almoço haverá polenta com rabada. Pode ser que amanhã ela precise voltar, mas hoje ela terá um especial dia de domingo."

O aperto de mão foi forte demasiado, talvez para conter as lágrimas do filho.
Ele disse não ter pensado dessa forma.

Ah! É um presente de uma delicadeza, de um aprendizado que me comove. 

Agora já é domingo à noite e eu quero imaginar que dia lindo dona Rosa teve com os seus!

* Esta é a postagem de número 800 e quero celebrar ter conseguido escrever, o que para mim é muito(!), dedicando-a a meu marido, amor e meu presente!

domingo, 23 de novembro de 2014

Impresso na pele

Ela já estava sentada no banco alto em frente ao balcão. Shorts e regata.
Fixei o olhar em seu tornozelo que trazia uma tatuagem.
Quase um hipnotismo. Eu nunca vira uma tatuagem como aquela.
A pele muito alva que recobria o corpo gorducho, jovem, simpático, sorridente, esbanjando vitalidade, tornava ainda mais belo o ornamento.
Traço fino e negro compunham a simplista imagem de um cabide. Apenas um pequeno cabide.
Com o olhar fixo e encantado tive que explicar carinhosamente para meu velho pai, já falecido e nascido no remoto século passado que, as tatuagens hoje não são marcas marginais. Na verdade elas contam as histórias que as cicatrizes contavam no passado.
Hoje não existem mais aquelas marquinhas onde se lia que você brincava de esconde-esconde e resolveu subir na mangueira e aquele arranhão quando escorregou...
Nossos bebês ganham joelheiras para proteger os joelhos durante o engatinhar; crianças não sobem em árvores para se esfolarem e também não há carrinhos de rolimã. Até mesmo o mertiolate não arde mais. Então escolhemos tatuar nosso corpo para contar uma história.
Meu velho pai, ao menos, parece refletir olhando também para o cabidinho.
Eu, que não tenho histórias tatuadas, sinto um impulso tardio. Poderia sim ter tatuado um cabide: ele significaria "passagem". Um dia, eu e a Chica, escrevemos sobre os cabides que de repente ficam pequenos para o uso de nossos pequenos. O viço de minha carne hoje é tardio.
Quando começo a folhear a pele alva da moça sob o cadinho tatuado, surge a velha sobrevivente do holocausto e me relembra a sua história. Contou-me mês passado pela tv.
Ela tinha um número tatuado, não de traço fino e delicado como da moça alva. Era grosseiro e não me recordo referência a cor.
Tentando reconstruir a vida em outra pátria, lembrava dos dias ensolarados em que pessoas pousavam o olhar no braço dela e lançavam-lhe um olhar reprovador.
Assim que conseguiu trabalho e dinheiro, pagou para remover uma parte de seu destino impregnada na pele.
Participou certa vez de um encontro com octogenários sobreviventes que exibiam de alguma forma triunfantes um número tatuado. Ela não conseguiu. Olhar para aquilo era inalar o odor do campo de concentração. Peço a ela que aprecie comigo e tente imaginar uma linda história.
Ela se esforça.
Eu tento imaginar um avô com fita métrica envolta no pescoço exercendo a tarefa de um alfaiate.
A moça homenageia-o.
Poderia bem ser a avó que a criou, tirando o sustento de uma máquina de costura singer com pedal e cada vez que ela toma banho e passa creme hidratante sobre o cabide tatuado, pode ouvir o som da máquina tatuando linhas pelas diferentes texturas dos tecidos.

Ela se levanta e sai. Bem quando eu começava a esboçar uma vontade de me aproximar dela e indagar o motivo do cabidinho.
Ela se foi.
Fiquei sem saber.

Às vezes é tão melhor ficar sem saber...

Mas eu insisti e fui falar com o tio dela que é meu também. E também seu! O tio google, que prontamente respondeu.
É uma tatuagem clichê, tão comum como sei lá, qualquer coisa de hoje em dia.
Para quem estuda moda, aprecia moda ou simplesmente não sabe que tatuagem fazer pela primeira vez e ganha como sugestão um simples e fácil cabidinho preto.

Ah, tudo bem, eu repito a mim mesma.
Eu nunca tinha me deparado com cabides tatuados. Para mim sempre terão uma delicada história.
Assim como a moça que tatuou uma gaiola aberta num braço e no outro os pássaros voando.
Gosto de imaginá-los inspirando liberdade nos pulmões da moça e depois se banhando em amor no seu coração antes de espalhá-lo através do seu canto.

imagens google

E você imagina histórias ao se deparar com tatuagens?!





terça-feira, 18 de novembro de 2014

Vida saudável

É assustador o número de mortes que envolvem a busca pela vida saudável. Assustador e contraditório. Em busca de um corpo dentro dos padrões da magreza estabelecidos, das capas de revista,a gora não só femininas, mas também masculinas, faz um comum ser humano, desses que trabalham e fazem uma caminhada aos finais de semana se sentir a pior das espécies. É preciso passar três horas diárias nas academias que funcionam de segunda a segunda. Viagem? Não basta uma caminhada, uma corrida pela praia, é preciso que o hotel reservado tenha uma academia à disposição.
Qual o limite de uma vida saudável?

