sábado, 27 de abril de 2013

Favor não mexer

"Favor não mexer". 
Estava escrito na plaquinha colocada sobre o piano de cauda preto.
E o mesmo conceito parecia valer para o senhor que chegou, tirou a placa, levantou a cauda do piano e sentou-se ajustando a banqueta.
Na sala somente eu, que por alguns instantes, pensei que estaria dentro de um recital.
O senhor abriu a maleta preta que trazia e ao invés de partituras, tirou de lá martelos, chaves e pôs-se a tocar a mesma nota repetidamente enquanto mexia em seus martelinhos.
Não foi um recital, mas estava interessante aquela sessão de afinação.
Que vontade senti de puxar uma conversa, porém o "favor não mexer" parecia estar mesmo no homem. Eu não consegui me aproximar.
Assim que minha filha terminou sua aula de violão, fomos embora deixando para trás o afinador de pianos.
Não tendo um piano em casa com cauda ou sem cauda, e não pertencendo à classe dos músicos,  a chance de se deparar com um afinador de pianos deve ser 01/por vida.
Pois eu encontrei com ele pela segunda vez! E dessa vez ele não estava com a plaquinha "favor não mexer".
Puxei prosa e afinamos numa boa conversa. Ele até me deixou mexer no diapasão e eu pude aguçar meu ouvido tentando perceber a vibração da nota. Pude também mexer em seus martelinhos, girei a tal chave e me encantei foi com os caminhos musicais do Sr Nunes.

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Começou trabalhando na fábrica de brinquedos Estrela e lá, aos dezesseis anos, um acidente o fez perder um dos dedos da mão direita.
Superada a tristeza, a dor, descobriu ter um ouvido privilegiado. Aprendeu o ofício de afinador de piano.
Não sabe tocar absolutamente nada no objeto do seu sustento.
Toca violão em rodas de choro.
Seu Nunes me disse que o grande problema dos músicos de hoje é a pressa.
A pressa impede que os instrumentos sejam afinados adequadamente.
Uma lição de tranquilidade esse Seu Nunes!
Afinou, fechou a cauda do piano, colocou a plaquinha "favor não mexer" , despediu-se de mim e se foi.

9 comentários:

  1. Que lindo te ler...
    Passou a tranquilidade do Sr. Nunes. Lindo encontro tiveste e soubeste usufruir ao máximo dele. Linda história desse homem. Adorei! beijos,chica

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  2. Ana Paula, você pode se considerar uma felizarda. Eu conhecí um afinador de órgãos e não foi possível conversar com ele, mas a aparência (layout, ts)dele era igual a do Sr. Nunes. Até o simpático "penteado" era igual. O melhor disso é conviver um pouco com aquela tranquilidade de pessoa. Você conversa com ele e sente que ele está pensando para conversar. Não tem pressa, é detalhista e paciente.
    Sabe, Ana, por aquí temos um monte de "Srs. Nunes", que dado a violência dos noticiários da mídia, não saem de casa. Só saem para receber a aposentadoria e nesse dia conversam um pouco na rua, mas fora isso, é difícil encontrar um bom papo.
    Aproveitando o ensejo do bom papo, adorei a crônica Uma xícara.
    Estamos precisando voltar ao hábito das diversas xícaras de café.
    Beijo
    Manoel

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  3. Eu também adoro gente, conversar e saber de suas histórias. Agora, nunca mais o Sr.Nunes vai esquecê-la e ele ficou eternizado na sua cronica.

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  4. Adorável essa prosa com o afinador de piano! e que profissão gostosa!
    Nada como um bom papo não é? principalmente com pessoas diferentes e situações inusitadas assim,
    beijinhos AnaPaula

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  5. Que interessante essa história. Nunca ouvi falar de um afinador de pianos, até já ouvi dizer que existe, mas não vi nenhum, então você fez certo e aproveitar essa oportunidade.

    Beijocas

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  6. Tenho fascínio por pianos.
    Nunca vi um pessoalmente.

    Minha escolha sonho de aprender e saber dedilhar é Por Elise \o/

    Sobre Seu Nunes, amei a mãozinha dele e a camisa de listras.
    Posso ouvir frases ditas por ele, como tudo tem um método, que pianos não são como timbais.

    Eu vi uma vez um documentário sobre a confecção das caixas de uma marca famosa de pianos e sobre seus criadores. Pura poesia!

    Favor não mexer em um piano para mim é tão útil e válido, como um favor não pisar na grama.

    Dós, rés, mis e fás para seu domingo alegrar \o/

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  7. Cada vez mais raros o encontro com estes profissionais, ainda mais com esta profissão de afinador.Fico imaginando o que ele pensa a respeito das músicas que ele ouve hoje em dia, deve ter arrepios com a desafinação e com a qualidade duvidosa.
    Adorei saber do Seu Nunes tomara que ele tenha seguidores.
    Bom domingo!
    Sonia

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  8. Quero aprender música, sabe. Uma das minhas filhas vai me acompanhar. Faremos aulas juntas no segundo semestre. Ela piano, eu violino. Não aguento mais ser analfabeta diante de uma partitura. Se Villa-Lobos tivesse sido ouvido, teríamos aprendido música assim como aprendemos letras. Um abraço para o Sr. Nunes e outro para vc!

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  9. Hey, Ana! Um raro e belo encontro! Um prazer ler a sua narrativa... seguir o ritmo das suas palavras! Obrigada. (E obrigada pelo seu comentário lá no blog.) Bjs.

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