"Se tiver de suportar duas ou três lagartas, para chegar a conhecer as borboletas, não faz mal. Dizem que é tão bonito..." Pequeno Príncipe
Eu sou uma pessoa urbana. Nasci em apartamento, tive infância nos concretos da cidade.
Mas foi justamente dos concretos cinzentos que fui resgatada dos excessos de urbanices.
Devia ter uns cinco anos de idade e a casa em que morava, ficava num quintal em forma de ladeira, todo cimentado, e lá também ficava a pequena casa de meu tio João.
Da fenda, inicialmente pequena que surgiu próxima a um muro, brotou algo verde, que vingou, amoleceu o coração do tio João e criou-se. Um limoeiro.
Ele, o pé de limão, ensinou-me a não chorar quando vi todas a s suas folhas caírem e achei tivesse morrido a pequena árvore. Apreciei suas flores e olhei encantada os filhotes limõezinhos.
Uma certa tarde tive que gritar para o tio João: encontrei no tronco do limoeiro uns bichos feios.
Tio João viu e enquanto corria para buscar algo dentro de sua casa, me respondeu preocupado: é mandrová.
O nome combinava com a feiura do bicho.
Com a bomba de detefon em mãos, explicou-me como eram perigosos os mandrovás para os limoeiros e pôs-se a pulverizar o tronco.
O cheiro era nauseante. Não do detefon, mas dos mandrovás morrendo.
Nunca mais me esqueci - eram feios, maléficos e extremamente fétidos.
Cresci, dei para me apaixonar e escrever em cartões aquela frase ali de cima sobre suportar lagartas e apreciar borboletas.
A poesia da frase me tocava. A realidade da frase era algo distante de mim. Li outras coisas sobre borboletas como não assoprá-las para sair do casulo e achei ainda mais poético.
Ajudei meus filhos a descreverem o conceito da metamorfose porque cairia na prova. Tudo não passava de um conceito ou de poesia.
Até que...
Na árvore da minha vizinha eu avistei os mandrovás. Lembrei com saudades do tio João e com tristeza da morte dos mandrovás. Achei melhor nem falar para a vizinha.
Ficaram em paz os bichinhos e logo cresceram e engordaram.
Numa manhã, ainda nas férias das crianças, um dos mandrovás desgarrou-se do coletivo de mandrovás ( que eu não sei o nome ) e veio parar no meu muro.
Imediatamente chamei meu filho Bernardo e dei-lhe uma folha de papel para que ele resgatasse o bicho e o colocasse de volta na árvore da vizinha. Porque eu como frango mas não tenho coragem de matar mandrovás...
Não se passou mais que três minutos e vem o Bernardo reclamando que além de ser difícil de pegar o bicho, ele estava fedendo um cheiro horrível. Não sabia o que tinha acontecido, mas era alguma coisa do bicho.
A criança fedia mesmo. Dos cabelos aos pés, passando pela roupa. Não resgatou o bicho e foi direto para o banho.
Salvei o mandrová mais tarde com um graveto.
Numa dessas noites abafadas, inesperadamente entrou o cheiro do mandrová dentro de casa. Muito forte. Olhamos nas janelas, sofá, nada.
Dia seguinte encontrei o bicho curvado na parede e sustentado por um ínfimo fio em cada lado.
Fiquei eufórica! Então era isto: suportar as lagartas ou mandrovás.
Na outra manhã, já estava assim:
Parecia inerte e sem vida.
Esperamos dia após dia. O futebol individual ficou suspenso.
Dez dias quando as crianças notaram uma um líquido viscoso escorrendo dali, parecia ter sangue também.
E assim encontramos na outra manhã:
A metamorfose se dera durante a noite enquanto a casa dormia.
Continuo urbana, não sei dizer se dali de dentro a borboleta que saiu é colorida ou uma mariposa; não sei se lagartas mais coloridas dão borboletas mais bonitas ou se as mais fedidas, bem, não importa.
Só que agora poderei escrever nos cartões sobre suportar lagartas, mandrovás para se ter borboletas!
