segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Cartas manuais



Escrevo diários digitais
e também cartas manuais
como nos filmes,
quero deixar um pacote de cartas
amarrados com laço de fita
não vermelho, como nos filmes
Um largo laço azul
um azul da cor do céu de inverno

Embora não tenha religião
acho o céu um bom lugar para se estar
e você poderá olhar as nuvens
e pensar que em algum lugar
daquela vastidão celeste eu estou a assoprar
algodão branquinho só para lhe alegrar

Em cada carta colocarei uma gota
do meu perfume
talvez só restará mesmo o cheiro de papel
amarelado pelo tempo
mesmo assim levarei o meu dedo ao frasco
do frasco à borda do papel

Também deixarei borrada
alguma letra, alguma palavra
porque não mais me envergonha
chorar enquanto escrevo

Quanto papel amassei na juventude
por não querer deixar
a marca líquida dos meus sentimentos
Talvez hoje as lágrimas sejam poucas
porque o viver me ensinou a chorar

domingo, 30 de outubro de 2011

Pescar


Pescar
nunca pesquei não
quando dou por mim
lá está ele no meu prato
frito, assado ou feito pirão

Ah! Mas o seu pescado
é pra mergulhar
pensamentos, ideias
e emergir renovado?

Pois vou contar um segredo porém
Pesco sim todos os dias
e de noite também
e por favor não espalhe pra ninguém

Nasci com o cabelo encaraminhoculado
fios enrolados como minhocas
e isso sempre me deixou
deveras preocupado

Meu cabelo encaraminhoculado
é como o anzol:
vai fisgando, pescando
seja na chuva seja no sol

Fui percebendo com o tempo
que sempre havia
uma ideia, uma canção,
um poema, um pensamento
que não caía nem com o vento

Hoje ando feliz
Nem me importo
que riam das minhas
minhoquinhas enroladas
Ai! Passou uma palavrinha
Essa foi por um triz!





Eu e meu cabelo encaraminhoculado declamando poesia no Sarau “A plenos pulmões” - Casa das Rosas SP
Essa palavra surgiu quando meu filho se enrolou para descrever as caraminholas que vão pela minha cabeça e misturou tudo com os cabelos... deu nisso!

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A fronha


Nos últimos meses era possível vê-la sentada com o bastidor em punho, a fronha nele retesada e a delicada mão bordando com destreza.
O silêncio ora era quebrado por um estalido vindo da lareira, ora pelas poucas palavras da mãe, companhia quase constante nas frias tardes de inverno.
Silêncio apenas aparente. O burburinho se fazia em seus pensamentos...
Na fronha bordava as iniciais de quem haveria de desposar-lhe ao lado do seu tímido “J”.
Tarefa serena, mas quando dava por si, estava com as faces enrubescidas.
Sabia que em uma noite próxima, estaria deitada com os cabelos soltos sobre aquela fronha, e ali, tornar-se-ia mulher.
Quando a mãe lhe indagava motivo de tal rubor, desconversava dizendo ser a proximidade da lareira. E afastava a cadeira; não os pensamentos.
Na alva fronha bordada estariam seus sonhos, seus gemidos, seu pudor a ser despido pelo grande amor.
Demorava-se por vezes em alguns pontos, como que tomada por um medo. De repente olhava para o bastidor iluminado pela cor do fogo, o peito arfando, ansiosa por entregar-se ao desconhecido mundo do amor.
Uma fronha. Sonhos. Significados. Rubor...

Para Bronha; para Ivani.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Selo de troca