Com essa pergunta, quero descontrair apresentando uma cantora que faz um resgate à auto estima dos cheinhos! Não se trata de concordar com a obesidade, mas de não se sujeitar à ditadura da magreza.
O vídeo é este; bem divertido, dizendo que " sou um corpo tipo violão e não flauta; não visto 38 mas posso rebolar e não vou ser uma Barbie siliconada".


Aproveito a reflexão para apresentar um blog. A escritora, Evilanne, de um talento excepcional, conheci no instagram. Ela é apaixonada por artes e escrita. Mostra artistas e suas obras e semanalmente escreve um conto. Imperdível!
Passa lá no Leves Contos Breves e saboreie a escrita!

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

48/52


Ninho encontrado na rua

À Manoel de Barros

Não posso falar nada sobre Manoel de Barros sem primeiramente agradecer aos blogueiros. Foi através dos blogs que eu conheci Manoel e sua poesia.
Fosse numa postagem, num verso inserido no texto ou deixado nos comentários.
Aquelas palavras fizeram ninho em mim. Fui em busca de saber. A cada dia encontro mais um pouco, um pedacinho a mais. Obrigado a vocês blogueiros que me alçaram nesse mundo poético.

"Morre aos 97 anos um dos mais importantes poetas brasileiros".

Com essa frase, os principais meios de comunicação deram destaque à partida de Manoel.
E eu continuo intrigada e entristecida.
Estudei no melhor colégio de freiras daquela região. Em doze anos, nunca um dos maiores poetas estivera presente.
Faz tanto tempo, que talvez seja esse o motivo dos versos de Manoel nunca terem aparecido na minha vida escolar.
Então, os meus filhos são "atuais", ainda frequentam a escola.
E em todo esse tempo que eles frequentam a escola, esses tempos modernos e atuais que chegaram a noticiar a possibilidade de Manoel de Barros ser indicado ao Nobel de Literatura, mesmo assim, os versos daquele que compreende o idioma inconversável das pedras também nunca apareceram, fosse num texto de livro, exposição, tarefa de casa.
Nas livrarias, montanhas de livros em tons cinzentos, mas só sob encomenda um livro daquele que escreveu "Quem ornamenta/ o azul das manhãs/ são os sabiás.

Certa vez, uma mãe me disse que as férias escolares se traduziam em uma palavra - inferno. 
Era um inferno ter filhos em férias. Todos os dias shopping, cinema, hambúrgueres, parque de diversões do shopping, sorvete na praça de alimentação, boliche, patinação.

Se essa mãe tivesse se deparado com a poesia daquele que, viveu num lugar tão ermo, que precisou fazer das palavras seu brinquedo, ela entenderia que é maravilhoso ter esse tempo distante da escola, para descobrir coisinhas sem importância dentro e fora de casa. Que passear é um prazer e não uma obrigação com hora marcada.

Voassem feito passarinhos os versos de Manoel nas escolas, talvez muitos jovens não precisassem sentar-se no final da tarde aqui na praça em frente de casa, para consumir drogas, porque eles saberiam contemplar "Melhor para entardecer é encostar em árvores".

É sempre assim: agora que um dos maiores se foi, ele se torna conhecido.
Não importa. Para Manoel, nunca importou as grandezas. Ele tinha mesmo canduras pelas pequenezas, inútil, sujo, feio.
Para nós, novas oportunidades de vermos o menino-poeta-passarinho adentrando as histórias que os pais contam com as crianças já de pijamas, as escolas, as praças.
Prateleiras cheias, divulgação, um título inédito aqui, um relançamento acolá. Seus versos a nos encantar!

Por que eu peguei um ninho caído na rua?
Acho que alguma inutilidade se aninhou em mim.
Obrigada aos que me apresentaram à um dos maiores poetas, obrigada Manoel de Barros!

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Duas bisnaguinhas

 - Mãe, amanhã manda só duas bisnaguinhas de lanche.
 - De jeito nenhum. Nem pensar. Você está em fase de crescimento, precisa se alimentar bem.
 - Mãe, é que não vai dar tempo de comer.
 - Nada feito. Vou mandar três e é para comer.
 - Mãe, é que amanhã eu vou ser juiz na hora do intervalo. Manda duas.
 - Piorou. Não quero saber de você jogando futebol na hora do recreio, além do que é proibido, além do que eu já publiquei no blog que você come três bisnaguinhas de lanche e não quero passar por mentirosa.
 - Mãe, não faz drama e manda só duas. E eu não vou jogar futebol no intervalo; eu sei que é proibido. Eu vou ser juiz de batalha de rap.

( Silêncio externo prolongado enquanto vozes ecoam no meu interior )


Sabe, eu fui uma pessoa que sofreu de afetação durante a gravidez do primogênito. Pus na cabeça que meu filho só usaria pomada de assaduras fabricada além mares, em terras germânicas. Paguei três vezes mais por isso, deixei de comprar creme anti-rugas e nem me importei com isso.
Já no segundo filho, ou melhor, segunda, a afetação desapareceu por completo. Eu não tinha tempo nem de ir ao mercado, quanto mais em pensar em pomadas para assaduras. Fato esse que fez com que a menina sofreu de abstinência de pomadas brancas e vejam só: ela nunca assaduras.
Fato este que hoje me faz refletir que, os tubos de dinheiro que eu gastei com cremes fabricados com ingredientes importados... bem, creme importado, creme genérico ou ausência de creme, dá na mesma e agora não adianta chorar o creme espalhado.

