Foi numa conversa com meu marido, enquanto tomávamos uma xícara de café, porque para um mineiro, o calor que tem feito, não é impeditivo para um bom café. E deixemos de lado a questão do preço para não amargar inclusive a escrita!
"Você se lembra da primeira vez que viu o mar, o que você sentiu? " - assim iniciou a prosa.
Puxei pela memória e me transportei para aquele dia. A chegada ao litoral foi com chuva, o mar estava cinza, a impaciência de criança por ter que esperar o outro dia para poder colocar os pés na areia, na água, nas ondas.
Teve até simpatia naquela noite para parar de chover! E depois foi muita alegria, aquele desejo de ficar ali o tempo todo!
Eu já " conhecia" o mar pela televisão e talvez alguma figura em livro, fotografia em revista. Comprovei o que conhecia de maneira distante.
Marido foi só com o imaginário. Carregava apenas o que tinha ouvido de quem já tinha colocado os pés na areia da praia.
O transporte foi feito numa kombi.
"Você lembra das kombis? Naquele tempo podia estacionar na praia mesmo, na areia, e meu coração estava maior que toda aquele kombi cheia da parentada!"
Café, lembranças, risos e assim ele recordou a ida de seu pai, Antônio, bem moço vivendo lá na roça rodeada pelas montanhas mineiras, na sua ida ao litoral.
Um acontecimento para aquele homem nascido em 1925 viajar tão distante para ver o mar. Acontecimento da grandeza de uma festa.
E assim foi Antônio encontrar o oceano ali nos tornozelos de calças dobradas um pouco abaixo dos joelhos, os pés ressabiados diante da imensidão azul.
Já quase em tempo de retornar, pegou uma garrafa e a encheu com a onda mansa que se desmanchava.
No retorno da viagem, a casa se enchia de visitantes ávidos por informações detalhadas. Afinal, naquela porção do século passado, rodeado pelas montanhas mineiras em seu pedaço de terra que dava abóbora, couve, milho, a dificuldade, a distância de uma viagem dessas para chegar ao mar, era imensa.
E igualmente distante as fotografias, as imagens de uma praia. Uma boa conversa, um causo bem contado, era o que se tinha.
Gente chegava, um bolo de milho era servido e a prosa girava em torno de: "é mesmo grande assim como falam Antônio? E é azul como dizem?"
A inquietação maior se dava mesmo com a grande dúvida: "é mesmo verdade que aquele mundão de água é tudo salgado?"
Ah... a garrafinha!
Arrancou suspiros, exclamações e reflexões aquela tal garrafinha.
Diante das perguntas cheias de curiosidade, Antônio pegava a garrafa, despejava, melhor dizendo, gotejava cuidadosamente o líquido esclarecedor das dúvidas na mão do incrédulo e dizia - prova, põe assim a língua.
Não bastava que um membro da família provasse e atestasse a qualidade salgada da água do mar. Todos queriam viver em suas línguas aquela experiência.
Passados muitos dias, deu-se as condições de Antônio ir visitar sua irmã querida, Tunica, assim chamada em bom mineirês!
Sua irmã não pudera ir para a grande viagem com eles, o irmão compadecido, fez-lhe uma promessa:
" Olha Tunica eu vou trazer um pouquinho de água do mar para você ver mesmo se é salgada".
Mas, o pior já tinha acontecido... Era visita atrás de visita, parente próximo e distante, conhecido e conhecido que nem se sabia quem era - todos ganhando uma lambida na mão com a água do mar. E num é que a água acabou? E bem na vez da Tunica saber do mar, a garrafinha estava vazia.
Antônio não teve dúvida:
Pegou um copo na cozinha, encheu-o de água, colocou sal, mexeu e mandou tudo para dentro da garrafinha.
Rumou para a casa da irmã e foi recebido com a pergunta:
" É mesmo salgado o mar, Antônio? ".
"Tunica faz assim com a mão, agora põe a língua".
Rimos um bocado dessa garrafinha!
E você, tem lembrança da primeira vez que viu o mar?!