Ana Paula, parabéns!!! Cada palavra emociona! E a frase inicial e final tem toooodo o sentido e ainda mais pra ti e teus filhos agora! Valei o futebol cancelado, valeu a espera,. até o mau cheiro. Construíste algo lindo de se ler e guardar! bjs, chica
ResponderExcluirQue coisa mais linda.O que falta é educar com mais observação à natureza, ensinar assim uma poesia. Lembro das lagartas no quintal de minha vó e lá eram de fogo. hehehe.
ResponderExcluirQuanta paciência. Do bichinho para se transformar (mesmo fedendo) e de vocês para acompanhar todo o processo (mesmo com o mau cheiro). Gosto da natureza mas para alguns bichinhos eu prefiro a natureza morta, em fotos e quadros.
ResponderExcluirDelícia de texto, Ana Paula, natural, belo sem artifícios. Gostei!
ResponderExcluirDelícia de texto, Ana Paula, natural, belo sem artifícios. Gostei!
ResponderExcluirAna Paula, tudo bem?
ResponderExcluirGosto muito da tua escrita!
Tem uma frase do poeta uruguaio Mário Benedetti que diz mais ou menos assim: que uma borboleta nunca esquece que um dia foi uma lagarta.
Beijos e ótimos dias!
Ah! Já ia esquecendo, obrigada pelas palavras à minha filha Luíse, vou fazer ela ler os comentários :)
ResponderExcluirBeijos!
Ana, seu texto ficou ótimo, e tem uma poesia que só você sabe dar, acho que tem a ver com essa coisa de ser mãe, mas é algo seu também, você tem muita compaixão, e como é raro se destaca da maioria. Mas quer saber mesmo a verdade? tive um arrepio horrivel quando vi a foto do mandrová. Lembrei da lagarta vermelha e peluda que queimava, e que eu vi quando pequena Eca! kkkkkkk.
ResponderExcluirQue lindo e delicado esse texto.
ResponderExcluirEm época que as pessoas não valorizam mais a natureza, seu gesto e ensinamento ao seu filho vai ao encontro contrário de hoje.
Abraços.Sandra
Oi Ana Paula, puxa, fiquei comovida com sua compaixão pela lagarta!
ResponderExcluirSe não me engano essa lagarta que ataca os limoeiros é a Prays citri, uma mariposa pequena que existe nas cores cinza e ocre.
Bjs e ótima semana
Menina...e olha que não é fácil ficar com eles em casa ou nas árvores. Já tive muitos em minha outra casa e no pé de manacá cheiroso são milhares de lagartas que desisti de tirar de lá e deixei tomarem conta do pé...sim, vieram muitas borboletas depois, mas tive que podar o pé do manacá que ficou só em galhos!
ResponderExcluirGostei de ver as fotos e de ver que foi super rápido, em uma noite apenas eles nasceram!
E para termos borboletas temos que suportar as lagartas, é fato!
Beijos, alegrias em sua casa e muita paz nesta semana!
CamomilaRosa
Adorei!
ResponderExcluirUma pena não termos visto a borboleta que saiu dali.
