sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Um modo de vida

Texto de Rachel Naomi Remen

extraído do livro Histórias que curam [conversas sábias ao pé do fogão]. - 1996.

Somos uma nação de comunicadores, mas comunicação nem sempre é conexão. Lembro-me de uma cena em um filme de Woody Allen na qual um grupo de nova-iorquinos solitários está sentado à mesa tomando cerveja, conversando freneticamente uns com os outros a fim de aliviar a solidão. Todo o mundo fala ao mesmo tempo. Aos poucos, eles vão elevando a voz e interrompendo uns aos outros na tentativa de se fazer ouvir. Por fim, ficam tão desesperados que acabam realmente cuspindo uns nos outros no esforço de fazer contato, o que eles nunca conseguem. Essa cena, em geral, provoca risos. Acho que cada vez mais a vida vem se assemelhando a isso.
Nos dias de hoje, a desconexão é um hábito, um modo de vida. Eu não me dera conta do quanto vivia isolada até passar uma semana em Fiji.
Chegando à noite, desfazendo as malas, peguei despreocupadamente o material de leitura deixado no quarto pela gerência do hotel. Sob o título: "Diferenças culturais", surpreendi-me ao descobrir que em Fiji é considerado "boas maneiras"cumprimentar pessoas totalmente estranhas na rua. O folheto era bem explícito, o que não era motivo de alarme ver-se cumprimentado por estranhos; na verdade, as pessoas achariam uma grosseria se eu não respondesse à altura. O modo correto era fazer contato visual e reconhecer a presença do outro com um meneio de cabeça ou um sorriso, ou ainda dizendo Bu-la. No lugar onde fui criada, a cidade de Nova York, uma coisa assim seria extremamente imprudente. Achando graça, decidi tentar.
O que isso significa na prática é o seguinte: você desce a rua até o correio, vai comprar selo para um cartão-postal. Pelo caminho pode cruzar com três ou quatro pessoas, saudando cada uma com um aceno de cabeça ou dizendo Bu-la e recebendo delas o cumprimento. Você compra o selo, uma transação que demora só um instante. No caminho de volta, passa exatamente pelas mesmas pessoas, e espera-se que você torne a cumprimentá-las, muito embora tenha cruzado com elas apenas alguns momentos antes. A princípio isso é irritante, mas no final de uma semana já se tornou uma segunda natureza.
Retornei então aos Estados Unidos. Saindo às pressas para abastecer a geladeira vazia, vi-me um uma rua movimentada da Califórnia. Absolutamente sozinha. Ninguém fazia contato visual. Ninguém me cumprimentava. Ninguém me sorria. Bem no meu íntimo, senti-me invisível e diminuída. E, no entanto, a rua era perfeitamente conhecida. Era minha terra.
Os habitantes de Fiji têm consciência de uma lei humana básica. Todos influenciamos uns aos outros. Cada pessoa é parte da realidade dos outros. Não existe isso de passar por alguém e não reconhecer seu momento de conexão, de não deixar que os outros saibam o efeito que produzem em você e não ver o que você produz neles. Para os habitantes de Fiji, a conexão é natural, simplesmente o modo como o mundo é feito. Aqui passamos uns pelos outros com nossas luzes apagadas, como navios à noite. 

13 comentários:

  1. Maravilhoso esse texto. Me fez lembrar a cidade onde moei e onde casei e meus filhos nasceram e se criaram. Lá, onde eu passasse, era cumprimentada sempre. Várias ezes e se estávamos conversando com outra pessoa, éramos interrompidas várias vezes, pelos "Ós"( na época eram assim, depois vieram os OIS...)


    Hoje, em P.Alegre, tantas vezes no mesmo prédioi, ninguém fala nada com o o uto nos elevadores. Incrível. Viva Fiji!! beijos,chica

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  2. Ana Paula, até que enfim encontrei o lugar ideal para eu aplicar os conhecimentos que meu pai nos ensinou: Fiji.
    Meu pai dizia que quando estamos na rua pela manhã e vemos uma pessoa devemos desejar a ela um bom dia. Não preciso conhecê-la. Devo sempre desejar um bom dia para os seres humanos. De resto, a querida amiga chica já falou.
    Marcante essa postagem e até acho que não custa nada sairmos por ai cumprimentando aos outros. À propósito, desde que aprendi com o meu pai, sempre fiz isso e continuarei fazendo.
    Muitas pessoas ficam surpresas, contudo a maioria gosta e solta um sorriso muito bonito.
    (O único que não abre um sorriso quando o comprimento é o nosso pipoqueiro. Ele tem um humor muito "machucado", mas a pipoca...!).
    Beijo
    Manoel

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  3. Pois é!
    Sinto, vejo e lamento por tanta conexão, tantas redes, tudo tão superficial, sem brilho, sem olho no olho, sem uma de cada vez, ser o bom e velho dar a vez, sem conteúdo, sem verdade, sem sentimentos, com competição e olho no umbigo.
    Todo mundo tão conectado e tão desconectado do contato coletivo e transferível.
    Tenho um post programado com imagens preocupantes e uma frase de Einstein, que não previu o apocalipse que não irá ocorre, mas previu o que estamos vivendo e muitos não vêem.
    Albert Einstein disse:
    "Temo pelo dia em que a tecnologia supere nossa humanidade.
    O mundo terá uma geração de idiotas.”

