segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Um presente, uma celebração

Nas proximidades do Natal, chegou-me um pequeno texto que me fez brilhar os olhos.
Pensei em transcrevê-lo naquelas semanas de compras, correrias, para refletirmos sobre o significado de um presente.
Desisti.
Eu não estaria sendo verdadeira, uma vez que não faria nada daquilo que teria escrito.
Entrei no meio da correria, da confusão das ruas e lojas, do consumismo.
Presentear é algo que eu desejo realmente melhorar.
Não quero presentear a partir de listas, ou como tenho feito aqui em casa, a partir de necessidades - um tênis de presente porque assim já fica para a escola...
Quero presentear como o texto que me chegou.
Quero presentear como o presente que me chegou e já já conto sobre ele!

[...] Os americanos construíram uma base no próprio polo Sul. Cientistas e equipes de manutenção moram ali por meses a fio, completamente isolados do mundo. Houve um ano em que noventa e nove pessoas comemoraram o Natal na base. Uma delas tinha levado noventa e nove pedras e as distribuiu como presentes de Natal, guardando uma para si. Ninguém  via uma pedra havia meses. Alguns não as viam fazia mais de ano. Nada além de neve, gelo e objetos criados pelo homem. Todos ficaram parados, sentindo a pedra entre os dedos. Segurando-a na mão, sentindo o peso, sem dizer nada. *

E foi de maneira surpreendente que chegou um recado avisando-me que, ela, uma blogueira querida havia se deparado com algo que tinha tudo a ver comigo, era a minha cara. Não hesitou em comprar e me presentear, assim sem motivo, sem datas especiais.

O carteiro seria o responsável por trazer-me a preciosidade!




Ah! Que especial foi abrir aquele pacote!
Fui presenteada com significado! E amei cada detalhe, do recado, a espera do correio, a vontade de abrir tudo rasgando pacote feito criança, mas queria fotografar para dividir a alegria aqui!

Então com essa alegria quero celebrar com vocês o sétimo ano do blog.
Nestes sete anos tanta coisa se transformou. Aqui já foi uma varanda, uma sala cheia de visitas no meio da tarde, e eu oferecendo café, chá e suco. Correndo nas vizinhas também para um dedo de prosa, ou uma escuta demorada.
Seguidores, comentários, blogagens coletivas, polêmicas, incômodos, alegrias maiores que tudo.
Desanimei, parei um tempo por motivos além de minha vontade, percebi que parando, a gente vai perdendo a mão.
Já fiz críticas aos que trocaram essa agradável praça por outras. Hoje compreendo, e hoje também vejo o quanto gosto desse ambiente, desse formato, dessas pessoas que aqui perseveram.
Os anos nem importam mais. Importa a continuidade ( mesmo que minha frequencia aqui seja descompassada! )

Quando comecei com o blog, sentia realmente que aqui era um espaço virtual, apenas isso.
A convivência foi me enriquecendo. Aprendi a aplaudir ideias de afinidade, a respeitar e refletir nas ideias divergentes. Fui aos poucos percebendo o jeitinho de cada um e o que era virtual, expandiu-se para um calor, uma vontade de abraçar!

E as costuras que nos unem de um blog a outro são incríveis!
Meu presente foi feito à mão por um outro blog que eu adoro estar!
Nunca imaginei que o mundo é pequeno aqui entre os blogs também, e hora dessas a gente se esbarra e se abraça e celebra a alegria que os blogs nos proporcionam!


Leitores queridos, é muito bom essa partilha por aqui!

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

As surpresas da vida


Escrevi a uma amiga, uma breve carta por esses dias onde eu desnudava a minha incapacidade de compreender a imensidão do que é ser avó, avô.
Tenho teorias, livros lidos, programas, filmes, tudo muito discursivo, mas o sentimento me é distante.
Meu velho pai, como encontrava energia, disposição para cuidar-me?
Queria ouvir a resposta pelas palavras dele. De certa forma também sei que a resposta se resumiria em uma palavra - amor.
Penso que meu pai adotando-me em avançada idade para aquela época, era um  pai-avô. Possuía algo que costuma ser típico dos avós, muita paciência!
Levava-me a passear todos os domingos. Tenho muitas fotos, algumas lembranças dos parque aonde íamos.
Esse da foto é o Parque da Água Branca em São Paulo.

Eu não sei muitas coisas sobre meu pai. E ele nunca soube de algo sobre mim.
Eu tinha cinco anos de idade e lembro-me bem pois foi exatamente nessa época que um revés financeiro, levou-nos a morar na casa de meus avós paternos.
Talvez o semblante de meu pai deva ter se entristecido tanto, perdido brilho ou algo que eu nem mesmo soube, mas eu olhava para meu pai e pensava com desespero em sua morte.
Minha mãe colocava-me na cama e logo depois papai aparecia no quarto para dar-me um beijo.
Eu esperava ansiosa por esse momento e assim que ele saía e encostava a porta, eu me punha silenciosamente a chorar deixando-me ser tomada por esses pensamentos de que logo ele não estaria mais comigo.