Bjs
Primeiro lagartices:
ResponderExcluirEsses serzinhos com esse nome ou com outros tantos por ai aforá: Mandruvá com U, ou com O é o nome mais popular e no dito populesco é gíria para pessoas comilonas e para as estraga prazeres, por causa do lado praga das rastejantes que em grandes números e em verdumes suculentos, são além da poesia do Pequeno príncipe e da vida
Euzinha, criada em prédios e casas alheias, uma delas um barraco na favela nas férias, outra com muita terra e verde, a da minha Tia Nélia, nada de histeria havia com lagartixas que desprendem e geladas caem no braço, nem por sonho cortar seus rabos para elas xingarem sua mãe, sabendo-se nascem outros, nada de chineladas em insetos inofensivos e por ai lá vai
Observação da consistência, de onde são os olhos, das cores, intolerância por vezes ao cheiro e ao aspecto, mas a natureza é bonita e fantástica e fonte de inspiração, lições e tb diversão, assim aprendi
Uma lagartinha com cem pernas, imagino se tiver varizes e o tanto de pares de sapatos em seus armários
Sobre a poesia do menino príncipe e filósofo, lagartas que viram borboletas e mariposas, poetei certa vez, numa das muitas tentativas que definir uma borboleta:
Borboletas são seres portadores de extrema sabedoria
Sendo primariamente lavas, arrastam-se
No casulo aprendem a se aquietar
Por fim, voam, bem sabendo o valor de ter asas
TinaBauCouto
Agora borboletices:
ResponderExcluirTenho algumas histórias bem famosas em meu currículo pessoal e familiar de asas batidas no tempo com bafordas de Detefon e Neocid, da família do tal Baygon, Rodos e veneno para as cucarachas
* Não é bom falar o nome delas, se não elas aparecem sabem, com os mouses vale a mesma prática
Uma é que havia um comercial do Baygon, nos idos dos anos 80, que achei um igual do Rodoz (http://www.youtube.com/watch?v=AL460KBBkZE), que eu ouvia "ESCOVA PIA" sem nenhum sentido, quando a cascuda falava: "COVARDIA"
Durante toda a minha infância, com referência a esse fato até hoje em casos de teimosia, meu pai aumentava a TV para eu ouvir e eu repetia que ouvia escova pia, com sorrisinho e cara de já ter ouvido e entendido o certo, mas firme e certa da diversão de meu pai, com minha teimosia
Outra história, (não denunciem minha vozinha já nonagenária), é que ela borrifava Neocid, um veneno em pó, em uma latinha redonda, com um furinho, em nossas cabeças para matar piolhos. Ninguém morreu, além dos piolhos, ainda bem :)
* Digitação errada de:
ResponderExcluirAFORA no primeiro comentário e
BAFORADAS no segundo :)
Ana Paula, só tenho um comentário a fazer: quero levar pro E- Library... aliás, já estou levando! ;-)
ResponderExcluirAbração
Jan
Hahaha, adorei seu texto, Ana!
ResponderExcluirEu também sempre ouvi dizer que mandrová eram perigosos, mas nunca soube que fediam!
E veja que coisa, depois da metamorfose vem a liberdade e a beleza!
Assim como nós, penso que é inevitável fazer essa analogia. Também passamos pela vida fases de lagarta, mau cheiro interior, e com força, coragem e fé, renascemos lindos para um novo voo.
Detefon... lembrou-me uma senhora aqui da cidade que por ignorância usou o produto na cabeça dos filhos com piolhos. Infelizmente as crianças morreram envenenadas. A pobre mulher enlouqueceu e anda pelas ruas há anos sempre com uma boneca estilo bebê no colo.
Ainda bem que existem borboletas para nos fazer ver beleza na vida, e não só, tristezas.
Um abraço!
Amei o texto. Geralmente matava as lagartas, mas por medo e por achar que prejudicaria a árvore do que outra coisa, porém este ano fiquei com dó e optei por acompanhar seu crescimento até se transformar em borboleta. Está sendo gratificante!!!
ResponderExcluirAmei o texto. Tenho um pé de limão na varanda da minha casa. Tem centenas dessas bichinhas. Mas elas não fedem. Cheiram a limão.kkkk... Também não tenho coragem de matar e fico muito feliz quando vejo o casulo vazio. É a natureza sempre se renovando
ResponderExcluirQueria ver depôs da transformação o que viram.
ResponderExcluirRogéria, essa espécie da postagem é conhecida como Heraclides anchisiades, ou nome popular "Rosa de Luto". É uma borboleta preta com pintas rosa, totalmente inofensiva tanto as lagartas, quanto a borboleta já adulta. Se alimenta de plantas citrus, isso é, folhas de laranjeiras, limoeiros e mexeriqueiras.
ExcluirBom dia Ana Paula.
ResponderExcluirHoje que vi sua publicação.
E vi sua dúvida: "Não vimos se saiu uma borboleta colorida ou......" . Enfim não foi observado o fim da metamorfose.
O que eu tenho pra te explicar é que esse casulo serviu de hospedeiro da vespa.
Essa vespa coloca os ovos dela na lagarta e depois sai a vespa do casulo.
O que saiu do casulo que você fotografou era uma vespa.
Fica com Deus e até logo.