Compro livros em três ou quatro livrarias. O ambiente de uma é agradável, outra tem um café aprazível no andar superior, outra oferece um programa de pontos em que é possível trocar por livros e há ainda uma que proporciona um selo de troca para livros.
Não sei se as outras o fazem, mas nesta sempre me perguntam se quero o tal selo.
Um dia resolvi esclarecer minhas dúvidas a respeito: em quais circunstâncias se troca um livro?
Já troquei um dicionário porque veio sem vinte páginas e justo a palavra que eu precisava consultar, não havia. Outra, foi um problema de encadernação que fez as páginas soltarem ao primeiro manuseio.
O funcionário que afixou o selo de troca me explicou que é possível trocar um livro porque você não gostou.
Nossa! Então eu compro, levo para casa, leio e não gosto e venho devolver?!
Que evolução nos direitos do consumidor!
Confesso que não ficava muito confortável com esta ideia de ler e devolver porque não gostei. Parecia-me um tanto oportunista, eu bem poderia enganar a grande livraria só para ler “dois por um”.
Esta semana me vali do meu selo de troca porque simplesmente não gostei da leitura. Mais do que isso, eu fui enganada pelo autor.
O zen e a arte da escrita” foi o meu escolhido.
Assim que vi o título, fui atraída para ele já pensando em uma grande revelação do tipo: “envolva-se com a fumaça leve e solta do incenso deixando suas mãos bailarem sobre o teclado e surgirá diante de seus olhos uma magnífica escrita zen”.
Seria uma transformação passar de repente a escrever assim, num estilo tão profundo, ao mesmo tempo simples, porém marcante, zen.
Cheguei rapidamente ao final do livro porque fiz a leitura aos saltos. Saltando parágrafos inteiros, páginas e mais páginas e cheguei ao seguinte relato:

Obviamente, escolhi este título pelo poder apelativo. A variedade de reações a ele deve me garantir algum tipo de companhia...”
Espero ser perdoado por usar o “zen”desse mesmo modo”.

Sim será perdoado assim que eu utilizar o meu selo de troca e devolvê-lo.
E eu achando que um livro poderia mudar maneira de escrever das pessoas. Isso sim é se enganar.



segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Pé de meia


Quando escrevi aquele texto sobre a ex-quase-sogra, realmente acreditei que era o último resquício dela. Enganei-me.
De alguma maneira, ela, a ex-quase-sogra ainda povoa meus pensamentos. Na realidade, acho que pode ter sido alguma palavra ou imagem vista na internet que me trouxe tal recordação.Sim, porque não ela que povoa, apenas um fato acontecido entre uma louça e um café: o pé de meia.
Ela perguntou-me certa noite: “Você sabe coser um pé de meia?”
Não. Foi tudo o que consegui falar vendo-a colocar um ovo dentro da meia.
Fiquei profundamente absorta naquela visão do pé de meia marrom-café e ali através do seu buraco, o branco do ovo.
Talvez se ovo fosse da classe dos avermelhados, a sobreposição de tons seria menos chocante. Mas ainda consegui perguntar se era necessário que o ovo fosse cozido para poder coser a meia.
Num sorriso de quem tem muita experiência, ela me disse que o ovo usado era cru. Assim devido aos cuidados que se teria com o ovo, o ponto da costura seria mais delicado.
Nunca cerzi uma meia puída. A imagem do ovo branco no pé de meia ainda está em mim.
Não tenho talento com agulhas. Manuseio muito bem para desentupir frasco de cola branca, se bem que, já tive talento com agulhas em veias alheias, podia até ouvir o momento em que ela chegava ao líquido vermelho, já o talento foi escasso quando tinha que espetar calcanhares recém chegados ao planeta. Aí eu ouvia tanto choro que pedi para ser transferida de função. Mas, tudo isso ficou no passado. Agora apenas a lembrança do pé de meia e a constatação que a meia que estou usando, furou.
Lixo, vai para o lixo. Não tenho talento para cerzir, está chovendo, e acabou o ovo.
Só para eu não me sentir mal: alguém aí costura meias usando ovos? 

domingo, 23 de outubro de 2011

Sacolas retornáveis

O importante é usar.
Recebi por e-mail estes modelos de sacolas  retornáveis.
Bem criativos, não acham?!





sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Difíceis respostas


Qual a doença mais grave do mundo?
Esse superlativo veio de uma criança. E receber essas setas da curiosidade infantil é muito produtivo e instigante ao mesmo tempo.
Instigante porque a primeira resposta que me ocorreu foi câncer.
Essa palavra parece uma cultura profundamente gravada em nossos inconscientes. Mas, com a mesma rapidez que me ocorreu como resposta, também com igual rapidez consegui questionar e lembrar a mim mesma os muitos casos de cura que eu conheço, tantos avanços na medicina.
Iniciei a resposta falando de uma criança conhecida que recente teve uma pneumonia e recuperou-se em uma semana e com este exemplo falei das pessoas sem imunidade que uma pneumonia geralmente é fatal.
Também lembrei da temida lepra, morte lenta, corpo deformado e que com todo o recurso de cura, continua mutilando pessoas, em silêncio.
Há uma doença, que na minha opinião, é a mais grave do mundo: o Alzheimer. Rouba você de você mesmo, deixando você existir sem estar neste mundo.
Mas eu quero acreditar que esta é a doença mais poética porque não é obrigado a sorrir para quem não quer, você está livre para ir para os braços de quem desejar em suas lembranças. Um mundo só seu, que poucos compreendem ou podem entrar. Ali perdido em si mesmo, você abraça sua própria poesia.
Eu quero acreditar que seja assim.

