Nunca, mas nunca mesmo eu imaginei expor aqui no blog a minha intimidade mais privada. A que ocorre no banheiro. Quero dizer, nos banheiros públicos: shopping, livraria grande, aeroporto, hospital.
Não precisa tirar as crianças da sala. Fique tranquilo.
Tire apenas esta menina aí da foto:
Isso mesmo. Peça para a menininha se levantar e sente-se bem ali no lugar dela.
Ótimo. Já posso começar.
Sabe, antes quando eu era do tamanho da menina ali que se levantou, tudo era mais fácil. A começar que nem tinha shopping, quando a gente saía a mãe levava um pão com mortadela e a depender do lugar, a gente lavava as mãos ou não.
Fosse num parque sempre havia um jorro de água saindo da boca de um leão, senão houvesse, não tinha problema: o lanchinho estava devidamente embrulhado no papel de pão.
As torneiras das casas eram apenas torneiras, de dentro, de fora, era tudo modelo tipo de jardim para rosquear a mangueira. Era fácil.
Então aconteceu, na verdade ainda acontece.
Eu entro num banheiro público e na hora de lavar a mão, fico paralisada por alguns instantes ali diante da torneira.
Foi-se o tempo das torneiras tipo asas de borboletas...
Aperto a parte de cima da torneira. Nada acontece.
Angústia.
Sinto-me diminuída perante toda pequena multidão feminina que higieniza suas mãos com destreza.
Sinto-me incapaz.
De soslaio no meio do meu pânico interno tento encontrar uma resposta.
Há pequenos, muito pequenos quadradinhos ali na raiz da torneira. É ali a goela do leão. Aproxime as mãos e a água surge. Mas se vai tão rápido que não dá tempo para o sabão deixar os dedos. ( tudo bem que estamos em época de racionamento, mas não precisa ser tão pouco assim ).
Mantenho então a esquerda ali perto dos quadradinhos para tirar o resto de sabão da direita. Inverto depois.
De outra feita, sentindo-me um pouco mais experiente, saio do banheiro e vou direto para a raiz da torneira. Nada acontece.
Estaria com defeito?
Já estou tão nervosa que não consigo enxergar os quadradinhos.
É que não tem mesmo. Tento então girar a copa da torneira.
Infrutífero.
Essa é de apertar.
Aperto e enquanto o sabão vai saindo, ela vai subindo e fechou a água.
Tem que apertar de novo. Mas acontece que agora está meio sujinho de sabão lá onde aperta e dá um pouco de nojinho, mas é assim.
Pensa que terminou?
Enxugar.
Depois vem a parte de enxugar.
Você sai com as mãos molhadas e precisa olhar para a direita e depois para a esquerda, tipo quando vai atravessar a rua. Isso é para ver em qual ponto se encontra algum dispositivo apropriado para a secagem.
Com sorte, este dispositivo pode estar ao seu lado.
Começa então tudo de novo.
Primeiro você lê que duas folhas bastam, ok, ok.
Depois está escrito para puxar e o papel rasga, desmancha, esfarela e eu fico ali paralisada defronte ao dispositivo para secar as mãos.
Há uma rodelinha na lateral, quem sabe girando o papel reapareça.
Às vezes é uma barra branca, que mais parece fazer parte do design da geringonça secativa, e eu demoro a adivinhar que é preciso empurrar aquela barra para surgir o papel dali das entranhas.
E agora tem coisa pior: um caixote preso à parede na altura do seu estômago com um vão que mais se parece com um abismo e de onde sai uma luz azul futurista e brilhante. Pedem que você enfie suas mãos ali.
Fico paralisada por alguns instantes. Meto as mãos ali dentro ou não?
É preciso recordar que eu precisei de professor particular para perder o medo de segurar no mouse e parar de tremer até conseguir clicar em alguma coisa. Você acha então que é fácil para mim enfiar as mãos num abismo fluorescente de azul?
Não vou falar sobre as torneiras hospitalares cujo mecanismo se dá com pedais.
É preciso recordar que eu não dirijo e nem toco piano ou harpa. Você acha que eu consigo coordenar movimentar os pés para lavar as mãos? Esqueça.
Devido a todos esses traumas eu cheguei a cogitar a possibilidade de uma terapia, foi então que eu me sentei ali onde está a menina da foto.
Volte lá e olhe bem.
Eles instalaram torneiras! E ali é um aeroporto.
Ah! Como eu me aliviei ao ficar observando alemão, japonês, senegalês, índio, branco, negro, ruivo, tuvaluano.
Todos igualzinhos a min!
Todos ali parados sem saber como fazer sair água da torneira. Todos hesitantes. Todos com papel esfarelado na hora de enxugar!
Pronto acabou meu trauma de diminuimento ou complexo de inferioridade aquífero.
De qualquer canto do planeta não há desenvoltura perante torneiras públicas de locais privados. E ainda bem que puseram bem ali na frente de meus olhos!
Agora preciso desabafar sobre elevadores.
"Moço, qual eu aperto para o térreo?
O 2 moça. O S1 é que é o térreo"
Gostava do tempo que térreo era apenas T.