lado de fora do coração
terça-feira, 31 de dezembro de 2024
Para esquecer? Para crescer!
sexta-feira, 20 de dezembro de 2024
Véspera
O dia amanheceu véspera. O canto dos passarinhos era um canto de véspera. A banana que meu marido ofertou-lhes era véspera.
Véspera. Como foi mesmo que aprendi esse conceito?
No dicionário a definição vem como o dia que antecede.
Lembro-me da professora dos anos iniciais que carinhosamente podíamos chamar de tia, ensinando-nos o que era véspera - " véspera de quinta-feira é? quarta-feira, respondíamos em coro; véspera do dia 19 é? dia 18.
Certamente foi em casa que a palavra véspera tinha seus significados ampliados. Na véspera de algum aniversário de criança da família, lá estavam as tias enrolando brigadeiros, línguas-de-sogra, cajuzinho, as balas de côco que eram enroladas em papéis coloridos com franjas e nada podia ser comido porque era véspera.
O mesmo se dava no Natal, a véspera dos adultos era cheia de afazeres na cozinha, era uma véspera inundada de cheiros, de aromas ora doce, ora salgado.
Algum adulto colocava presentes debaixo do pinheiro que espetava e estava decorado com pequenos pedaços de algodão, nossa neve, e nossas mãozinhas de criança, olhos curiosos, alertados que em nada podíamos mexer, afinal era véspera.
Véspera era um dia comprido, custoso de passar. A palavra véspera talvez afetasse os ponteiros do relógio e eles passavam a fazer o seu tic-tac de modo moroso, quase arrastado.
Outro problema que nos acometia nas vésperas, além dos ponteiros se moverem com lentidão se dava na hora de dormir. Um coletivo de borboletas ( que acabei de pesquisar - panapaná, panapanã ) invadia os olhos, os pensamentos, a barriga toda e chacoalhava o sono que assustado ficava, escondia-se sabe-se lá onde...
Assim também foi a véspera da minha última quimioterapia.
Acordei numa mistura de sentimentos - a alegria por chegar ao final, o desejo de que já fosse o dia e não a véspera e, o que na minha infância acontecia com os ponteiros de qualquer relógio, aconteceu com qualquer relógio digital que eu olhasse, tudo absolutamente lento.
Seria um dia comprido. Foi realmente um dia que não passava para logo trazer o que a minha véspera significava.
Claro que meu conceito de véspera na vida adulta não envolve só olhinhos curiosos, borboletas na barriga.
Bem sabemos que há vésperas que são difíceis, dolorosas, vésperas que machucam.
Mas a minha véspera era feliz.
Dia 5 de dezembro de 2024, às 16h eu estava recebendo a última sessão de quimioterapia.
O corpo também é moroso para se recuperar de uma medicação tão agressiva. Passei pelo mais difícil, foram 16 químios entre vermelhas e brancas. Agora lido com um efeito colateral bastante desagradável, tenho algumas unhas que estão a cair. Traz bastante incômodo mas pensar em tanto que enfrentei nessa jornada me faz inspirar profundamente e dizer isso também vai passar.
Toda essa história de véspera é para dizer que estou bem e quero agradecer a cada um de vocês, amigos de blogs que rezaram por mim, que me colocaram em suas preces, que me enviaram um pensamento carregado de força e muita vibração positiva.
A gente nem sabe explicar, e realmente não precisa de explicação nenhuma, cada pensamento, cada oração de maneira misteriosa me chegou, me sustentou e eu realmente agradeço.
Seja o seu Natal envolto em amor!
E mais uma vez, obrigada por estar ao meu lado desejando-me força 💚
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
A tia Nazaré
Depois de ter escrito sobre o colar da tia Nazaré, algo muito especial aconteceu!
Mas antes eu quero me desculpar pela ausência de notícias sobre meu tratamento, quero também agradecer a compreensão e as mensagens tão carinhosas e encorajadoras que recebo. Saibam, elas são muito importantes para mim e incrivelmente me trazem forças.
Eu estou bem, dentro do possível de um tratamento tão exigente para o corpo, e agora próxima a finalizar a fase da quimioterapia - faltam quatro sessões - depois virá a radioterapia e, acredito, que ao terminar as químios, o organismo vai aos poucos se restabelecendo.
Estou bastante animada e esperançosa!
Mais uma vez obrigada a todos 💚
Logo depois de ter escrito sobre a tia Nazaré, algo muito bom aconteceu!
Minha filha, que mora em outra cidade por conta da faculdade, veio passar uns dias comigo e assim meu marido pode fazer uma curta viagem para visitar os familiares e se encontrou com tia Nazaré!
sábado, 3 de agosto de 2024
O colar da Tia Nazaré
Há textos em que apenas as palavras bastam. Há fotografias que dispensam palavras e também há a junção de imagem e texto que se entrelaçam, se complementam.
Para esta publicação tentei fazer uso apenas de palavras e nada ficava bom ou claro. Então vou colocar a foto.
Antes porém, vai um alerta e um pedido - não faça como eu, que fui tão pequena e me envergonho por minha atitude.
Os adjetivos foram ágeis saltando de minha mente, parecia até que todos ao mesmo se mostravam: brega, exagerado, esquisito, espalhafatoso, inútil, engraçado, chique, ridículo.
