quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Na ponta dos dedos, o arco-íris


Fiquei na ponta dos pés, estiquei bem o braço e, com a ponta dos dedos, quase toquei o arco-íris!
Ali, bem em frente, no quintal do vizinho, ele nascia ou findava; naquele fim de tarde quente quando chegou a chuva de verão, chegou também o encantamento.

Por vezes sinto falta de reencantamentos.
Os encantamentos são tão fáceis no olhar de uma criança - a formiga a carregar a enorme folha, pedrinhas de gelo caindo do céu, a mágica da moeda que some das mãos e ressurge de uma das orelhas.

O arco-íris tão próximo de meus olhos, naquele momento era tão somente o arco-íris.

Eu pude me reencantar porque fui tomada de arco-íris e de não-saber.

Nada de ângulo dos raios solares, nada de incidências, gotículas, refração.

Apenas minha filha e eu na janela.

"Mãe está mais bonito de ver do que na tela do celular. A foto não está reproduzindo a beleza toda! "

Ficamos ali naquele tempo tão curto, tão longo e tão cheio de arco-íris.





quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Preciso de óculos

Preciso usar óculos.
Tenho afastado cada vez mais a embalagem de pão para poder enxergar a data de validade. É um sinal.
Cheguei a telefonar para uma clínica na antiga cidade em que morávamos, fiquei de ajustar os horários, porém depois veio a possibilidade da mudança e fui adiando.
Já instalada, ainda falta chegar o sofá e eu temo ter é que procurar um ortopedista ao invés do oculista!

Mas, como eu dizia, já instalada, resolvi que vou usar meus óculos e para isso preciso encontrar um oftalmologista aqui aos aredores da nova moradia.
Bastava um google e facilmente se resolveria a busca.

Ah, estou envolvida em conhecer os pedacinhos, as peculiaridades, o comércio, o pão de cada padaria e não seria diferente com o profissional dos olhos.

Já andei muito aqui pelo bairro e reclamei com marido: "nossa, aonde foram parar os oftalmologistas, não encontro um consultório".

Quase me rendendo a uma busca pelo google, eis o que vejo:


Um banner enorme, um outdoor, enfim uma bela publicidade: moço bonito com seus óculos, sorrindo, não tive dúvidas, toquei a campainha e entrei.

Não havia uma secretária no local, coisa comum nos tempos atuais, redução de gastos. Um simpático homem estava ali e antes de dirigir a palavra a mim, despediu-se de uma cliente que saía segurando os óculos em uma das mãos e lhe se despediu com um "até o mês que vem".

Gostei ainda mais, profissional com retorno é sempre bom!

Então fiquei de frente para o homem e lhe perguntei o valor da consulta.

Bem, depende - foi o que ele me respondeu. A senhora precisa exatamente do quê, clínico geral...

Tive um pensamento rápido, assim, faz tanto tempo que não vou a um oculista que as coisas devem ter mesmo mudado, deve haver muitas especializações na área.

O pensamento foi tão rápido a ponto de eu interromper enquanto ele pronunciava o clínico geral.

Então, é assim. Para minha filha, pode ser mesmo mais geral, ela só precisa de um exame de grau. Já para mim, por causa da idade né?, preciso de um exame mais detalhado, fundo de olho, pressão, essas coisas.

Olhou-me profundamente o homem. Não saberia precisar exatamente quantos segundos durou aquilo.

A senhora está procurando exatamente o quê?

Um oftalmologista.

Aqui é uma clínica odontológica.


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Considero-me uma pessoa pacífica, mas juro que naquele momento tudo o que eu queria era uma escada enorme para fazer aquele sujeito subir lá até onde estava estampado a fotografia do moço de óculos e fazê-lo desenhar com canetinha preta um aparelho nos dentes do sujeito.

Saí de lá com o cartão do dentista, que era o próprio homem simpático que me atendeu.

Defronte para a casa de paredes azuladas olhei fixa e demoradamente - estava mesmo escrito clínica odontológica.

Sigo ainda sem meus óculos; relevem qualquer erro de digitação.