quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Da dor à ternura

 


Saber da importância dos livros, dos benefícios da leitura, a gente sabe, e é incrível quando nos deparamos com esses efeitos positivos de uma maneira tão concreta, tão real na vida das pessoas.
O livro Afetos Colaterais me trouxe isso com tanta ternura que não poderia deixar de trazer essa partilha aqui para o blog!

Bettina Bopp, a autora do livro, narra o tempo final vivido com sua mãe. Uma mãe que encontrou em seu caminho uma doença neurodegenerativa que afetou a sua memória ( não era Alzheimer e sim um dos efeitos do Parkinson ).

" Não era a mãe que eu conheci, mas também não era a mãe que me afastou. Era uma terceira mãe. Mãe-poeta. E eu gostei. "

Assim que a mãe de Betina começou a mostrar os primeiros sinais de uma memória confusa, a reação da filha, de quem ama e quer o melhor, foi corrigir, trazer a pessoa para a realidade. Difícil ver quem você ama nessa névoa que vai se tornando uma constante, um novo jeito de viver.

Não demorou muito para que a filha deixasse de tentar "consertar" aquela memória enevoada e passasse a ver poesia nas frases um tanto desconexas da mãe.

Bettina escreveu assim:

" Minha mãe parecia ter uma lente de aumento para as sutilezas diárias da vida.
Não parecia delírio, alucinação ou doença.
Não era demência. Era poesia.
Era tão, tão bonito. Talvez porque eu fosse sua filha. Talvez porque assim ela voltava a ser minha mãe. "

Em algum momento, a filha se deu conta da semelhança das frases da mãe com a poesia de Manoel de Barros e passou a anotá-las, o que posteriormente deu surgimento a esse livro.

" - Por que você está se benzendo mãe?
  - Olha quanta  Nossa Senhora aqui na praia! Que lindas! Por que será que elas estão na areia? "


A fala se deu quando a mãe viu vários guarda-sóis brancos enfileirados.

Acredito que só foi possível para a autora enxergar poesia em sua mãe porque a poesia estava nela. Ela havia feito leituras, os livros de poesia ajudaram-na a enxergar poesia nos dias difíceis com sua mãe. Mesmo sendo uma situação triste, ao anotar e escrever crônicas sobre as falas cheias de delírio da mãe, um pouco de leveza surgia como uma brisa suave.


Para mim esse foi um exemplo muito concreto de que a dor e o sofrimento podem ser atravessados com a seiva que extraímos de nossas leituras.

Trazer um olhar poético para os períodos em que a vida se faz tão áspera, chega mesmo a ser uma virtude.

Eu "encontrei" a Bettina ao ouvir um podcast onde ela fala de como enfrentou os 15 anos de coma de seu irmão e escreveu um livro para ele - Para quando você acordar: Crônicas de saudade e espera - e nesse mesmo tempo difícil o adoecimento de sua mãe. Uma bonita lição vinda de livros e pessoas.



14 comentários:

  1. Que linda partilha,Ana Paula! Não é nada fácil ver quem amamos ir saindo de cena., saindo da realidade assim...E só tendo muita poesia dentro dela pra ver poesia nessa fase...Afff...Que triste! beijos, tudo de bom,chica

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  2. Bom dia de Paz, querida amiga Ana Paula!
    Não comentei antes porque quis ouvir o podcast primeiro.
    Comecei a escrever Ininterruptamente após a partida do meu pai amado.
    Sei bem dos afetos colaterais de que fala o livro em questão...
    Aliás, nunca escrevi poemas tão profundos como após o luto do meu coração na pandemia. Foram ditados pela minha experiência mais nova da dor da ausência.
    É dura a dor e, não fosse a escrita, não sei o tudo de colateral que poderia estar sentindo... e vivendo.
    A dor escreve por nós...
    Obrigada por compartilhar.
    Tenha dias abençoados!
    Beijinhos com carinho

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  3. Uma maravilhosa leitura que nesta sinopse aguça o desejo de ler este drama da finitude humana.
    Belíssima partilha Ana.
    Gratidão.
    Abraços e feliz fim de semana abençoado