Ah! Teve também a luz azul no quarto, que depois eu soube que não era tão boa quanto a lilás. E foi uma dificuldade para arrumar uma lampadazinha de chama violeta suave, mas eu viajei a uma outra cidade e trouxe na bagagem. E era banhado em luz violácea que meu primogênito também se banhava de sonoridades à la baby eistein. Muitos, muitos cds baby eistein. Não acredita? Ouça só um pedacinho aqui e me veja na situação: uma poltrona confortável, luz lilás, música de fundo, cheirinho de pomada para assaduras.
Não posso deixar de registrar que levei o menino num concerto. Aos doze meses de idade ele foi à um concerto de cravo. Confesso que foi bastante difícil conseguir a permissão para a entrada dele. Não era recomendável, porém eu travei uma batalha gentil e perfumada a creme de assaduras e eles me deixaram entrar com o rebento desde que eu me sentasse em lugar estratégico para caso acontecesse alguma rebeldia sonora por parte do pequeno, eu deveria me retirar à francesa para nào importunar o cravista.
Um lorde! Assim se comportou meu perfumado filho - como um lorde. Encantou-se com a música, seus olhinhos faiscavam e eu interpretei isso como sendo um sinal. Ah, aquele bebê devia estar se recordando de sua vida passada em grandes salões reais, bailando com senhoritas que disputavam entre risinhos encobertos por seus leques, que meu filho a tirasse para uma dança ao som do cravo. E eu já havia decidido: este menino seria um grande cravista. Nem que para isso eu precisasse trazer um cravo sei lá de onde. 

 - Mãe, você tá me ouvindo?
 -Ãhn? Sim, sim, estou.
 - Mãe, então, manda só duas bisnaguinhas porque eu vou ser juiz de batalha de rap. Sabe mãe, os meninos falaram que eu não sou bom em rap. Além de ser bom em rima, precisa gingar o corpo para cantar e sincronizar com a rima e eles falaram que eu não sirvo para isso. Mas, que eu tenho tenho um bom ouvido e sou justo, não vou favorecer uma pessoa só por amizade. Então agora eu sou o juiz de rap.

Na manhã seguinte preparei duas bisnaguinhas.
E depois perguntei como tinha sido a batalha de rap.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

47/52


Borboleta na escola da filha no projeto "Para Sempre"

Convido-os para ouvirem a linda música Sem Perceber clicando aqui.

Música de Paula Santisteban e Eduardo Bologna.



SEM PERCEBER
(Paula Santisteban e Eduardo Bologna)

SEM PERCEBER
A SEMENTE SE TRANSFORMA EM ÁRVORE
A LAGARTA VIRA BORBOLETA
E O VENTO VAI CONTANDO A HISTÓRIA

SEM PERCEBER
A GOTA SE TRANSFORMA EM NUVEM
O AMARELO VAI FICANDO VERDE
E O TEMPO VAI CONTANDO A HISTÓRIA

SEM PERCEBER
OS OLHARES VÃO VIRANDO FLORES
AS ESTRELAS VÃO VIRANDO NOMES
E A GENTE MUDA DE DENTRO PRA FORA

SEM PERCEBER
A CERTEZA SE TRANSFORMA EM DÚVIDA
OS BRAÇOS VÃO FICANDO LIVRES
E AS ONDAS VÃO CONTANDO A HISTÓRIA

SEM PERCEBER
O BARULHO VIRA PENSAMENTO
A JANELA SE TRANSFORMA EM SONHO
E AS FOLHAS VÃO CONTANDO A HISTÓRIA

SEM PERCEBER
AS PESSOAS VÃO FICANDO PRÓXIMAS
OS CHINELOS VÃO FICANDO GASTOS
E AS PEDRAS VÃO CONTANDO A HISTÓRIA

SEM PERCEBER
OS AMIGOS VÃO FICANDO VELHOS
O SORRISO VAI FICANDO LARGO
E A GENTE MUDA DE DENTRO PRA FORA

SEM PERCEBER
OS OLHARES VÃO VIRANDO FLORES
SEM PERCEBER
AS ESTRELAS VÃO VIRANDO NOMES
SEM PERCEBER
AS PESSOAS VÃO FICANDO PRÓXIMAS
SEM PERCEBER
OS CHINELOS VÃO FICANDO GASTOS
SEM PERCEBER
OS AMIGOS VÃO FICANDO VELHOS
SEM PERCEBER
O SORRISO VAI FICANDO LARGO
SEM PERCEBER
A SEMENTE SE TRANSFORMA EM ÁRVORE
SEM PERCEBER
A LAGARTA VIRA BORBOLETA
SEM PERCEBER
E A GENTE MUDA DE DENTRO PRA FORA
SEM PERCEBER
A GENTE MUDA DE DENTRO PRA FORA
SEM PERCEBER
A GENTE MUDA DE DENTRO PRA FORA
SEM PERCEBER
A GENTE MUDA DE DENTRO PRA FORA
SEM PERCEBER

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Pêssego em calda

Quando a atriz Angelina Jolie anunciou a retirada das mamas preventivamente por causa do histórico de câncer na família, houve o chamado efeito Angelina Jolie, ou seja, aumentou consideravelmente o número de mulheres que procuraram o exame genético e muitas também optaram pela cirurgia.
É um fenômeno conhecido dos especialistas seja em moda, em comportamentos: divulgado um comportamento, atitude, para o bem ou para o mau, e ele se replica, se repete, vira espelho.

