domingo, 19 de maio de 2013

Angelina e Guiomar

Não iria escrever sobre esse assunto Angelina/seios que já está saturando por não se falar em outra coisa, seja nos programas de tv, jornais, web, revistas... mas, Dona Guiomar não me sai dos pensamentos e ela está me impedindo de escrever qualquer outra coisa antes.
Dona Guiomar, apesar de tanta convivência comigo no passado, ainda não tinha aparecido nos escritos do blog. Foi Angelina que a trouxe.
Enquanto eu fazia curativos em uma mulher que havia passado por uma mastectomia, Dona Guiomar entrava no quarto. Era um alívio para mim. Um conforto para a paciente.
Contava rapidamente a sua história e oferecia àquela mulher que estava ali deitada como uma tábua, porque fora amputada, um sutiã com preenchimento. Tirava as medidas cuidadosamente e se encarregava do resto.
Desculpem falar assim, usando esses termos - mulher como uma tábua. Mas aquelas mulheres estavam exatamente assim, retas.
E agora um parênteses enorme: (Angelina não teve seus seios extirpados. Nela foi usado a técnica de esvaziamento das mamas preservando aréola, mamilo e depois foi feito um preenchimento com silicone. Claro que não foi fácil. Dor, sofrimento físico e emocional, certamente existiram. Porém a maneira como muitos têm colocado, fica parecendo que a mastectomia dela é igual a que muitas mulheres são submetidas. Ouvi na fila do mercado alguém dizendo "Coitadinha da Angelina, ficou com três drenos de cada lado").
As mulheres que eu cuidava não tinham drenos, não havia nada a escoar.
Quem colocava nelas um dreno mágico e invisível era a Dona Guiomar, para escorrer dali de dentro a tristeza, a angústia e principalmente a falta de vontade de viver.
Na maioria das vezes Dona Guiomar conseguia. Quando um sorriso surgia naquela face abatida, sabíamos que o tal dreno estava funcionando.
Dona Guiomar era analfabeta e pelo tanto que trabalhava em sua máquina de costura, não tinha muito tempo para assistir aos programas de televisão.
Eu fico imaginando como seria um diálogo nosso. Eu lhe contaria sobre a mastectomia de Angelina. Ela ficaria esperançosa e ao mesmo tempo me confessaria que já está tão cansada que vai torcer para que não precise mais tirar as medidas de mulheres amputadas, vai torcer para que a cirurgia de Angelina chegue logo naquele e em outros hospitais.
Eu vou lhe dizer sobre a simplicidade do teste genético que quando a Angelina fez seu anúncio, eu recebi três e-mail oferecendo o teste por oito mil reais. Hoje já está seis mil.
E Dona Guiomar que mesmo sem saber ler é muito astuta, vai me contar que muitas vezes deu dinheiro da condução para alguma paciente ir embora, vai dizer que os médicos estão debatendo se vão trazer médicos de outros países porque estamos com falta de profissionais.
E Dona Guiomar vai me lembrar do tempo que aquelas mulheres tem que esperar para serem atendidas e vai me lembrar que nos rincões do país ainda há mortes por diarreia.

O exemplo de Angelina mostra o maravilhoso avanço da medicina. Mostra também o quanto nosso país está distante desses avanços. O exemplo de Angelina é para poucas, pouquíssimas.

Quando deixei de trabalhar naquele hospital, Dona Guiomar estava imensamente feliz: uma grande marca de lingerie iria lhe fornecer as sobras de tecidos, o que é ouro para ela!
Dona Guiomar apesar do cansaço, segue tentando levar sorrisos com seus sutiãs que se fossem para as pacientes comprarem ,custariam hoje 90,00 reais. E segue também com a esperança de que uma mulher simples, sem beleza, um dia possa dar a mesma declaração para a mídia e estampar várias capas de revista.

Li também sobre uma bela moça que após ter tratado um câncer resolveu doar todos os muitos lenços que usava na cabeça. Coloca-os numa caixinha e entrega junto com uma carta que contando sua história, incentiva quem está passando também por ela.
Evelin Scarelli é o seu nome.

11 comentários:

  1. Confesso que fico bem atordoada quanto vejo vários posts de uma pessoa de uma só vez, daí sempre acabo comentando só em um como nesse aqui... rs.

    Sobre a Angelina, é aquilo, ela é famosa, tudo que faz vira notícia e todos se comovem com suas dores. Eu adoro a Angelina, mas sofre mais quem é anônima e tem que retirar tudo, e ficar com aquela cicatriz difícil de se olhar.