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  4. Oi, Ana.
    Obrigada por compartilhar essa dica afetuosa de leitura.
    Triste a realidade dessa família. Fico triste e reflexiva quando conheço novas realidades de vida como esta. Fico triste que o mundo seja assim e siga sendo dessa forma,com a história sempre sendo repetida em outras famílias. Admirável a ideia da autora do livro em questão.
    Bom fim de semana e boas leituras! 💐🎈

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  5. Oi Ana Paula
    Quanto tempo! Tinha dado um tempo da blogosfera mas voltei!
    Voltei com um blog novinho, embora seja o mesmo nome.
    Resolvi começar tudo de novo agora em 2024 por vários motivos.
    Um deles foi sentir falta de textos tão maravilhosos como esse que você escreveu.
    Que texto lindo!
    Amei a poesia que vinha de sua mãe enferma. A filha com certeza tem muita sensibilidade
    para enxergar a poesia em meio ao sofrimento da mãe.
    Amei, deve ser um livro maravilhoso.
    Obrigada pela partilha.
    Abraços Larissa, lindo FDS!

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  6. Oi, Ana Paula, que texto comovente, li, reli para absorver o sentimento
    tão forte e tão maravilhoso da filha...e recordei o que pra mim foi difícil há anos...
    Não é nada fácil ver nossos pais se apagando aos pouquinhos, como uma vela numa
    noite escura... Que dor!
    Te aplaudo, amiga, e sei que vou dormir pensando...
    Saio com olhos de quem sufocou algumas lágrimas.
    Um beijinho, um bom domingo. 🌹🙏

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  7. Olá, Ana Paula
    Que emocionante postagem!
    É muito triste quando a velhice chega e afeta a memória de quem tanto amamos.
    Obrigada por compartilhar tão preciosa dica de leitura.
    E obrigada por participar da história lá no blog.
    Está ficando muito linda graças à colaboração de vocês.
    Um beijinho carinhoso
    Verena.

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  8. Verdade,Ana como os livros das vivências nos comove e ensina que
    é possível diminuir a dor de uma doença com compreensão sabedoria e carinho .
    Linda a sensibilidade que passa essa filha e seu texto bem descrito ,também nos comove.
    Um abraço grande, Ana

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  9. Que belo livro deve se. A poética é uma âncora para nossa vida, ter olhos para ver e sensibilidades que transformam. Grata pela partilha. Bom dia.

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  10. Muito interessante a abordagem que a autora do livro fez com os "delírios" da sua mãe. Eu passei por isso, minha mãe faleceu devido ao Alzaihemer. Eu não consegui ver poesia nos seus estágios finais. Era dor, muita dor de ver sua mãe indo embora assim. Talvez um pouco de conforto por ela nem ao menos saber que estava partindo. Nos estágios iniciais e médios, ainda havia algum divertimento. Ela sempre foi muito risonha, gargalhada fácil, e muitas vezes, depois de dizer uma frase sem nenhum sentido, ela caia na gargalhada que nos contaminava também.

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  11. Uma bela dica de leitura, comovente mesmo.
    A dor e a poesia juntas, acho que as lágrimas não iriam parar de cair.
    Beijos nas bochechas! :)

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  12. Olá, Ana! Que interesse o que nos conta esse livro. Gostei demais dos trechos compartilhados parece ser daquelas obras que nos colocam para pensar! A poesia nos rodeia basta estarmos abertos para enxergá-la, não é mesmo!?

    Um grande abraço pra ti,
    Saudades!

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  13. Um feliz domingo, amiga!
    Semana de muita paz.
    Beijinho.

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  14. Que livro tocante, quanta ternura. Os livros tem essa magia de nos da muitas e muitas vezes um olhar mais terno para experiências que são muito difíceis de viver. Me senti tocada! Que linda a forma como ela conseguiu ressignificar essa vivência e salvar a ternura da relação com a mãe.

    E sim, meu pai escuta radio com o dia inteiro, quando morava com ele isso me irritava as vezes um pouco e as vezes um muito, mas agora que moro sozinha sinto falta do barulho e me pego ouvindo podcasts com uma constância absurda. Peguei essa dica e vou ouvir lindamente.

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