Estava resoluta. Não
esperaria a virada do ano para fazer mudanças em sua vida.
Quem
quer mudar, não espera calendário virar – repetia a si mesma.
Sentia-se
pesada, não dava mais para esperar. Sequer esperaria pela
segunda-feira.
Desejava
uma vida melhor. Tomou banho e foi para a missa de domingo. Final de
tarde.
Chegou
atrasada.
- Minha Nossa Senhora, isso não é um bom sinal – falou entredentes.
Deu
de cara com o padre na porta da igreja, que aguardava o momento de
entrar em uma pequena procissão.
Ele fez
um sinal áspero com a mão para que entrasse logo e não ficasse ali
atrapalhando.
Não
sabia se devia benzer-se primeiro ou pedir a benção do sacerdote.
Não fez nem um nem outro. Tratou de apressar o passo e foi procurar
um banco para sentar-se.
Acomodou
a bolsa com movimentos suaves e assim que o padre se posicionou no
altar de frente para os fiéis para iniciar o cerimonial ela não
acreditou no que viu.
Sentados
dois bancos à sua frente um casal. Não eram jovens. Deviam estar na
casa dos quarenta.
Era
bonito vê-los ali. Juntos, mãos dadas. Partilhavam o mesmo amor, a
mesma fé e pasmem, o mesmo celular.
Ela
ali, sentindo-se pesada de tantos pecados e aquele casal na maior
cara de pau usando o celular numa hora tão sagrada. Não, não era
possível uma coisa dessas.
Ambos
não desgrudavam os olhos daquela telinha brilhante.
Ela
também não desgrudou. Tentava a dois bancos atrás decifrar o que
estaria escrito ali.
Santo
Deus, que mensagem imensa. Isso sim é um pecado dos grandes.
E
por falar de pecado, ficou tão absorta em certificar-se daquela
aberração que perdeu o momento de dizer interiormente os seus
pecados e pedir clemência. Quando se deu conta, já era o momento da
leitura do evangelho. Momento esse muito importante.
Estava
tentando se concentrar. Era melhor não olhar para a frente. Inclinou
a cabeça ligeiramente para baixo e para a direita.
Teve
então outro sobressalto.
Agora
era uma moça muito bonita e bastante jovem com o celular na mão.
Ah,
que assim fica difícil seguir aquele mandamento de não julgar. Bem
naquele momento e ela ali só movendo o polegar rolando a tela. Pelo
jeito, outra mensagem dessas enormes.
Ela
sabia que não se deve fazer comparações, mas os pecados dela eram
fichinhas ali perante àquelas pessoas usando celular bem na hora da
missa.
E a
coisa não parava: era o casal da frente, era a moça do lado, e
chegou a hora da bênção final.
Ela
mesma nem percebera como passara rápido o tempo; percebera que não
tinha ouvido uma só palavra do padre tanto que foi importunada por
aquelas pessoas.
Na
saída, aquela pequena aglomeração afunilava-se na porta principal.
Pode ouvir de alguém atrás dela: “Obrigada pela dica! Baixei o
aplicativo e hoje pude acompanhar toda a missa pelo celular e agora
durante semana vou reler como uma reflexão. Muito bom esse app! Vai
em paz!”
Saiu
mais “pesada”do que entrou. Tinha na sua lista agora o pecado da
maledicência.
Bem,
agora já sabia: visse alguém com a cara enfiada num celular dentro
da igreja, sabia que era um sagrado digital.
Ficou
indignado? Pensando em escrever uma carta aos céus com o seu
desabafo?
Então
anota aí, que o endereço da Via Láctea foi alterado, ou melhor
acrescentado.
Laniakea
– palavra derivada do idioma nativo do Havaí e que significa “céu
imensurável”.
Sol,
Via Láctea, Grupo Local; Aglomerado de Virgem; Superaglomerado
Laniakea; Universo.
Nooooooooooooooooooooossa!
ResponderExcluirEu nem devia me admirar, pois é sempre uma maravilha teu jeito de escrever!
Tu nos prendes do início ao fim e que fim!!!
Perfeito! Adorei! E não falta mais nada,né? Acompanhar a missa pelos apps? Sinais do tempo mesmo!!!
Adorei! bjs, chica
Concordo coma Chica, a gente te lê almejando ver cada palavra , cada fato que se segue e mesmo assim você nos surpreende. Amo ler vc. Tem novidades das artes de Alice no blog, vem ver como ela anda a se lambuzar por aqui hehe. Amei este conto. a tecnologia nos faz hoje em dia até pecar kkk
ResponderExcluirBendito revelado...aqui em tuas linhas instigantes, Ana, crônica deslizante para todos os olhares.
ResponderExcluirModerno agora é rezar por apps e como fica o téte-a-téte com o Divino?
Tô contigo, melhor escrever em papel clarinho pra que não se percam os assuntos.Anotei o endereço:D
Bjinhus,
Calu
Oi Ana Paula,
ResponderExcluirQue absurdo! As pessoas estão loucas…
Essa compulsão por distrações e consumo até na hora da missa?
Que coisa triste.
Bjs
Oi Ana Paula!
ResponderExcluirDelícia de texto, aliás como de hábito. É guria, são os sinais dos tempos. Pois sabes que eu gosto dessas modernidades? Qual é o problema em acompanhar a missa pelos apps? Imagine só, receber diretamente pelo celular as mensagens do além! É tudibom! Mas, óbvio, deve haver equilíbrio nas coisas e de tempos em tempos um encontro pessoal, na missa, com o representante de Deus (sem celular agora, rsrsrs) deve estar na agenda, não achas? Ah, já anotei o endereço.
Bjs
Marli
http://marliborges.blogspot.com.br
Posso ficar em silêncio?
ResponderExcluirTá, a modernidade ajuda e eu usaria este APP no dia que não pudesse ir à missa. Mas servir a dois senhores, ao mesmo tempo, a bíblia já disse que não dá certo.
ResponderExcluirMuito boa sua crônica, Ana, você é dez!
ResponderExcluirMas,sabes, tenho uma amiga que me disse outro dia que a mãe dela, portuguesa, super devota e carola, agora não vai mais à missa, só vê pelo IPad.
Eu não consegui combinar a cena na minha cabeça, aquela senhora portuguesa, tão séria e religiosa, olhando pela telinha a missa, mas realmente são os novos tempos, e é inevitável ficar brigando sobre isto.
umbeijinho carioca
Que sacrilégio.
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