terça-feira, 31 de outubro de 2023

Gestos simples

 " Servir os outros não tem de ser algo grandioso. Conceder um gesto caloroso a alguém que nós nem sequer conhecemos - digamos, no ônibus - pode fazer diferença tremenda para aquela pessoa. Pode trazê-la para fora de um lugar de profundo isolamento".

Elizabeth Mattis Namgyel



Ouvi a frase acima no último domingo, dentro de um grupo de estudos, e a pessoa que o conduzia, retomou a frase várias vezes e nos inspirou a refletir na nossa mania de grandeza, de querer fazer algo que impacte o mundo, ou mude a vida de milhares de pessoas, e assim nos perdemos de perceber, receber e oferecer gestos simples.

Sem que eu precisasse fazer qualquer esforço, emergiram da minha memória, com muita clareza, algumas histórias que eu presenciei assim "meio sem querer" e que exemplificam nitidamente esses pequenos gestos, esses gestos simples capazes de mudar uma vida, inteira, por momentos, e que passam despercebidos porque temos sede de coisas grandiosas.

Uma dessas histórias se deu assim: eu estava andando na Avenida Paulista, me lembro que era um dia de semana. Um homem que caminhava a minha frente, virou-se para o outro ao lado dele e falou - "eu tomei um banho ontem, tinha sabonete, tudo. Rapaz como um banho faz bem pra gente, dá um ânimo né pra seguir a vida".

Naquele momento em que ouvi essa conversa, eu pus reparo e vi que eram pessoas em situação de rua. Um banho tirou aquele homem de um lugar de profundo isolamento e talvez mesmo, um lugar de sofrimento. A água, o sabonete, o frescor no seu corpo devolveu-lhe esse sopro na alma, esse ânimo de viver...

No metrô aqui de São Paulo, mas acredito que em outras capitais também ( já vi a Pandora falando sobre ) o comércio dentro dos vagões, a tentativa de ganhar uns trocados das mais variadas e criativas formas, viraram rotina.

Eu estava em pé num vagão relativamente vazio. Não havia lugar para se sentar, mas não estávamos espremidos entre vários humanos!
Entrou um artista, um músico. Qual instrumento ele tocava, eu realmente não me lembro. A música sim, Asa Branca. E essa não me saiu da memória porque além do vagão inteiro cantar, a conversa que eu ouvi depois me causou espanto. Aquele espanto bom e feliz, sabe?!

O moço cantou e tocou, tirou os olhos de muita gente do celular, fez outro tanto de pessoas cantar e depois passou o seu chapéu e entre notas e moedas, desceu na estação que se aproximava.

Assim que saiu, a mulher que estava sentada, eu de pé ao lado dela, virou-se para a outra no mesmo banco e disse o que eu interpreto como um desabafo feliz!
" Olha, eu nem te conheço mas vou te contar uma coisa, como uma música assim faz bem pra gente! Teve um dia que eu tinha decidido que ia tirar a minha vida. Eu tava voltando do trabalho, não aguentava mais nada e só queria chegar em casa pra fazer a besteira. Sabe que entrou um moço assim e começou a cantar e aquilo era tão bonito e entrou em mim... moça, eu comecei a chorar e vi que não valia a pena acabar com a minha vida. Uma música me salvou!

Eu tinha achado tão bonito, foi tanto espanto na época em que ouvi aquilo de uma desconhecida dentro do metrô, mas depois que eu recordei isso com essa luz vinda da frase lá de cima, ficou ainda mais especial!

A outra e última história por hoje me envolve diretamente.

Meus filhos, Bernardo e Júlia, eram pequenos e eu estava com eles num parque, que na verdade era do tamanho de uma praça grande, e eu os levava lá para andarem de bicicleta. A Júlia com rodinhas, o Bernardo já sem.

Durante a semana era bem tranquilo e eu me posicionava num local que bastava girar um pouco o corpo e eu podia ver as crianças no ponto mais distante e logo retornando em suas bicicletinhas.

Num desses dias, uma mulher me parou.

"Oi! Você lembra de mim? - ela indagou sorridente e parecia esperar por uma resposta afirmativa.

Não fiz todos os esforços necessários para lembrar porque eu tinha que estar de olho nas crianças.
Mas, confesso que tentei e nada. Eu realmente não conhecia aquela mulher.

Ela insistia de forma delicada, ela fazia um esforço para que eu me lembrasse.