Por esses dias, a mídia mostrou a jovem americana com câncer que agendou sua morte no chamado suicídio assistido. E depois veio a divulgação da morte e da criação de uma png que leva o nome da jovem e pretende ajudar na divulgação.

Esse caso me fez lembrar muito de minha mãe.
Há 30 anos que ela morreu de câncer.
A última semana de vida foi de um sofrimento intenso. Algumas horas antes de morrer, estávamos apenas eu e ela em casa, e ela pediu-me que queria comer pêssego em calda com creme de leite.
Escolhi o maior dentro da lata e coloquei num copo, não tínhamos taça de sobremesa.
Acrescentei o creme de leite e a vi comer, ou melhor, apreciar, saborear com delicadeza, sem nenhuma pressa. As dores naquele momento cessaram e deram espaço para que a doçura tomasse conta de todo o seu ser. E depois de comer ela me abraçou. O abraço mais doce que já recebi.

Temo que nesses tempos difíceis em que ideias e atitudes se espalham numa velocidade assustadora, que muitas pessoas deixem de saborear um pêssego em calda.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

46/52


Há pais que se orgulham de pagar a melhor escola da região para o filho, a mais cara, mas...
os exemplos que dão são lamentáveis.
O fato de pagar não lhe dá o direito de desrespeitar a faixa de travessia ficando ali estacionado.
E a vaga para portadores de deficiência?
Ah, nem vale a pena escrever sobre isso, afinal são só dois minutinhos parados lá.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Libertar livros



Chegando mais uma edição do BookCrossing Blogueiro! Escolha um livro e dê-lhe asas, liberdade!
Tem alguém que vai gostar de encontrá-lo, de recebê-lo e vai ter muita agitação e interação aqui pelos blogues!
O evento é público, convide quem você quiser, espalhe a ideia no teu blogue, nas redes sociais.
Quem organiza, listando as participações para que a gente possa interagir, ver as formas de "esquecer"o livro, é a Luma do blogue Luz de Luma.
E tem também a versão infantil!
E então, se animou?
De 8 a 16 de novembro muitos livros serão espalhados!
Se quiser pegar uma imagem, um banner, passa lá na Luma, prepara um recadinho para deixar dentro do livro e vamos incentivar a leitura, a troca.

domingo, 2 de novembro de 2014

45/52


Andávamos, eu e minha filha, pelas ruas asfaltadas a caminho do centro da cidade.
Foi no chão tingido que soube estar diante de uma amoreira.
Levantei os olhos, os braços mas não conseguia alcançar uma sequer.
Levantei então a menina pegando-a no colo.
Ai! Como cresceu! Quase não aguentei.
Duas frutinhas foi o que conseguimos. E dividimos!
Ficou a vontade de mais, de outras.
Encontrei no mercado numa pequena embalagem de isopor e grande preço. Trouxe para casa.
"Mãe, adorei a surpresa, mas sabe, aquelas lá da árvore eram mais saborosas."

As flores de finados

"Ih, num sei nem pra que vão. Vai chover mesmo. Finados sempre chove."

Essa era a fala de alguma tia velha quando nos ouvia planejar nossa viagem para o litoral. Éramos todos muito jovens, recém chegados à maioridade e tudo o que queríamos naqueles dias de um feriado prolongado era ficar longe das tias velhas que falavam com voz agourenta e nos recriminando, que choveria.
E chovia mesmo.
Alugávamos uma casa na praia e a turma "rachava"todas as despesas - desde o macarrão, que era mais fácil de fazer, até passar um pano na casa, o que causava na maioria das vezes alguma briga pois sempre tinha a turma dos folgados. Mas era assim: colchão ruim e fedido, panelas um tantinho ensebadas e nada disso importava.
Só que chovia. Sempre chovia.
Era uma chuva triste e fina e em algum momento a gente achava que era a praga da tia velha que tentava estragar o passeio.

No ano passado, nesta exata data, fui cedo ao mercado. Logo na entrada algo não habitual do dia a dia: muitas prateleiras de flores logo ali, bem na entrada, abarrotadas de vasos floridos; crisântemos várias cores eram a maioria.
Peguei o pão e por algum motivo precisei voltar ao mesmo mercado já anoitecendo.
Estavam lá ainda as prateleiras,  as flores e a funcionária que comentou: "Que estranho esse ano, não vendeu flores, acho que o povo não vai mais ao cemitério."

Ano passado fez um dia lindo, de deixar a previsão de tia completamente errada.
E eu me lembro de ter tido o mesmo pensamento da funcionária das flores - as ruas estavam repletas de pessoas passeando tranquilamente, tomento sorvetes, andando de bicicleta na ciclofaixa e o parque próximo de casa lotado.