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  4. Tive que comentar de novo depois de ler o comentário de Manoel, logo após ter comentado ele passou na minha frente, mas não vou brigar, aprendi a dar a vez.

    Eu adoro dar bom dia, boa tarde, obrigado, é automático isso em mim.
    Tipo, desço do ônibus e olho pro motorista e digo obrigado. Entro no prédio e tenha uma ou duas pessoas, conhecidas ou estranhas, aborrecestes, crianças ou idosos, homem ou mulher digo, dou bom dia boa tarde, boa noite. Não sei fazer diferente, e a cada pessoa que faz isso eu dou um estrelinha mental, por estra mantendo o mundo, a educação e as relações sociais civilizadas e afetuosas.

    Quanto ao pipoqueiro famoso super-chefe lá das bandas de Manoel faço aqui uma aposta, duvido que na ocasião da nossa Rota da pipoca ele não sorria pra mim e eu vou até tirar foto e desfazer essa imagem ranzinza que ele tem, sem falar claro que vou me acabar de comer pipoca, diz a Ju pra já ir separando uma bolsa grande pra gente levar umas pra casa :)

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  5. Pena que hoje em dia tudo é diferente...beijo Lisette.

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  6. Passando para avisar q tem uma TAG pra você lá no blog.
    Beijo!
    Marcilane - http://simplesinspiracoes.blogspot.com

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  7. Se eu diminuir um pouco este foco - a rua, vou pensar no corredor do andar do meu prédio. Não sei quem são os meus vizinhos, nunca os vi, não sei quantas pessoas moram nestes apartamentos. Horrível,não? Sei mais sobre você porque os seus textos me trazem uma ideia dos seus valores e pensamentos.

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  8. Eu não...eu não passo pelas pessoas como um navio apagado.
    Por aqui ainda se cumprimenta as pessoas na rua, pelo menos um bom dia, boa tarde, sei lá...um oi!
    sempre acompanhado de um sorriso.
    Se a pessoa não está acostumada eu faço minha parte, cumprimento e sorrio.
    É incrivel como isso muda a maneira de algumas pessoas.
    Conheço gente que vem dar um recado, ou fazer uma pergunta, como se estivesse armada.
    Basta um sorriso e um "bom dia!" para que a pessoa pare e responda sorrindo, mudando completamente de postura.
    Sou assim, assim fui criada, e na minha terra, Sorocaba, éramos assim porque todos faziam isso, era comum.
    Creio até que nos EUA as coisas sejam diferentes. Eles são mesmo meio fechados, trata-se de cultura diferente.
    Mas aqui no Brasil, nas pequenas cidades, o cumprimento é ainda um hábito bem saudável, delicioso.
    beijos minha querida, bom fim de semana.

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  9. Que bela experiência você passou!! A vontade é de ir lá, para também usufruir desses momentos..o mundo a cada dia que passa está mais frio, isolado e individualista. Abraços. Sandra

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  10. Lindo compartilhamento Ana!

    Olha, aqui na Paraíba, a maioria ainda nos cumprimenta na rua. Eu particularmente não sou de cumprimentar estranhos, até porque sou meio tímida ... rsrsrs...
    E com a violência que há hoje em dia, muitas vezes temos receio de cumprimentar desconhecidos, não sabemos de quem se trata, até porque as aparências enganam. Geralmente cumprimento vizinhos e conhecidos.

    Mas apesar de tudo, acho muito bacana esta atitude.
    Eu gosto quando alguém que nem conheço me dá um simpático "bom dia!" e me diz: "vá com Deus minha filha!"... E é interessante que encontro até com certa frequência pessoas desconhecidas que me falam: "Que Deus te abençoe, vá com Deus, que Deus lhe pague". Sinto como se Ele estivesse ali bem pertinho, me lembrando que está comigo, aonde quer que eu vá.

    Bom, eu acho que vou começar a colocar em prática esta atitude de cumprimentar as pessoas.

    Eu tenho uma amiga que é de Cabo Verde, Raquel, que é assim, bem espontânea. Cumprimenta todo mundo lá na Universidade, sempre com o lindo sorriso que ela tem! Gostaria de ser assim como ela... vamos ver se aprendo a parar de ficar com vergonha de falar com as pessoas!! :D

    Bom, desejo harmonia a todos neste domingo. Que a paz e o amor de Deus entre na vida de todas as pessoas.

    Beijos no coração da Ana, dos pequenos da Ana e de todos que por aqui passarem!

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  11. Ana Paula,
    Um fragmento maravilhoso esse que mostra tão bem a desconexão humana que vivemos. Somos anônimos em meio a uma multidão e nos sentimos sozinhos mesmo espremidos por gente de todos os lados. E basta sentir um carinho a mais, um afago humano, um contato visual de carinho que nos tornamos carentes dele.
    Bjks doces e uma semana abençoada pra você.

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  12. Passando para dizer que tem um selinho pra você lá no blog... http://simplesinspiracoes.blogspot.com ;)

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