Então após aquele deserto, sua voz saiu gentil:

- Eu me lembro de você como se fosse hoje; aliás eu nunca vou me esquecer. Você foi tão doce comigo, o tempo todo segurava a minha mão, enxugava o suor do meu rosto e me ajudava a respirar. Você ficou o tempo todo comigo até que meu filho nascesse!

Ah, a maternidade! - eu exclamei mesmo sem me lembrar da mulher à minha frente. Já faz tempo que eu deixei de trabalhar e ainda brinquei com ela para tentar me redimir do fato de continuar a não lembrar. "nossa, mas eu sempre estava de touca e máscara e ainda assim você se lembra de mim?!

"Nunca vou esquecer seus olhos e como você foi importante naquele momento em que eu estava com tanto medo. Obrigada".

Acho que a conversa durou o tempo de uma volta com as bicicletas, quando as crianças retornaram eu já me despedi um tanto sem jeito pela falta da lembrança. Desejei felicidades a ela e a seu filhinho e nossos destinos seguiram seus rumos.

O gesto simples fora meu. Eu havia oferecido um olhar, uma mão, talvez algumas palavras. Era só o meu trabalho.
Em dias de mudança de lua, a cegonha sobrevoava aquela maternidade com voracidade! Vários partos acontecendo ao mesmo tempo. Seria mesmo difícil de me lembrar. Logo após o nascimento, a recém-mamãe já era levada para outra ala.

Um gesto simples, pequeno, marcou aquela pessoa e eu sequer saberia disso, que um olhar e uma mão segurando outra podem ser inesquecíveis!

Pediria para você voltar lá pra cima e ler novamente a frase e pensar nos gestos de simplicidade que você oferece ao mundo,  ou os que te ofertaram.
Vou fazer melhor e trazer a frase novamente aqui. Que ela te inspire!

 " Servir os outros não tem de ser algo grandioso. Conceder um gesto caloroso a alguém que nós nem sequer conhecemos - digamos, no ônibus - pode fazer diferença tremenda para aquela pessoa. Pode trazê-la para fora de um lugar de profundo isolamento".

Elizabeth Mattis Namgyel






8 comentários:

  1. Boa tarde de paz querida amiga Ana Paula!
    O salmo 130 já nos ensina como ficamos felizes.
    "Não tenho pretensão ambiciosa, estou como criança amamentada no regaço da mãe"...
    Assim vivemos mais leves no cotidiano.
    Cada florzinha que contemplamos dá vida nova. Comigo é assim que funciona.
    Tenho na mente gravada certas situações inusitadas como a que você nos partilha e me fazem crer que valeu a pena viver apesar de tantos percalços.
    Lendo seu post, me recordei de uma senhora num país onde vivi, num parque infantil com meus dois meninos pequeninos, era brasileira e quando me ouviu falar com os meus, veio até mim procurando uma consolação. O marido dela trabalhava no consulado brasileiro e ela era de Brasília. Fizemos uma bonita amizade e nos reuníamos para comer feijão que lá não era habitual. Era festa uma boa feijoadinha. Demo-nos o carinho de que precisávamos numa fase bem inusitada e difícil.
    Seu texto me fez viajar no tempo e recordar de pequeninos encontros casuais mas muito significativos onde Deus me ensinou que está comigo em toda parte e lugar. Fizemos a diferença uma na vida da outra.
    Muito obrigada por este momento.
    De fato, pequeninas coisas são as que nos marcam mais.
    Tenha dias abençoados!
    Beijinhos com carinho fraterno




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  2. Ana Paula. sempre saio daqui feliz em ter lido algo bem legal e que diz respeito às nossas vidas.

    Adorei tuas histórias, tanto a do metro, a do sabonete que fez a diferença e a coisa boa que teu olhar, tua mão fez pra mamãezinha que paria.

    Adorei e lembrei de dois fatos um há bastante tempo, quando num problemão de saúde, tive que retirar o útero aos 39 anos,o médico que nem era o cirurgião, apenas havia me indicado quem o faria, mas, por saber o quanto mal retirar aquele pedacinho que havia servido para acolher as gestações dos nossos 4 filhos, ficou segurando minha mão. Assim desde anestesiada, até quando acordei, lá estava ele. Foi demais. Fez um bem enorme.