"É provável que as visitas aos cemitérios se tornem cada vez mais raras"- estava escrito no jornal; eram palavras de Contardo Calligaris.

As pessoas mudam de lugares, cidades, estados e deixam para trás seus mortos; vivemos um momento de culto à tudo que seja jovem, vivemos um momento de total felicidade nas redes sociais.
Mas...
Também conhecemos pela globalização, pelo advento da internet outras maneiras de celebrar o dia de finados, como por exemplo na cultura mexicana ou japonesa.
Acho que não é uma questão de cemitérios e sim de permitir as lembranças.

Lembrei-me de uma historinha que há muito tempo li que falava mais ou menos o seguinte: uma mãe tinha perdido seu filho e estava muito triste e ao mesmo tempo com muita raiva pois achava injusto e pediu a Buda que queria seu filho de volta. Buda então disse à mulher que fosse de casa em casa no vilarejo e se ela encontrasse uma casa onde não houvesse um morto na família que teria seu filho de volta.
Em cada casa do vilarejo uma história mais triste que a outra; em cada casa do vilarejo havia sempre um morto. E assim a mulher compreendeu, mesmo com sua tristeza, que a vida é assim, gostemos ou não.

Também li que há projetos ( ou à essa altura já seja real ) em alguns cemitérios você chega com o seu celular posicionado perto da lápide para que o aparelho leia um código que está ali e você passa a ver fotos, histórias da pessoa.
Já há também um cemitério virtual, pensando especialmente nas muitas migrações e imigrações que são cada vez mais constantes.
Neste cemitério virtual é possível construir ou visualizar  a história das pessoas que você conheceu ou se for destemido pode deixar a sua própria história registrada ali - people memory.

Que a nossa saudade não seja dilacerante, que o sol que nasce e se põe a cada dia se encarregue de amainar a dor e possamos lembrar, recordar os momentos vividos com nossos mortos com serenidade, mas que a gente não deixe de lembrá-los. Trazemos sempre um pouquinho de alguém em nós.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Acabou o gás

Esta é uma frase que cada vez menos ouvimos.
O gás agora não acaba. A não ser que você se esqueça de pagar a conta. Mesmo assim ele não acaba, é cortado.
Minha casa aqui no quarteirão é a única onde o gás ainda acaba.
Todas as outras aderiram ao novo investimento da região - o gás encanado.
A quebradeira seria tanto por aqui: chão, paredes, azulejos que achamos melhor manter o gorducho botijão acomodado numa casinha feita só para ele. E assim sigo feliz por a cada trimestre oferecer trabalho ao entregador.

E pensar que este quase extinto recipiente já figurou até como presente de casamento.
Minha mãe era uma das primeiras a se adiantar quando recebíamos o convite de um dos muitos primos que se encarreiraram a casar.
"Vamos comprar um bujão de gás para a Edna".
Era presente bom naquela época.
Era sempre bom ter dois boticões: um em uso e o outro ali do lado, ou guardado nalgum canto para quando acabasse o primeiro.
E era preciso ficar atento quando se tinha um bujão vazio em casa. Assim que o caminhão, enorme e lotado dos cinzentos barulhentos passasse, haveria de se repor. E que passasse num dia bom, depois do pagamento.

Vi sobrinho do pai constrangido pedir um dinheiro emprestado pro gás. Vi o pai nervoso porque tinham roubado nosso botijão que ficava escondido lá nos fundos do quintal. Era uma grande perda ficar sem um dos bujões.

Tinha sempre alguém que fazia uma saia para o gorducho que de repente ficava simpaticamente feminino.
E eu já não me lembro quando os caminhões encolheram para caminhonetes, os bujões ganharam roupagem verde ou azul e música ao invés dos gritos dos moços.
Agora também não temos que esperar pelo dia que passava o caminhão ou sair em busca de algum depósito mais ou menos confiável.
"Ih, comprei lá naquele do final da rua e acabou tão rápido, nem deve vir cheio, mas fazer o quê, na hora da necessidade né minha filha... "

Não se pode esquecer de jeito nenhum os cuidados na hora da troca, que eu nunca aprendi a fazer e sempre peço pro moço que sempre me pede ao final uma esponja ensopada com água e detergente ou sabão que o moço passa que é para ver se tem vazamento. Se fizer bolhas, precisa reparar.

Mas até isso se modernizou. Dessa vez o moço chegou, estacionou aqui no portão da garagem, desceu e primeiro me entregou um brinde - sempre tem um brinde ( pano de prato, pote plástico e comidinha pro cachorro! ), e quando estava quase terminando, eu corri para a cozinha, preparei uma esponja bem espumante e fui lhe entregar quando ele falou:
"Não precisa dona, agora a gente usa um spray".
Tirou do bolso uma latinha, agitou no ar e espirrou.
"Tudo ok, bom dia! "

Se eu tivesse o gás que não acaba, jamais saberia daquela modernidade que substituiu a esponja ensaboada.
Que será que tem na latinha do spray?


44/52


29 de outubro, data da fundação da Biblioteca Nacional do Livro pela coroa portuguesa.
Meu desejo que além das manifestações nas redes sociais, blogs sobre nossos livros, que nossos governantes dêem a devida atenção ( verba$ ) para se atualizem acervos, construam, levem leitura aos mais remotos lugares.