Saúde e alegria na alma e nos olhos. Isso sim é bom. Isso é o que eu desejo para todos os amigos, os leitores constantes ou itinerantes. Beijo

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Arrepios loucos


Brindei com os loucos
na fria noite
arrepios ao relento
Danço solitária sentindo
teu suspiro quente
no emaranhado de fios
do meu cabelo

Bailam cabelos
danço meu pescoço
na úmida cadência dos teus lábios

Brindei com os loucos
ao relento
e agora danço madeixas
emaranhadas nos teus dedos

Arrepios
relento
suspiros ao vento

Danço meu corpo solitário
em tuas mãos inexistentes
Bailo minha alma com a tua
Distância
Relento solitário

Brindei com os loucos
me arrepio
e bailo a tua ausência
te sentindo
tão presente em mim.

Ana Paula

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Sensibilidade

Eu fiz este post para um outro blog. Alguns amigos daqui já o leram.
Trouxe-o para cá, porque entre tanta correria, eu esqueci de contar sobre o caso das crianças que eu escrevei em maio deste ano com o título "Fantasmas" e que somente agora começa a se resolver já que obtivemos liminar favorável do juiz.
Como o texto está relacionado com escola, aproveito para dar a boa notícia e também agradecer aos que torceram conosco. Obrigada.


Sensibilidade



A sensibilidade, muitas vezes até exacerbada, da criança superdotada, é bem conhecida dos pais, seja no aspecto emocional, na parte olfativa.
E a sensibilidade dos pais? Ou a ausência dela?

Uma criança superdotada não é sinônimo de notas 10. Claro que há os exímios alunos mas também há aqueles como o meu filho que não tiram 10 em todas as matérias.
Para ele que tem uma facilidade acadêmica, eu sou uma mãe atenta a vários outros assuntos: a socialização, a maturidade, o bullying, motivação, citando os mais corriqueiros.
Embora sem ter um boletim nota dez, as notas altas desviaram, até então, o meu foco para este assunto. Parecia-me estar tudo bem nas questões pedagógicas.
Uma atividade belíssima, tão cheia de significado, que mostrou-me a sensibilidade da criança e a ausência em mim.
Parabéns e obrigada professora.

Uma carta escrita pelo meu filho:

Oi mãe

Neste instante você deve estar na reunião. Que bom que você veio, estou feliz.
Veja as minhas notas. Muito obrigado.
Espero que goste da minha nota. Eu tentei não esquecer não esquecer o trabalho de Filosofia. Eu tirei 8,0.
Eu gostaria que a minha mãe perguntasse. Ele vai passar de ano? O Bernardo está indo bem? E eu não gostaria de, ele faz bagunça, é muito ruim? Ou se fiquei de recuperação em inglês.
O bimestre foi fácil em Português, Matemática, Ciências, História, Geografia. Aprendi o vocabulário em inglês.

Uma pergunta que neste ano letivo não me passou pela cabeça fazê-la; para ele uma pergunta importante.




terça-feira, 18 de outubro de 2011

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Profissão inusitada


Lendo uma revista antiga, datada do começo do mês corrente, encontrei um quadro intitulado “profissões inusitadas”.
Destacaram quatro com uma frase de esclarecimento:
... Apesar da estranheza que algumas ocupações podem causar, elas são necessárias e tornaram-se mais comuns do que se imagina.”
Vamos a elas:

Sexador – o sexador é o profissional responsável por identificar o sexo de aves, como pintos e codornas, nos primeiros momentos de vida do animal. O serviço consiste em separar os machos das fêmeas, para facilitar o trabalho dos pesquisadores e criadores.

