A
tarde hoje estava agradável. Um céu azul de sexta-feira, eu fazendo
bolo de laranja e ouvindo música. A música não era propriamente do
meu gosto, mas como era meu vizinho de cima que a escutava num bom
volume, acabei aproveitando o som.
Assim que fechei a porta do forno e bateram na porta dos fundos. Ou melhor,
tocaram a campainha. Coisa estranha. Nunca tocam. Sempre o porteiro
interfona antes.
Quando
eu abri a porta, simplesmente perdi o fôlego. A vizinha de cima.
Com
uma mão segurei o cachorrinho e com a outra o coração que havia
saído pro lado de fora.
Preciso
muito falar com você, posso entrar?
Eu,
com o coração na mão, o cachorro, nem conseguia falar, apenas fiz
que sim com a cabeça.
A
cabeça girava à velocidade da Terra, que eu não sei qual é, mas
sei que é bem rápida.
Eu
e a vizinha frente a frente. Como ela leu? Como ela encontrou meu
blog?
Enquanto
eu tentava pensar, ela começou a chorar.
Céus,
será que foi tão horrível o que eu fiz. Ah sim, foi. Eu desnudei a
intimidade dela na rede. Peço perdão já, ou espero o pior
acontecer?
Você
me desculpa vir assim, tocando sua campainha de repente, é que eu
preciso desabafar.
Estava
embaraçoso, mas talvez depois que ela leu, sentiu vontade de falar
algo, um segredo profundo.
Sabe,
eu sou sua vizinha.
Sim,
claro que eu sei – apenas pensei, continuava muda, sempre esperando
pelo pior.
E
eu preciso saber se você ouve barulhos.
Pensei
em responder que por causa dos hormônios eu tivesse ficado com uma
leve deficiência auditiva e não ouvia os barulhos, mas num momento
de lucidez, eu pensei: se ela leu o blog, vai saber que isto foi um
comentário da Ivani.
Imaginei-me
perante o juízo final e achei melhor dizer a verdade, somente a
verdade.
Sim,
eu ouço barulhos.
Você
estava ouvindo a música?
Sim,
inclusive dançando porque não é fácil bater bolo na mão ( nem me
ocorreu pedir a batedeira dela emprestada).
Então,
ela disse: eu não aguento mais e o choro ficou forte.
Eu
ainda estava segurando o cachorro e o coração e não estava
entendendo nada.
Eu
não aguento mais esse vizinho aí de cima.
Como
assim? O vizinho de cima não é você?
Não,
eu sou do lado.
E
vim aqui saber se você escuta barulhos à noite, porque eu e meu
marido não sabemos mais o que fazer.
Neste
momento botei o coração pra dentro de volta e só pensava no blog.
Então
não são eles?
Ela
veio me pedir alguma sugestão, desabafar, porque hoje, justamente
hoje no dia do seu aniversário aquela música ensurdecedora.
Tudo
o que eu consegui dizer era que nós estávamos praticamente de
mudança.
Aí
ela me pediu o meu e-mail, porque eu era muito legal, nós nem nos
conhecíamos e eu a ouvi, ela precisava desabafar. Eu era tão legal
que que convidou para um café ( eu nem ofereci água para ela).
Agradeci; quase pedi para ela ser seguidora do meu blog. Aí eu me lembrei dos
cometários sobre seguidores e achei melhor nem falar sobre o blog. Afinal neste momento a última pessoa que eu quero que leia o blog é ela.
Ela
me abraçou no final, disse que estava tentando engravidar.
Eu
disse que sabia disso e abracei-a desejando um feliz aniversário.
Pedi
desculpas por não ter nenhum conselho prático.
Ela
se foi.
Eu
recobrei meu fôlego perdido.
Penso
que isto pode ser um aviso mesmo que hoje não seja sexta-feira 13.
Será melhor eu parar com essas coisas de blog? Acho que o blog anda
atraindo umas coisas estranhas para mim: aquela assombração na
mesma porta dos fundos, o italiano de duas mil palavras, a vizinha de
cima, que na verdade é do lado direito.
Vou
tomar um fôlego, me benzer e canja. Porque já dizem por aí: canja
de galinha não faz mal à ninguém.