quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Inventário do Azul

 


O segundo livro que li nesse 2023, foi Inventário do Azul de João Anzanello Carrascoza, editora Alfaguara.


Antes, porém, de falar do livro, da leitura, quero contar como eu “conheci" o escritor.


Bem, há uma dezena de anos, mais ou menos, nessa mesma época, o mês de fevereiro, em alguma manhã, antes que o sol do verão se tornasse escaldante, eu estava com o umbigo encostado em um balcão de papelaria para comprar a interminável lista de material escolar dos filhos, incluindo os livros didáticos.


Afora o dispêndio, era muito gostoso chegar em casa com todo aquele material e começar a encapar livros e cadernos e etiquetar tudo, tudinho, dos lápis aos livros.


Mas, havia uma coisa em especial que eu gostava muito: folhear o livro de Língua Portuguesa para ir encontrando os textos que eles estudariam. Geralmente eram recortes de uma texto bem maior. Sempre ao final, o nome do autor e o livro do qual fora extraído aquele trecho. Eu ia passando os olhos e me detinha em um e outro.


E foi num desses folhear que eu encontrei João Anzanello Carrascoza. Gostei tanto do pequeno trecho que estava ali no livro das crianças que anotei o nome do autor e a obra citada e algum tempo depois tínhamos o primeiro livro do Carrascoza.


O livro já voou da nossa estante para as mãos de uma querida amiga de blog, faz algum tempo; guardo com imenso carinho o título e a história. Era um livro infanto-juvenil - O Homem que Lia as Pessoas.


Foi o primeiro de vários outros do autor. Aliás, Carrascoza já apareceu aqui no meu livro duplicado! A história dos dois livros iguais - Caderno de um Ausente - está aqui!


Para esses autores que se aninham em nossos corações, nem precisamos saber do que se trata um novo livro! Não paira qualquer dúvida: tem lançamento e a gente já quer!


Mas com o Inventário do Azul foi diferente. Demorei para estar com o livro nas mãos. Tinha outros para ler e vinha aquela culpa literária - comprar mais um livro com essa pilha para ler?

Depois era a grana que não sobrava.

E aconteceu algo bem interessante nesse tempo relativamente longo, entre o lançamento e minha aquisição. O autor passeou por vários programas de entrevista, podcasts, lives no Instagram.


Então esse foi, posso assim  dizer, o primeiro livro em que eu sabia muito a respeito sem ter lido a história!


Ouvi Carrascoza discorrer sobre como nasceu o livro ( época da pandemia ), a influência de sua viagem para a Índia, enfim foi uma delícia ouví-lo em vários programas diferentes e assim, a experiência da leitura, que já seria uma delícia, foi ainda mais!


Quero deixar um capítulo do livro Inventário do Azul. Todo o livro tem capítulos curtos.

É uma escrita de tamanha beleza que vem me encantando desde os tempos dos livros e cadernos encapados e etiquetados, que já ficaram no passado. Tem criança minha no último ano de faculdade e outra, quem sabe, adentrando a universidade!


Um pouquinho de João Anzanello Carrascoza para vocês se encantarem e lerem depois todo o inventário dele!


Legado


Pelos casamentos rompidos, legou aos filhos a família partida, o vazio insolúvel.

Legou aos filhos essa existência duplicada, as fatias de tempo entre a mãe ( os dias da semana ) e ele ( os sábados e os domingos ), o Natal numa casa, o Ano-Novo em outra, as duas sandálias havaianas, as duas escovas de dente, os dois blocos de ausências, o tijolo duplo do silêncio, e, inescapavelmente, às vezes, a dupla tristeza ( embora haja também a chance do duplo contentamento).

Entristece-o que sejam filhos dos desencontros humanos, dos abismos cavados a quatro mãos pelos casais, dos atos equivocados de suas mulheres, dos erros recorrentes dele próprio. Entristece-o que sejam filhos do amor ( e, em seguida, do desamor ), das vias já inacessíveis ao perdão, do cotidiano enganoso dos relacionamentos conjugais. Entristece-o legar ao rapaz e à menina um morro onde a ausência atingiu o cume. Entristece-o legar aos filhos duas dores crônicas sem que, como compensação, possa lhes oferecer o remédio de efeito dobrado, capaz de cicatrizar a história ferida deles e regularizar a arritmia do seu próprio coração.


Inventário do Azul página 296

6 comentários:

  1. Que lindo, Ana Paula! Adoro essa fase do cheirinho do novo material, livros, lápis, etiquetar...Tudo passa!
    E nós ficamos com as saudades.
    Aqui ainda compro, o material da Marina e entrego tudo pronto.
    Que bom teu interesse e depois o livro,(até duplo) ter te encantado!
    Gostei do capítulo e as palavras mostram situações infelizmente vividas por tantas crianças nascidas do amor e convivendo com a alternância de casas, amor e desamor...
    Gostei muito! beijos,tudo de bom chica

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  2. Olá, Ana.
    Depois de me emocionar lá no meu blog com o comentário sobre sua filha, agora você me apresenta um texto sobre o Carrascoza, autor que me acompanhou em alguns momentos de minha vida, e de quem aprecio muito. Não é uma leitura fácil para crianças que estão desenvolvendo o hábito pela literatura, mas ele é conciso, direto e sabe enlaçar o leitor de um jeito que não há como se livrar. Se deixar, você consome a obra em um único rompante. Muito bom.
    E um livro, seja novo ou já antigo, sempre exerce um fascínio. Linda crônica.
    Grande abraço e um ótimo fim de semana a ti e família.

    Marcio

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  3. Olá, Ana Paula.
    Vi o seu comentário no Ciranda de Frases, obrigada querida.
    Também gosto muitíssimo de ler e que bom que encontrou um autor que muito gostou, também fico maravilhada com esses encontros. O livro parece ótimo pelo que falou e pelo texto que compartilhou.
    O meu abraço...

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  4. Boa tarde, Paula
    Já encapei muiiitos livros e cadernos dos meus filhos. Como me lembro desta época...
    O livro parece excelente.
    Te desejo um abençoado fim de semana e boas leitura.
    Muitos beijinhos
    Verena.

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  5. Olá querida
    Como eu amava mexer com materiais de escola!
    Amo papelaria, cadernos, livros, estojos, é tudo que amo.
    Amei seu post.
    Abraços e bom fds.

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  6. Tem coisa melhor do que cheirinho de livro e material escolar novos. Não, não há. João Anzanello Carrascoza anda pelas minhas estantes. Faz parte dos novos a misturar-se aos clássicos. Bom ouvir-te falando com tanto amor dos livros.
    Abraços,

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