Cheirador de automóveis – fica até difícil acreditar que exista uma pessoa que ganhe um salário todos os meses para sentir o cheirinho de carro novo. Mas é verdade. Esse profissional analisa e controla todos os odores do veículo antes de sair da fábrica. Cabe a ele garantir que o automóvel saia de lá com aquele tradicional odor.

Tanatopraxista – esse profissional é responsável pela conservação, reconstituição e maquiagem de cadáveres. Para melhorar a aparência são utilizados apetrechos de beleza como secador de cabelos, esmalte e kit de maquiagem. A profissão exige curso técnico e é muito popular nos Estados Unidos.

Dogwalker – o dogwalker, que significa em português 'passeador de cães', é uma profissão que vem crescendo cada vez mais. Geralmente, é realizada por profissionais com conhecimentos básicos de adestramento. Eles levam os cães para passear e fazer exercícios por algumas horas do dia.

Fonte: revista Veja São Paulo 05/10/2011

Habituei-me à passeadora de cães aqui dos arredores. Achei estranho nas primeiras vezes, mas depois de algumas semanas nos tornamos inclusive conhecidas. Por causa dela sei o nome de muitos cachorros residentes dos altos prédios daqui, sei um pouco de seus hábitos, por exemplo, a Babi não gosta de passear à tarde porque sabe que sua dona está em casa; também já recebi boas dicas para cuidar do meu cão vindo de uma passeadora. Gostei muito desta profissão.
Quanto ao sexador, até hoje acho não precisei saber exatamente o sexo de nenhuma ave, então respeito sua necessidade no mercado de trabalho. Pode ser que quando compro umas asinhas de frango, ela pode ter passado pelas mão do sexador.
Cheirar automóveis. Só de pensar fico com o estômago embrulhado. Não gosto de cheiro de carro novo.
Bem, de início a que mais me causou estranheza foi a profissão de tanatopraxista.
Estranho porque eu já fiz algo próximo a isso e quase não me lembrava!
Não era exatamente a minha profissão, mas estava dentre as minhas tarefas: preparar cadáveres com o tamponamento.
Ou seja colocar algodão nos orifícios e deixar o corpo preparado.
Luvas, um rolo de algodão, pinça e lá ia eu. Como pode então eu me surpreender com maquiagens e secador de cabelos e ainda por cima quase nem lembrar de tal fato necessário?
Certa vez numa palestra, soube que a profissão de coveiro em algumas localidades brasileiras era tida como agourenta.
Fadado à solidão. Não era convidado para festas. E se alguma jovem moçoila do rapaz se encantasse, travaria batalha até estar nos braços do amado.
Mais de uma década se passou e eu já estava esquecendo do fato.
Acho que o receio da solidão de me acharem agourenta... não receber comentários no meu blog e nem ser convidada para um café com amigos virtuais. E eis que uma revista velha me traz aqui no melhor sentido blog confessional.
Há uma profissão, que eu não sei o nome, que para mim ainda é das mais estranhas: limpador de bumbum de lutador de sumô.
Um conhecido trabalhou em tal função para se manter temporariamente na Europa. Fiquei tão estarrecida que não perguntei detalhes.
Se alguém souber mais especificidades da profissão, por favor informe. Gostaria muito de saber.
E você conhece outra profissão inusitada?

domingo, 16 de outubro de 2011

Ritmos


Não adianta eu resmungar. O espírito do Natal já se materializou aqui em São Paulo.
Um estranhamento me tomou quando saí de casa pela manhã no dia dos professores e deparei com guirlandas e árvores natalinas.
Bastou um dia após o dia das crianças e a materialidade natalina tomou forma num ritmo que não está em sintonia com o meu.