Escolhi este livro da nossa literatura brasileira, que na rede social Instagram tem apenas três fotos e é um livro de tal excelência que merecia ter milhões de publicações.

Eugênia é uma árvore. Um jambeiro.
Amor que passa de geração em geração. Descaso também.
Eugênia, centenária, vê a chegada do progresso: rios entubados, asfalto por todo lado.
Eugênia, centenária, vive e se emociona com histórias de amor.

Tanta coisa boa nos nossos livros, nos nossos autores.
Deixo um trecho aqui deste maravilhoso título:

sobre uma enchente

"A cidade demorou muito para se recuperar. Com o fim das chuvas, o pobre rio voltou ao seu leito normal. A reação das pessoas foi terrível. Pareceu uma vingança contra um inimigo muito feroz e cruel. Entubaram o rio, simplesmente. Por todo o trajeto que ele percorria, desde a entrada até a saída da cidade, foram colocadas enormes placas de concreto de uma margem à outra, cobrindo totalmente o leito e suas águas. Fiquei horrorizada com tamanha maldade. Um rio precisa de sol, do ar, das chuvas para viver e ser feliz. Agora estava enclausurado, trancafiado, como um prisioneiro numa cela fria, sem porta e sem janela. E tudo por um crime que ele não cometeu. Afinal, aquele rio corria por ali há milhões de anos. As pessoas acham que nós, arvores, temos uma vida longa... O que dizer então dos rios?"

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Repara sim

 - Ai, não repara não; é que eu tive que sair bem cedinho e nem tive tempo de arrumar as camas.

 - Oi, entra, mas não repara na bagunça! Essas crianças não têm jeito...

Eu já tinha me acostumado com o uso do verbo reparar acompanhado silenciosamente de um olhar bisbilhoteiro, fofoqueiro, invejoso.
Afinal era sempre neste contexto que eu o encontrava e passei também a usá-lo também, numa mera repetição sem reflexão, de reparar com um resvalo de pessimismo no olhar.
E foi então que eu me deparei com um texto de Márcio Vassallo que me fez rever o próprio olhar!

[...] resolvi parar só para ver um casal que se olhava sem pressa. Ah, e aquela demora de gente que se repara com fundura me interrompeu o dia...
Gosto mais do que um bocado quando interrompem o meu dia dessa forma.

Nesse trecho eu senti a poesia, o sentimento benevolente no reparar uma pessoa.
Eu estava usando esta palavra de maneira muito distorcida.
No dicionário, depois do sentido de consertar algo, segue o sentido de olhar com atenção.
Reparar é isso: olhar com atenção, sem querer encontrar o errado, o feio, o sujo, a cobiça.
Corremos o risco de desconectar nossos olhares uns dos outros, dos lugares, dos objetos seja pela correria do dia a dia, o medo, as nossas telinhas luminosas.

Repara sim! Na cama desarrumada para sair da rotina e curtir uma preguiça.
Repara sim nos brinquedos espalhados, é a alegria da criançada; depois todo mundo ajuda e junta tudo!
Repara na vida, sem pressa porque há espanto onde menos se espera!
Repara sim!

42/52


Mérito.
Este foi um troféu que meu filho Bernardo recebeu no mês passado. Para conquistá-lo é preciso ter entre 11-12 anos e estar estudando conteúdos de Matemática do Ensino Médio.
Em tempos de tanto imediatismo, de tudo vindo tão fácil, para mim está é uma conquista do esforço, da dedicação.
Foi exaustivo chegar até aqui; muitas vezes ele quis não fazer, faltar; mas foi ele mesmo quem se colocou esta meta "Eu quero conquistar aquele troféu".
Nem tudo é como no mundo virtual onde basta um clik para ser curtido, ser "top", para de imediato e momentaneamente ser conhecido.
Um grande aprendizado esse.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Minha intimidade

Nunca, mas nunca mesmo eu imaginei expor aqui no blog a minha intimidade mais privada. A que ocorre no banheiro. Quero dizer, nos banheiros públicos: shopping, livraria grande, aeroporto, hospital.
Não precisa tirar as crianças da sala. Fique tranquilo.
Tire apenas esta menina aí da foto:


Isso mesmo. Peça para a menininha se levantar e sente-se bem ali no lugar dela.
Ótimo. Já posso começar.

Sabe, antes quando eu era do tamanho da menina ali que se levantou, tudo era mais fácil. A começar que nem tinha shopping, quando a gente saía a mãe levava um pão com mortadela e a depender do lugar, a gente lavava as mãos ou não.
Fosse num parque sempre havia um jorro de água saindo da boca de um leão, senão houvesse, não tinha problema: o lanchinho estava devidamente embrulhado no papel de pão.
As torneiras das casas eram apenas torneiras, de dentro, de fora, era tudo modelo tipo de jardim para rosquear a mangueira. Era fácil.
Então aconteceu, na verdade ainda acontece.
Eu entro num banheiro público e na hora de lavar a mão, fico paralisada por alguns instantes ali diante da torneira.
Foi-se o tempo das torneiras tipo asas de borboletas...
Aperto a parte de cima da torneira. Nada acontece.
Angústia.
Sinto-me diminuída perante  toda pequena multidão feminina que higieniza suas mãos com destreza.
Sinto-me incapaz.