    Seu post foi muito bem escrito, alias como são seus textos no geral.

    E gostei da foto do cavalo, tanto a sua quanto a nada convencional do seu marido.. rsrs.

    Beijocas

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  2. O tema Angelina já cansou. Nem aguento mais! Me irrita! Mas tiro o chapéu pra Dona Guiomar. Essa sim! Lindo gesto, linda mulher de coração doce e maravilhoso!


    Lindo post, bem colocado o tema! beijos,chica

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  3. É por causa da Dona Guiomar (e de outras pessoas assim) que apesar de tudo este é o país que vai para frente!! Uma notícia como esta traz um grande benefício pois vemos como ainda falta muito para que possamos ter uma saúde de qualidade. Aqui em BH temos visto um grande debate entre um grupo de médicos que querem transformar um hospital semi abandonado em um hospital oncológico com recursos de última geração. Como fica em um bairro de classe AAA o grupo de moradores é contra. E um senhor bem educado, camisa de grife, loção pós banho francesa (juro que senti o perfume pela TV) afirma para o repórter: não somos contra o projeto mas este hospital seria mais útil na periferia, onde eles precisam mais. Pode um absurdo destes???

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  4. Q linda a dona Guiomar!
    Deus abençoe o trabalho dela e que mais pessoas como ela ajudem a drenar a tristeza de tantas pessoas.
    bjs

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  5. Faltou eu comentar nessa.

    Um abraço meu para Dona Guiomar, trabalho bonito esse dela. Costurar para mim já é algo tão fantástico, poético, terapêutico. Costurar peças que são curas, alentos, é mais bonito ainda :)

    Se eu ver Dona Guiomar na mídia vou amar. Não para rimar, nem por ela, mas pelas mentes que vai mudar. Essas heroínas, anônimas, sem filmes, maridos e filhos famosos são poderosas como estrelas de grandeza maior.

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  6. Não vou comentar sobre Angelina porque voce disse exatamente o queeu diris, pensa exatamente como penso.
    Estamos a anos luz da medicina que ela usa.E não temos dinheiro. Ponto!
    Vi também sobre a moça que doa seus lenços para quem não tem cabelos.
    Achei lindo! emocionante, humano!
    Parabéns, não mudaria uma virgula de seu texto.
    beijo
    (leio os outros amanhã, estou cansada)

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  7. Que lindo seu blog, Ana Paula! Gostei de tudo nele, dos textos inteligentes mesclados com fotos interessantes, do modo como você escreve, de suas experiências pessoais compartilhadas - adoro isso! Gostei tanto que acabei lendo seus textos um atrás do outro e parei neste aqui para comentar:

    Fala-se muito em Angelina por aqui, mas são as Donas Guiomar dos bastidores que realmente fazem a diferença no nosso Brasil - distante dos avanços da medicina, dos quais Angelina se beneficiou. Parabéns para essa mulher, que trabalha para garantir sorrisos - que bom se todos os trabalhos fossem compensadores assim! E parabéns para você, que trouxe para a crônica quem está longe da mídia mas realmente é digno de destaque nesse assunto.

    Um abraço!

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  8. Infelizmente, essa doença está cada vez mais perto. Vivemos de alimentos artificiais, o corpo não aguenta. Você trouxe uma história que emociona. Perto de mim, uma jovem de 25 anos enfrentou a doença com um sorriso no rosto, salvou a vida e perdeu a esperança de ter mais um filho. A outra, filha única, perdeu a mãe aos 40 anos. Hoje, aos 35, faz dos exames uma rotina para que os três filhos não sejam órfãos antes de encerrado o ciclo natural da vida. Nem sei mais o que escrever...

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  9. Ana Paula, esse texto assino embaixo, sem colocar ou tirar nenhuma palavra!

    Beijos.

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  10. O mundo é movido às Donas "Guiomar e Evelin".
    É importante fazermos uma reflexão perguntando para nós mesmos, em que podemos contribuir para nos sentirmos "Guiomar e Evelin".
    Beijo
    Manoel

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  11. Texto inegavelmente sensível, como a maioria dos que você escreve... Eu tenho uma paixão infantil pela Angelina, talvez por ela ter encarnado a Lara Croft do Tomb Raider, pelas lutas humanitárias e pelas muitas adoções.

    Achei que ela teve coragem para abrir o jogo, mas as possibilidades que ela tem para se cuidar são para poucos é aquela velha história o capitalismo abre muitas portas - possibilidade de cura, mobilidade, comunicação - mas não distribui chaves com muita generosidade. O melhor ainda é para poucos e saber disso doí.

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