    E outra,aqui mesmo no prédio que estamos, temos um porteiro que a cada vez que abre ou fecha o portão para passarmos nos abençoa! É maravilhoso! Dia desses,esqueceu e eu disse que faltava algo,rs...Ele sempre o faz! Muito legal e faz nosso dia melhor!

    Assim, nós sempre que podemos, tentamos fazer alguma coisinha de bem para alguém... E nós é que assim ficamos!

    Adorei! beijos praianos, chica

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  3. Oi, Ana.
    Bela postagem.
    Vendo você falar do rapaz que entrou pra cantar no metrô, me lembrei de um dia triste, pra mim, nebuloso, perto do fim de 2015, no qual saí de casa pela manhã para tentar algo na rua, me aventurar sem a certeza de que teria o meu problema resolvido, se seria só uma viagem perdida e em vão. Acabou sendo. Mas o que deu sentido àquele dia e ânimo a mim, coragem, foi o fato de entrar no ônibus em que eu estava indo, que naquele momento já estava quase vazio, pois muitas pessoas já haviam descido para irem trabalhar e estudar, uma moça venezuelana, de traços indígenas, que entrou no ônibus para cantar, com seu, imagino, ukulele, em troca de dinheiro que passou recolhendo em sua bolsinha ou em seu chapéu, já não me lembro, uma música linda intitulada Rosa dos Ventos (ainda bem que ela contou o nome da música, pois eu ainda não conhecia e pude procurar depois!), que depois pesquisando com calma em casa eu descobri ser da Seicho-No-Ie. Aquela música, tão singela e bela como a sua postagem, preencheu naquele dia, e dura até hoje às vezes, quando eu lembro disso, o espaço vazio que estava no meu coração por causa de uma incerteza. Tal como o filme Escrevendo uma Nova Vida ou O Autor da Carta me preenche e me anima, me traz esperança. 🌳

    Um grande abraço.

    ~Cartas da Gleize. 💌💕

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  4. Olá, Ana Paula
    A vida é feita de pequenos gestos. Um olhar, um sorriso, podem fazer toda diferença.
    Lindo o seu texto.
    Tenha um abençoado fim de semana.
    Beijinhos
    Verena.


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  5. Uma reflexão de bom tamanho, bênção grandiosa!
    Pequenos gestos, acolhimento e, às vezes, só um sorriso, abraço ou uma oração (sem nem que a pessoa saiba), fazem um bem gigante, Ana Paula. Fico contente quando alguém chega p mim e diz que o abençoei de um jeito que nem me recordava. Deus é AMOR, amemos e expressemos com determinação e alegria.
    Bom sábado. Bj

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  6. Oi, Ana, essa tua postagem me emocionou, sabes? As alegrias contagiam,
    não emocionam como as tristezas, os medos, os esforços nossos. A música...
    que conversa, quanta emoção dita por quem estava na pior no momento! E pode ser, sim!
    E a mulher no hospital diante do desconhecido e que lhe reconheceu? Essas são as emoções que
    valem a pena contar. Tão lindos esses gestos que salvam pessoas das mais profundas tristezas.
    Saio encantada daqui com esses seus relatos. Aplausos meus, amiga!
    Sem muito tempo para visitar os amigos, estou com o AP em obras, terrível, mas diante de outras coisas...
    tá tudo muito bom!!! 🙏
    Um bom fim de semana!
    Beijo.

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  7. Querida Ana Paula,
    O seu texto é muito inspirador e verdadeiro, a simplicidade de um gesto, de uma palavra, um acolhimento ou ajuda podem fazer o dia de alguém melhor ou até salvá-la de algo pior como a história que você citou no metrô. Gentileza sempre cativa os outros, mesmo aqueles com coração de pedra e eu percebo que essa é uma qualidade que tem faltado ultimamente na nossa sociedade. As pessoas andam muito preocupadas com elas mesmas, existe muito egoísmo e falta de empatia com o próximo, nos meus textos e poemas eu sempre bato nessa tecla porque desejo um mundo melhor. Seu texto além de incrível é necessário e faz a gente refletir que um simples gesto pode fazer o dia de alguém ser muito especial.
    Um abraço!

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  8. Texto que inspira e respira humanidade. A simplicidade dos gestos são pérolas que muitas vezes nem nos apercebemos do lindo círculo que se forma no passo a passo das gentilezas ou mesmo empatia. Muito bom sempre estar por aqui.. BJSSS

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