O colar da Tia Nazaré.
quinta-feira, 30 de maio de 2024
Fotografias e sorrisos
" E, de repente, toda a felicidade volta. E como uma bolha de doce loucura, uma bolha de alegria que sobe até a garganta, acaricia minha boca, agita meu ventre de felicidade e me faz cair na gargalhada. Eu não sabia que esse som existia, que tinha aquela nota dentro de mim. Eu me sinto como um instrumento musical com uma tecla a mais. Um saudável defeito de fabricação."
Valérie Perrin
Escolhi o trecho acima, retirado do livro "Água fresca para as flores" porque ele reflete o que eu desejo para nossos irmãos lá do Rio Grande do Sul. Que as águas possam baixar e que em algum momento chegue, assim, de repente essa alegria que faz sorrir.
Um mês dessa tragédia, tudo tão desafiador mas que aos poucos os sorrisos possam voltar.
Por esses dias fui fazer caminhada em um horário diferente do habitual, que é bem cedinho, e encontrei um espaço chamado de berçário, aberto.
Ali cultivam-se mudas que são doadas e também replantadas em outras áreas do parque.
Deixo algumas fotografias que fiz e o desejo de um bom feriado prolongado!
terça-feira, 30 de abril de 2024
Um apanhado do mês
Abril, para mim, iniciou tão cheio de simbolismos, tão cheio de inícios!
Abriu-se o quarto mês exatamente um dia depois da Páscoa. A festa da ressurreição do domingo para iniciarmos a segunda num novo mês.
" Uma coisa é certa: a Ressurreição de Jesus não é sobre ressuscitação". Um cadáver não ganha vida aqui e espera novamente para morrer. Um corpo não se levanta para sangrar novamente. Não, a Ressurreição de Jesus não é sobre a revitalização de uma vida antiga, é sobre experimentar um novo tipo de vida inteiramente. E ninguém sabe como aconteceu; só sabemos que aconteceu". - essas são palavras da irmã Joan Chittister, uma freira beneditina. Recebo a newsletter dela toda segunda pela manhã. E essas palavras compuseram o início do novo mês!
O céu estava típico de outono e enquanto escrevo ( comecei a escrever sobre o mês, no primeiro dia de abril para ir acrescentando e publicar no final do mês ) e o sol vai se pondo, uma brisa mais fria, daquela que nos faz fechar a porta e o vidro da janela, vai anunciando a despedida do calor e assim aos poucos, nosso corpo vai entrando no ritmo da estação.
Comi o primeiro pinhão da temporada! E a flor de gengibre se abriu.
domingo, 21 de abril de 2024
Mãos
Eu deveria começar esta carta com o clássico cabeçalho - nome da cidade, uma vírgula seguida pelo número corresponde à data, o mês, o ano. Poderia tentar ser poética e descrever o céu, nublado, azul, ensolarado ou simplesmente dizer, céu de outono.
Escolhi começá-la desta maneira:
Você me ofereceu a tua mão num gesto que jamais esquecerei e sempre honrarei.
Você me ofereceu a sua mão e eu a segurei por um tempo em que os cálculos se desfazem. Eu a segurei enquanto meu corpo nu estava coberto por panos estéreis, enquanto os sons da máquinas anunciavam minha pressão arterial, meus batimentos cardíacos, minha saturação. Eu apertava a tua mão enquanto ouvia "respira, respira bem fundo".
Eu respirava e apertava minha mão na sua para dizer que era tão importante esse cuidado que você estava tendo comigo. Poder tocar a tua mão era expressão de gratidão.
Não havia palavras, a máscara tomava-me o nariz e a boca. Eu segurava a tua mão porque em mim misturavam-se o medo, a insegurança, a fé, a alegria de ser cuidada, a esperança. A sala de cirurgia, o câncer em meu seio, a anestesia geral.
Você me ofereceu a tua mão e eu a segurei com força pelo tempo que os anestésicos não me adormeceram. E depois suas mãos ofereceram ao meu corpo suas habilidades cirúrgicas. Eram as suas mãos e as da sua esposa, vocês me operaram juntos. Eram as mãos do anestesista, das enfermeiras, das faxineiras que deixam todo o ambiente limpo.
Sou grata a todos. A todas essas mãos.
Fico preenchida de alegria por saber que você já ofereceu a tua mão para tantas outras pacientes e oferecerá ainda para tantas outras do futuro. Passado, presente, futuro, todas cuidadas, com carinho, com amor. Algo difícil de encontrar.
Ao estender a tua mão você cuidou da minha fragilidade, do meu medo, da minha gratidão. Você se fez presença. Tuas mãos, expressão de cuidado, de afeto, de precisão cirúrgica.
Jamais me esquecerei que naquele domingo, 14 de abril de 2024, sua mão foi um bálsamo que acalmou o meu ser. Obrigada. Meu sempre, muito obrigada.
No dia 13 de março de 2024 fui diagnosticada com um câncer de mama, no dia 14 de abril fui operada. Hoje faz uma semana. Estou me recuperando bem e é preciso aguardar resultados de exames para que seja definido o tratamento.