Em pouco tempo de blog, habituei-me a alguns ritmos.
Claro que me refiro aos blogs dos quais eu participo.
Sei o que acorda bem cedinho e me mostra o amanhecer em lindos céus. Também há o que me adormece como meias a aquecer os pés em frias noites de inverno. Se bem que distâncias oceânicas podem confundir em relação às horas ou mesmo a tecnologia das postagens programadas...
Mas entre a alvorada e a calada da noite tantos são os ritmos, as surpresas.
Há os inesperados, os arrítmicos, os excessivos.
E há peculiaridades aos finais de semana e feriados.
Às vezes os meus blogs amigos ficam silenciosos, em pleno e merecido descanso.
Quando se aproxima o final de ano, muitas plaquinhas de “saindo de férias”são fincadas ali.
E já que aceleraram ritmos, permiti-me brincar de máquina do tempo tentando imaginar como serão os blogs (que eu sigo, claro!) na copa do mundo.
O meu, afirmo, que sobre futebol não terá nada. Não domino e nem me apetece o mundo futebolístico, nem de longe gostaria de ir a um estádio. Ficarei alegre se meu país vencer, mas ainda assim não me motivaria a escrever sobre este assunto.
Acho que gostaria de escrever uma história romântica de alguém que atravessa oceanos e apaixona-se por um nativo em meio a cornetas, bandeiras verde e amarela, flanelinhas e afins. Despedidas esperançosas num porto... nada mais romântico, uma vez que os aeroportos deverão estar caóticos.
Bem, na verdade, o que eu gostaria mesmo é de poder escrever na época da copa, seja lá o que for! E claro vou adorar ler quem estiver vindo para o evento, quem estiver vivenciando, ver fotos animadas de grupos enormes na torcida.
E vocês já se imaginaram o que gostariam de blogar durante a copa do mundo?!
Beijos

sábado, 15 de outubro de 2011

Dedicatória


À minha primeira professora, onde quer que ela se encontre, que me ensinou a ler e escrever e que graças a essa dedicação hoje posso editar esse livro.”

dedicatória extraída do livro Pingo um rio que passa pela vida
editora agwm autor Atair dos Santos.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Sono sorrateiro


Roubei um sono
sono pequenino
no ápice da tarde
e sorrateira aninhei-me
no sofá
e deixei-o me embalar

No auge do conforto
uma lambida de cão
a minha sonolência roubou

Já esperando o bafejar
do hálito canino
a me despertar
comecei foi a gargalhar

Das entranhas do bicho
um cheiro doce
a exalar

Roubou uma paçoca
não sei de qual tamanho
enquanto eu sonhava
dormir numa palhoça

Com o bicho
não houve jeito de ralhar
nem ousei esbravejar
que vergonha senti de me ninar!

Ana Paula


Algumas considerações.
Isso me aconteceu hoje à tarde. Cochilei e o cachorro surrupiou a paçoquinha das crianças!
Ah! Dedico a quem gosta de dormir à tarde mas não pode.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Gentileza



Contrariando o seu habitual
hoje ele não veio
ao meu encontro

Mandou seu amarelo dourado
em pequenas pétalas
lumiar meus passos
nesse frio e ermo caminho.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Medos de criança


Criança e escuro não têm qualquer afinidade. Não combinam.
Claro. O escuro impossibilita aquele lindo olhar curioso.
Amedrontado é o adjetivo que se apodera do olhar pueril perdido no escuro.
E é por este motivo que eu às vezes afrouxo a bronca que daria nas crianças quando elas deixam de ser eco-sustentáveis e no seu eco-pavor da escuridão disparam interruptores.
Como é engraçado: estão tão distantes de um determinado cômodo, mas a luz dele está acesa.
E quando interrogadas sobre os interruptores, as respostas são de outro mundo.
Fantasmas, espíritos, bruxas, todo o folclore brasileiro e talvez outros até emigrem para aumentar a veracidade das justificativas.
Única maneira de desacelerar o relógio medidor, lembrar da mobilização “Hora do Planeta” e voltar a ser ecologicamente correto é afugentar o pavoroso com explicações pacientes e bem humoradas enquanto se apaga novamente as luzes.
Essa é uma faceta encantadora das crianças que fica na memória.
Tanto fica, que tarde dessas, após deixá-los na escola, eu estava no silêncio dos cômodos, luzes desligadas, afinal era uma linda e ensolarada tarde e eu já passei há muito o medo de escuro das crianças e estava com a memória cheia das luzes e das vozes infantis e exasperadas falando-me do além.
Inevitável não rir...
Mas foi bem no meio do riso solitário que um som estranho adentrou pela porta fechada dos fundos.
Fechada sim, porque depois daquele acontecido eu aprendi a conjugar o verbo chavear.
Apartamento, porta dos fundos (fechada) e um som, que misturado ao tambor que meu coração se tornara, parecia com fungadas, ar querendo adentrar, mas nada semelhante a algo deste mundo.
Foi então que alguma dentro de mim resolveu raciocinar: lá do lado de fora da porta há um corredor com sensores. Qualquer coisa que estivesse ali, dispararia o interruptor invisível e faria luz no corredor.
Foi então que fui assolada pelo terror: continuava tudo escuro pela fresta da porta. Nada de interruptor invisível acionado. Invisível era o qualquer coisa que estava ali grudado na minha porta emitindo um ruído desconhecido.
Acionei todos os interruptores próximos, disparei o relógio medidor, deixei de ser ecológica, questionei onde estaria o nosso cão para me proteger e deschaveei a porta lentamente e...
Era um cachorro, que além de respirar na minha porta, depois passou a arranhá-la.
Depois que vi o que era aquela criatura apavorante, tranquei a porta imediatamente e interfonei para o porteiro e alguns minutos depois subia a dona do animalzinho.
Assim que vi a luz do corredor acender-se automaticamente, abri a porta e me emocionei ( mentira!).
A dona estava no primeiro andar chorando. Achava que o cãozinho fugira para a rua. Eu chorava no nono andar sem saber para onde fugir.
Trocamos um abraço emocionado (mentira!). Para mim foi um abraço aliviado.
Logo depois voltei a gargalhar com a situação.
Bem, acho que mantenho uma criança em mim.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Figurinhas da corrupção


