Conseguira o emprego: desvendar a história de cada um dos vasos, de cada flor, folhagem, colocados ali naquela árvore.
O horário cabia a ele fazer - e no primeiro dia escolheu ir bem cedo, evitando assim o movimento dos transeuntes.
Pouco antes das seis da manhã, estava puxando papo com o porteiro do prédio ao qual a árvore enfeitada ficava bem em frente.
Apresentou-se, explicou sobre o trabalho que tinha a fazer e iniciou as perguntas.
- Olha moço, eu sou novato aqui no prédio. Comecei tem dois meses, mas eu sei da história daquele ali, bem lá no alto, à direita, o da folha pontuda - nesse momento o porteiro estava entre o portão e a calçada/passeio-público, apontando e falando - O gato da dona Lúcia, não se sabe como, foi parar lá no alto da árvore e cadê do bichano dar conta de descer? Num teve jeito, teve que chamar o bombeiro. E aí a dona Lúcia foi logo pedindo pra ele salvar o gato e fazer a gentileza de aproveitar que ia subir lá nas alturas e levar um vasinho para amarrar bem no alto, antes de descer com o gato. E num é que o bombeiro pendurou a planta e desceu com o gato?!
Saiu de lá com sua primeira história e a recomendação de voltar à noite e tentar falar com o Seu Euclídes, que era um dos moradores mais antigos e certamente deveria guardar na memória várias histórias.
Aproveitou que estava a uma quadra da praia, deu uma caminhada na orla enquanto pensava na história do gato e da dona Lúcia e o bombeiro. Estava animado com seu emprego!
Voltou à noite, porém seu Euclídes estava indisposto e só foi recebê-lo mais para o final da semana. Conversaram tanto que nem viram a hora passar e assim a lua já estava alta e Seu Euclídes sugeriu que ele viesse no domingo pela manhã, à luz do dia, assim poderia ver, fotografar e anotar.
- Aquela lá, conta um, dois, três, lá do alto para baixo. Dá um zoom aí no celular, essa, essa mesmo. Lembro como se fosse hoje: ele tão jovem e forte, carregando a noiva em seus braços, de vestido branco e tudo, começando a vida aqui. No primeiro aniversário de casamento deles trouxe um vasinho para colocar ali, disse que daria flor todo ano, no mês em que eles casaram. Depois, cada vez que descobriam que a mulher estava grávida, pendurava outra flor. Foram quatro!
Se mudaram, mas muito tempo depois vieram me fazer uma visita e trouxeram dois vasos - seriam avós em pouco tempo e de gêmeos! Pediram que eu pendurasse. Cuidei das plantinhas até que um pintor apareceu ali no prédio vizinho e eu pedi a escada dele emprestada e eu mesmo amarrei bem lá no alto, pertinho daquela flor do casamento e agora a dos netinhos que estavam para nascer!
Dona Leontina, vendo os dois conversarem apontando para a árvore, se aproximou e logo estava convidando o moço para contar as histórias que ela sabia.
- Meu marido era um amante das plantas. Nosso apartamento parecia uma selva. Era folhagem, flor, bonsai e quando ele morreu... ah, como foi difícil quando ele morreu. Olhar para cada planta, ter que regar aqueles vasos todos, aquilo me despedaçava, sabe moço? Fui tirando uma a uma. Pedi pro zelador me ajudar. Muitas ele levou lá pra chácara da sogra dele e as mais miudinhas, ele me pediu se podia pendurar ali na árvore e eu disse que sim. Sabe moço, doía olhar para as plantas que meu marido cuidava com tanto zelo, só que ele era assim, amava o verde, então aos poucos eu fui sentindo meu coração se tranquilizar e pedi pro zelador pendurar mais de vinte vasinhos, aqui desse lado que dá para a janela do quarto que era nosso. Toda manhã eu abro a janela e vejo um pouquinho do meu marido ali naquelas folhinhas que ele tanto amava!
- Tá vendo aquela orquídea? A amarela? Isso aí foi briga de namorado, das feias. Eu tava aqui fazendo meu trabalho na portaria e só vi quando a coitada da orquídea voou e foi para lá do outro lado da rua. Fui bem de mansinho lá, peguei a coitada, deixei lá atrás escondido e fui cuidando dela. O pessoal se mudou daqui, a orquídea se recuperou e deu umas quatro flor de uma vez. Uma belezura assim merece que muita gente possa ver. Pendurei ela aí e sabe que tem turista que para pra fotografar, tem homem de terno e gravata que fica aí apreciando antes de ir pro trabalho, tem senhora que traz adubo e pede pra eu colocar.
Entre chuvas, abelhas, joaninhas, passarinhos, momentos felizes, brigas de casal, morte, vida, bebês nascendo, assim aquela árvore, numa rua do Rio de Janeiro, carregava a sua própria história e tantas outras. O emprego do moço ainda durou muitos meses até que foi inaugurada uma exposição com fotografias de cada vaso, de cada planta ali colocada na árvore, acompanhada de textos. Moradores e porteiros orgulhosos das histórias que ajudaram a contar!