De soslaio no meio do meu pânico interno tento encontrar uma resposta.
Há pequenos, muito pequenos quadradinhos ali na raiz da torneira. É ali a goela do leão. Aproxime as mãos e a água surge. Mas se vai tão rápido que não dá tempo para o sabão deixar os dedos. ( tudo bem que estamos em época de racionamento, mas não precisa ser tão pouco assim ).
Mantenho então a esquerda ali perto dos quadradinhos para tirar o resto de sabão da direita. Inverto depois.
De outra feita, sentindo-me um pouco mais experiente, saio do banheiro e vou direto para a raiz da torneira. Nada acontece.

Estaria com defeito?
Já estou tão nervosa que não consigo enxergar os quadradinhos.
É que não tem mesmo. Tento então girar a copa da torneira.
Infrutífero.
Essa é de apertar.

Aperto e enquanto o sabão vai saindo, ela vai subindo e fechou a água.
Tem que apertar de novo. Mas acontece que agora está meio sujinho de sabão lá onde aperta e dá um pouco de nojinho, mas é assim.

Pensa que terminou?
Enxugar.
Depois vem a parte de enxugar.

Você sai com as mãos molhadas e precisa olhar para a direita e depois para a esquerda, tipo quando vai atravessar a rua. Isso é para ver em qual ponto se encontra algum dispositivo apropriado para a secagem.
Com sorte, este dispositivo pode estar ao seu lado.

Começa então tudo de novo.
Primeiro você lê que duas folhas bastam, ok, ok.
Depois está escrito para puxar e o papel  rasga, desmancha, esfarela e eu fico ali paralisada defronte ao dispositivo para secar as mãos.
Há uma rodelinha na lateral, quem sabe girando o papel reapareça.
Às vezes é uma barra branca, que mais parece fazer parte do design da geringonça secativa, e eu demoro a adivinhar que é preciso empurrar aquela barra para surgir o papel dali das entranhas.

E agora tem coisa pior: um caixote preso à parede na altura do seu estômago com um vão que mais se parece com um abismo e de onde sai uma luz azul futurista e brilhante. Pedem que você enfie suas mãos ali.
Fico paralisada por alguns instantes. Meto as mãos ali dentro ou não?
É preciso recordar que eu precisei de professor particular para perder o medo de segurar no mouse e parar de tremer até conseguir clicar em alguma coisa. Você acha então que é fácil para mim enfiar as mãos num abismo fluorescente de azul?

Não vou falar sobre as torneiras hospitalares cujo mecanismo se dá com pedais.
É  preciso recordar que eu não dirijo e nem toco piano ou harpa. Você acha que eu consigo coordenar movimentar os pés para lavar as mãos? Esqueça.

Devido a todos esses traumas eu cheguei a cogitar a possibilidade de uma terapia, foi então que eu me sentei ali onde está a menina da foto.
Volte lá e olhe bem.

Eles instalaram torneiras! E ali é um aeroporto.
Ah! Como eu me aliviei ao ficar observando alemão, japonês, senegalês, índio, branco, negro, ruivo, tuvaluano.
Todos igualzinhos a min!
Todos ali parados sem saber como fazer sair água da torneira. Todos hesitantes. Todos com papel esfarelado na hora de enxugar!
Pronto acabou meu trauma de diminuimento ou complexo de inferioridade aquífero.
De qualquer canto do planeta não há desenvoltura perante torneiras públicas de locais privados. E ainda bem que puseram bem ali na frente de meus olhos!

Agora preciso desabafar sobre elevadores.
"Moço, qual eu aperto para o térreo?
O 2 moça. O S1 é que é o térreo"

Gostava do tempo que térreo era apenas T.



terça-feira, 21 de outubro de 2014

Chove céu

Já fazia noite no dia de domingo, já fazia a hora de fechar a porta e preparar a casa para adormecer.
E foi nesse fechar de portas que uma luz alumiou o céu. Eu que já estava sonolenta, despertei!
Desliguei as luzes e fiquei na varanda a olhar para o céu: o contorno das folhas de coqueiro remexendo ao vento forte e repentinamente iluminado por um relâmpago; era certo, era a chuva vindo!
Que dimensão extraordinária apreciar e esperar pela chuva que castiga São Paulo e tantas outras regiões com sua ausência.
Os pingos eram espaçados no começo; moças seguravam as sandálias nas mãos e subiam a rua correndo e sorrindo e naquele final de domingo não importava ficar molhado. Ninguém se importaria com o cabelo, com a roupa.
Fiquei na varanda tentando, apenas tentando imaginar a força do sertanejo que conhece a seca impiedosa. Lembrei da ciência tentando entender o que acontece, qual fenômeno predomina na cidade para causar essa falta de chuva, lembrei de quando criança colocar ovo num pratinho para Santa Clara para que parasse de chover na praia que a gente aguardava tanto para se divertir nas férias e não podia chover. Ali na varanda lembrei de uma amiga qua ao conhecer São Paulo, notou que o céu era de um azul tão desbotado, tão diferente lá da sua Bahia.
A chuva que veio não trouxe o alívio para as torneiras, para as lavouras. Trouxe alívio para o coração.
Amainou a angústia. Juntou ciência e fé. E numa corrente de bons pensamentos, como índios ancestrais de mãos dadas dançando sua dança da chuva, recebo com carinho os versos de uma menina nascida no Dia do Índio:


São Barnabé dá jeito de chover
Molha nossa terra
Manda água aí do céu pra modi molhar os chapéus
Aqui dos tabaréu de Sampa
E os paletós dos bacana
As sandálias das moça
Pra modi com gosto eu poder lavar minha louça



E a gente fica aqui encostadinho na janela com o coração já mais tranquilo e com a esperança renovada!



sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O jogo do bicho

imagem google

Não vejo mais reclamações nos blogs derivadas dos números que temos que digitar para provar que não somos robôs.
Minto, minto.
Vi sim. Uma apenas. Com educação, a blogueira deixou nos comentários a sua dica de que essas verificações atrapalham e chegam a impelir os comentaristas.
Uma apenas para as verificações numéricas.
Bem diferente de quando eram verificações por letras.
De tão irritante que era digitar aquelas letrinhas embaçadas, por vezes feito um garrancho só para te confundir e oferecer-lhe nova tentativa, surgiram naqueles tempos paquinhas, banires colocados nas laterais dos blogs, textos inteirinhos dedicados a esclarecer aquele infortúnio.
Com os números, tudo é diferente.
Não são banidos, gritados com boca bem aberta para que saiam.
E eu sei o porquê.
Bem, ao menos eu tenho uma hipótese.
Jogo do bicho.
As pessoas não reclamam dos tais números a serem digitados para publicar um comentário porque eles têm uma serventia - são um palpite, uma possibilidade.
Hoje vou jogar no 99 na cabeça.

Ah! Com leu sei disso?
Sou do tempo que jogar no bicho não era contravenção. Era apenas o troco do pão.
A gente nem ouvia falar de Carlinhos Cachoeira não.
Era só o seu Joaquim lá da venda.
Tempo que criança ia comprar pão à pedido da mãe.
E o pão era bengala ou filão.
O seu Joaquim enrolava um pedaço de papel no meio do filão, grudava ali um durex e a gente levava debaixo do braço.
Família grande comprava a bengala inteira. Pequenas famílias, pediam meia bengala.
No caminho, e a gente ( criança ) nem percebia, ia beliscando o miolo da meia bengala e ela chegava esburacada em casa. Vinha primeiro a bronca e depois a mãe perguntava: fez o jogo pro seu tio?

Era sempre assim: o dinheiro do pão sempre tinha troco, umas moedas e o tio sempre tinha um sonho, ou com um número, ou com bicho.
Então a gente ( criança ) pedia o pão e dava o papelzinho para o seu Joaquim com o número que o tio tinha sonhado. Seu Joaquim tirava a caneta bem apoiada na orelha, pegava um bloquinho encardido, tirava o papel carbono azul cobalto colocava entre as folhas e marcava o bicho pedido pelo tio.
Às vezes, ele fazia antes as anotações numéricas, punha com habilidade a caneta atrás e na parte superior da orelha e então ia cortar o filão ao meio e embrulhar e os dedos estavam sujos do carbono azul e da caneta ensebada, mas era um tempo em que a gente não fazia conta disso não.
De tarde, a gente ( criança ) voltada lá na venda para comprar a outra metade do pão, mas dessa vez não gastava com jogo não.
A mãe recomendava: traz o pão e não esquece de pegar o resultado para o tio João.
Seu Joaquim entregava um papel pequeno e encardido e engordurado com o resultado do jogo do bicho.

Ih, deu avestruz na cabeça - dizia o tio João indignado, afinal ele tinha sonhado era com o galo.

E foi por causa do jogo do bicho que o tio João arrumou emprego.
Meu tio era analfabeto e o carpete verde-musgo arruinou seu negócio.
Ele tinha uma máquina de raspar tacos e assoalhos e outra de passar cascolac. Mas aí, chegou a novidade em forma de carpete verde-musgo. Era tão chique ter casa com carpete e assim o Tio João ficou desempregado.
A tia Dirce arrumou um concurso para ele no final do ano. Tinha prova de português e matemática.
As letras ela ensinou a partir do nome da bicharada do jogo do bicho e a matemática também.
Somavam os resultados o primeiro lugar, com o terceiro, depois diminuíam; ele aprendeu a conta de vezes e dividir porque em cada grupo de bicho podia haver quatro números.
E foi assim que eu comprei muito pão-filão, fazia jogo e trazia o resultado para o Tio João que passou no concurso e não se incomodou mais com o carpete verde musgo porque agora tinha profissão.

Então por causa do pão, do seu Joaquim, do tio João e sem contravenção, eu acho que toda essa verificação para os comentários nos blogs têm lá uma certa simpatia...
Não temos mais bilheteiros gritando cobras e lagartos pelas ruas ( ou será que ainda existem? ) mas temos as casas lotéricas, quem sabe um palpite bom extraído dos números de verificação dos blogs...
Conta aí vai, quais são os seus sentimentos com esses numerozinhos a serem digitados?!