Para o bem ou para o mal, a gente se acostuma...
O relógio, que é um modo de dizer antigo, despertou no horário habitual, na verdade, o celular.
A agitação da manhã para que as crianças não se atrasem para a escola se deu rotineira.
Faltou algo naquela cotidiana manhã.
Junto ao vapor esbranquiçado expelido pelo bico da chaleira chegava o primeiro caminhão betoneira expelindo sua fumaça ruidosa. Os martelos ecoavam já enquanto o aroma de café volteava pelos cômodos. Não havia como perder-se no horário seja do relógio, de celular. Sabia-se a cadência de cada máquina, dos homens e mulheres que as operavam.
Mas naquela manhã havia um silêncio e também contradição: a gente quer tanto o findar das máquinas, das marteladas, porém assim, de supetão, o silêncio incomodou.
Parei por um instante e apurei a audição que, ao longe, encontrou uma voz saída de um megafone.
Greve. Era uma greve. O silêncio advinha da paralisação.
Não pude deixar de pensar, o que fará o operário ganhando inesperadamente um dia no meio da semana inteiro para ele?
Levei esta interrogação comigo para o mercado e foi lá mesmo que encontrei a resposta.
Eram muitos, eram vários, e assim como o silêncio era estranho naquela manhã, também estranho era vê-los escolhendo caquis e tangerinas e dizendo que aproveitariam aquela folga que lhes surgiu para levar caqui para a mãe que gostava muito; o outro pegaria peras portuguesas que a avó tanto gostava.
Aquelas mãos que com força manuseiam martelos, máquinas, carregam feixes de ferro, fazem cimento, de repente eram suaves ao manusear a hortaliça, a fruta. Aqueles homens de força bruta vestiram luvas de delicadezas para com suas esposas, mães, avós, num dia incomum de greve.
Outros deles estavam sentados nas mesinhas do café conversando entre sorrisos e despreocupação.
Durou um dia a ordenação saída de um megafone. Um dia inteiro entre café, tangerinas, família e um descanso para o corpo.
Algum tão comum, tão corriqueiro que o barulho não me deixava enxergar.
É o frenesi , a correria, a rotina que muitas vezes nos impede de olhar o outro, natureza, a vida lá fora. A gente se tranca dentro da gente e no nosos mundo né Ana? amei o texto. Tem novidade no blog e venha participar do sorteio para sua menina lá do ladinho direito do blog. bjs
ResponderExcluirAna Paula,quando somos abalroados pelos sons de martelos, betoneiras, serras elétricas, não podemos mesmo imaginar a doçura. Transferimos nosso descontentamento para os homens que produzem tais barulhos irritantes. Esquecemos o outro lado deles. O silêncio te fez ver. LINDO!
ResponderExcluirbjs praianos,chica
Oi Ana Paula, é gratificante ler aqui sua perspicácia.
ResponderExcluirParabéns pela postagem!
Abração
Jan
Uma linda, linda crônica!
ResponderExcluirUm delicioso conto que deixa um pingo de curiosidade em saber... e agora, o que virá depois? Mesmo que seja um dia corriqueiro sempre haverá algo a dizer que passa despercebido aos nossos olhos.
ResponderExcluirAna, vc escreve bem!Gostei muito!
Beijos
Pois é!
ResponderExcluirMarcas, sentimentos, sentidos das ausências, do que ouvimos, vemos, do que nos agrada e do que incomoda, do que vira costume...do que sempre há além.
Maravilhosa crônica, sentir, olhar, ouvir, ser além.
Moro em um bairro relativamente novo e estes barulhos de construção fazem parte do meu dia. Mal termina a construção de um prédio e ao lado novos buracos são abertos para o início de uma nova obra. Já aprendi a ignorar estes ruídos e, ao ler o seu texto, comecei a pensar que também estou ignorando as pessoas.
ResponderExcluirOlá, queria Ana paula
ResponderExcluirO barulho não nos deixa exercitar bem os sentidos de um modo em geral...
Aqui, vc fala com o coração de quem teve uma bela experiência e pude ver daqui até a alegria daqueles homens...
Bela descrição e mensagem!!
Bjm fraterno de paz e bem
Olá, Ana! Que texto suave! Esquecemos que a brutalidade pode não refletir o coração e quem carrega marretas e enxadas. Além disso, essa correria que exige sempre mais e mais produtividade deixa pouco espaço para sorver a companhoa do outro. Esses dias indo à capital de ônibus tive a mesma sensação que você quando ouvi um rapaz com roupa surrada de trabalho braçal falando ao telefone com o pai e perguntando: "a mãe está mesmo com vontade de comer pinhão? eu compro na estrada e levo". Achei bonito e pensei que se gestos de gentileza assim se repetissem, tão mais fácil seria a vida social. Um abraço!
ResponderExcluirTeu olhar apurado revelou o inesperado, fotografou os traços de surpresa que cada rosto desenhou estampando no rumo da tarde as muitas andanças provocadas pelo som do megafone.
ResponderExcluirAcompanhei tudinho através de teu olhar, Ana Paula.
:D Bjkas,
Calu
Lindo, Ana!
ResponderExcluirParece que somente o silêncio nos permite ver/ouvir "A delicada força bruta" que cotidianamente passeia por nós, entre tangerinas e pêras.
Saudade de passear por aqui, entre delicadezas!
Beijos,
Rachel
Olá, Ana.
ResponderExcluirInteressante a descoberta da delicadeza no bruto.
Somos o que exigem de nós: somos máquinas e como tal funcionamos consoante o que nos exigem no trabalho e na sociedade, mas, se relaxados, passamos a ser nós próprios, e aí se dá a descoberta do que está por traz do rosto.
bj amigo