A corrupção na nossa política já deixou há muito de nos causar estarrecimento. Espanta-nos as poucas ações punitivas. O assunto tende a ir de encontro com a comédia, porque com a tragédia nos acostumamos.
Um nome no cenário político, Gastão, indicado a um cargo, disparou nas redes sociais porque inspirou até os mais mau humorados a fazerem piadas na mais livre associação de nome/política/corrupção.
Eu, tenho uma curiosidade: como foram estas crianças que hoje são os nossos políticos corruptos?
Nada de biografias do tipo em qual escola estudou e suas notas, acompanhava o pai... queria saber se sabia dividir uma guloseima, se jogava lixo na rua, se encontrasse um objeto perdido, qual seria a sua atitude?
Talvez fosse uma criança politicamente correta, mas como disse um outro representante do povo – uma água limpa e cristalina ao se misturar num córrego imundo, não tem como não se contaminar.
Como saber?
Tem-me intrigado um outro fato que está acontecendo na sala de aula de meu filho.
As crianças estão envolvidas em colecionar figurinhas de futebol e entre álbuns, quem tem mais, quem tem menos, compra e venda, trocas, têm ocorrido roubos silenciosos das mesmas. Algo de tipo: estava dentro do estojo, fui ao banheiro e quando voltei, não estava mais.
Coisa boba de criança? Afinal o que é uma figurinha?
E o comportamento de quem foi perspicaz em saber que o objeto de desejo estava guardado, mas a oportunidade de tê-lo está ali tão fácil.
Será que um homem público que confunde o dinheiro do coletivo com o seu próprio algum dia teve um álbum de figurinhas?

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Dez


lavar



cozer



sombrear



transitar


entristecer





locomover


crescer





devanear


estudar





improvisar







Hoje senti vontade de participar deste projeto da Myris “10 on 10”.
Achei bem interessante no meio da correria de um dia cheio de rotinas e horários, você ir fotografando o que vê pelo caminho fora e dentro de casa. Tudo no improviso, tudo inusitado e muito surpreendente!
E você já tentou um projeto desses?


domingo, 9 de outubro de 2011

Reflexos



Não mais ouço a chuva
a tamborilar telhados
Não mais a vejo riscando vidraças
rastro de lamento
a escorrer em moldura acinzentada
Habito o interior de arranha-céus
órfãos de telhados

A cadência da chuva
brota do chão
rastro de pneus molhados
arranhando o asfalto

Não ouço mais a chuva no telhado
cadência que às vezes amedronta
às vezes acalma
acalenta sonhos

Do interior de um arranha-céu
vejo a chuva refletida
em espelho d'água
deitado ao lado do asfalto

Na vidraça vejo refletido
o rastro de uma lágrima
arranhando minha face
Ainda sei chorar.

Ana Paula