Seguia de mão dada com minha filha pela rua tranquila e estreita.
O sol, apesar de ser de inverno, estava à pino e demasiado quente para a época, o que nos fez escolher o lado mais arborizado que nos oferecia por um bom trecho, agradável sombra.
"Como você é disposta para andar, hein?!"
A voz vinha do lado oposto ao que estávamos. Avistei e de imediato reconheci - Priscila.
Diminuí o passo, mas não atravessei a rua. Minha intenção era apenas de acenar para a Priscila e seguir em destino a buscar meu filho na escola.
Uma frase porém paralizou-me:
"Paula, o Gabriel tem até hoje a fralda pintada que você deu a ele"- ela disse com um sorriso duradouro.
O Gabriel é o filho da Priscila. Tem a mesma idade da minha filha Júlia. A Priscila falava enquanto o ajudava a entrar no carro com a mochila.
Eu fiquei parada segurando a mão de minha filha e devo ter ficado com uma expressão vazia porque a Priscila tentava me ajudar:
"Naquele aniversário que eu fiz lá no buffet do centro... Ele usa até hoje na aula de artes!"
Mantive a mão firme segurando a mão de minha filha e me abstraí dali olhando o sorriso da Priscila.
Eu tinha dois pensamentos ao mesmo tempo. Um era referente ao sorriso da Priscila e o outro era sobre o presente.
Quando eu pensava no presente que eu havia dado ao menino, achava que o sorriso dela era um deboche, uma afronta, um recado. Mas a Priscila não é esse tipo de pessoa. Um sorriso sarcástico não é do feitio dela. Porém, levando em consideração o presente, ela teria todo o direito de me afrontar com um sorriso.
Dar uma fralda pintada de presente?
Não tenho nada contra fraldas pintadas. Só acho que presentear um garoto de quatro ou cinco anos com uma coisa dessas é mesmo fora de noção. Fralda pintada é para quatro ou cinco meses de vida. Dentinhos nascendo, bebê babando, essas coisas.
"Ô presente que durou, hein?! A fralda pintada branquinha."
De lá de onde eu estava, tentava acessar os arquivos. Onde será que eu comprei essa fralda pintada? Teria encomendado? Pintar, eu não pinto; hipóstese descartada. Então comecei a sentir mal. E se eu tivesse pego uma fralda que fora de um dos meus filhos para presentear o filho da Priscila? Sabe, presente de última hora, não deu tempo para comprar. Nossa, eu fui mesmo capaz de fazer isso? Que decepção comigo. Que pessoa mais sem noção eu sou - presentear um amiguinho de minha filha, aniversariante de cinco anos com uma fraldinha pintada?
Eu realmente merecia aquele sorriso infame da Priscila, mesmo tendo se passado quatro anos do ocorrido. Ela devia estar engasgada com a fralda pintada e neste encontro casual despejou sobre mim todos esses anos de raiva.
"Ele nunca esquece de levar para a aula!"
Imaginei então o Gabriel na aula de artes, tirando a fraldinha pintada, colocando-a sobre a mesa e limpando delicadamente os pincéis ora sujos de tinta guache, ora na aquarela.
Mas, nesse momento me ocorreu que o sorriso da Priscila era mesmo verdadeiro. Ela me pareceu orgulhosa pelo filho ter até hoje o presente.
Então me senti péssima mãe. Eu me lembro que pediram um paninho, um trapo, coisa pequena para as aulas de artes e eu nem sei o que mandei. Deve ter sido alguma manga cortada de camiseta velha.
A Priscila não. Ela é uma excelente mãe. Claro que sabe exatamente o tipo de paninho que o filho usa para limpar os pincéis.
Resolvi dar um basta naquela tortura. A besteira eu já havia feito. Quatro anos atrás, ou uma vida inteira, não importa, terei que conviver com o fato de um presente malfadado.
Para encerrar então, soltei uma fala:
"Ah! Eu também guardo várias coisinhas de bebê da Júlia."
O tranco seco, contido e forte, eu senti de imediato no meu braço. Aquele puxão que as mães dão para dizer sem palavras "cala a boca".
Deixamos a Priscila para trás e seguimos. A uma boa distância do ocorrido, minha filha voltou-se indignada para mim e me censurou:
"Mãe, por que você foi falar para a Priscila de paninhos de bebê?"
Ok, ok. Entendi que era um típico faniquito de uma pré-adolescente que não quer ter nada de bebê associado a ela.
Comecei a responder com a paciência escassa:
"Não tem nada de mais falar que guardo algumas coisas de bebê que foram suas. A Priscila não estava falando da fralda pintada que eu dei para o Gabriel? Então...
"Mãe, a Priscila estava falando da flauta da yamaha que você deu para o Gabriel".
Noooooooooooossa, acho que o sol te pegou na cuca,rs Con
ResponderExcluirfundiste flauta com fralda? rs Mas acontece nas melhores famílias. Imagino a cara da Ju!! Beijos,tudo de bom,chica
kkkkkk... impossível não rir com toda esta situação e a confusão gerada por uma palavra não compreendida. Ainda bem que a história acabou com risos pois a história nos mostra que muitas guerras e brigas começaram assim.
ResponderExcluirhahahha já cai numa dessas, muito engraçado, ainda bem só risos e uma bela história para contar. bjs
ResponderExcluirOs equívocos que nos deixam sem palavras!
ResponderExcluirMas afinal, quem é que não tem equívocos?!
Beijinhos.
Li ontem e mesmo já tendo ouvido a história, não consegui comentar de tanto que eu ria. Nunca mais vou ver uma flauta e não lembrar dessa história.
ResponderExcluirFiquei idealizando aqui o seu próximo livro ser dessas crônicas super bem escritas, de fatos cotidianos engraçadíssimos, com cara de colunas de jornal.
Pensei até num nome para o livro: Crônicas cômicas
A descrição:
Descrições bem humoradas que provam que não só acontece conosco certos enroscos
kkkkkkkkkkkkk Ana vc existe??? kkkkk adorei rsrsr essa foi ótima, se não é a Julia p te ajudar vc passaria anos tentando se lembrar da "frauda pintada" kkkkk
ResponderExcluirAna,você é demais!! Muito bom!! Eu as vezes faço algumas dessas,mas só que não tenho a Júlia para me ajudar!!
ResponderExcluirBeijos
Amara
Tudo bem Ana Paula, isso acontece…
ResponderExcluirQue bom que a sua filha te ajudou a lembrar!
Bjs