Nunca perceberam meu choro. De alguma forma eu sentia que não devia contar-lhes essa angústia e ela ficou comigo por vários anos.

Passou, depois vieram-me as orações em meu auxílio e por fim o maior de todos os ensinamentos trazido pelas mãos de ninguém menos que, a própria vida.

Enquanto eu tinha um medo avassalador da morte aproximar-se de meu pai, ela, a morte, chegou sorrateira e tomou as mãos de minha mãe. Minha jovem mãe que era 27 anos mais nova do que ele.

Foi uma das lições mais duras que recebi em tenra idade. Não há controle. A vida surpreende com seus mistérios.

Tristeza? Não só.
Teve muita música! E daquelas de arrastar sandálias!


Era sanfoneiro e dos bons meu querido papai José Augusto!






segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O velho pai

Já deve estar fazendo uns dois anos que li uma crônica em que o autor descrevia sua felicidade por ter adotado, aos 80 anos, uma linda bebê.
Interrompi a leitura ali mesmo no primeiro parágrafo para mentalmente bradar que ele era insano, que adotar uma filha bebê aos oitenta anos era absolutamente um ato de loucura.
Até que algo dentro de mim gritou também - ei, ei...

Quando eu cheguei na vida de meu pai, também adotada, ele tinha 56 anos.

As estatísticas de expectativa de vida medidas pelo IBGE começam na década de 40 marcando uma média de vida de 45,5 anos.
Pesquisas indicaram que os nascidos em 1900 viviam em média 33 anos.
Sendo assim, para papai José Augusto nascido em 1915,  literalmente já estava vivendo em bônus, de lambuja, no tempo extra como se diria na gíria. Tão louco, tão insano quanto o cara da crônica.

Ambos, papai e o cronista, e tantos outros, deixaram as estatísticas de lado para se basearem em uma única fórmula, o amor.

Lendo o que escrevi, pode até parecer poético e com rara beleza. Eu levei tempo para abraçar essa beleza. Na infância porém, não era nada disso que eu enxergava.

Hoje, a adoção é tão linda, tão transparente, mas naquela época em que eu fui adotada, tudo se resumia em ter sete chaves e trancar e esconder esse fato a todo e qualquer custo.

E claro que não funcionou. Cresci com o sentimento de que havia algo de errado que me escondiam, afinal, puxe pela memória ou olhe as estatísticas - as pessoas casavam-se jovens e tinham filhos ainda jovens, por volta dos vinte e poucos anos.

Ter um pai de 62 anos quando eu entrei no primário, era praticamente uma aberração.

"É sua netinha?" - foi a pergunta que mais ouvi na infância. Depois vieram os comentários maldosos, no sentido de não enxergarem que poderiam estar me causando um sofrimento. Colegas de escola me falavam que eu estava sendo enganada que ele deveria ser meu avô e não meu pai, ou mesmo que meu pai deveria ser outro. Então concluí que eu era filha de mãe solteira, um estigma para a época, e que aquele bondoso e velho homem me assumira como filha. Todas essas elucubrações eram feitas silenciosas e envoltas em lágrimas, mantidas também com sete chaves para que meus pais não soubessem de meu sofrimento.

Claro que todo esse sofrimento foi dissolvido. Gosto dessa qualidade da memória de poder se moldar, acrescentar, decantar os fatos.
Fosse a Ana Paula criança a escrever, leríamos coisas difíceis.
Chuva, sol, invernos, natais, calendários depois a gente tem a dádiva de enxergar além, muito além das limitações da época.

Ninguém ousava dizer a uma criança que ela era adotada. Filhos adotados eram revoltados. Esse era o adjetivo imperativo daquela época.

Também senti vergonha de meu pai. Enquanto via a aparência jovem dos pais de meus colegas nas comemorações do colégio, cheguei a sentir vergonha da aparência velha de papai e sim, me envergonho é dessa atitude que tive.

Papai José Augusto me cuidou com esmero, possibilitou minha vida. Um bebê jogado, sozinho sem cuidados vive apenas alguns dias. Fui cercada de mimos! 
E cercada de histórias também, porque afinal ele tinha seis décadas de histórias quando pude compreendê-las e isso foi maravilhoso!




segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Centenário de papai


Essa homenagem, para que fosse exata, deveria ter sido feita há três anos.
Troquei a exatidão pela vontade e fala do coração e assim, só agora é que rendo homenagens à meu querido pai, celebrando aqui o centenário de seu nascimento.

Comemoramos juntos essa data muitas vezes, não com bolo, mas com manjar de coco com calda de ameixa, seu doce predileto.


Esse é o José Augusto jovem, que eu não conheci.


Aqui, o meu papai Zezinho. Quando ele tirou essa fotografia, eu tinha oito meses de vida. Demorei a apreciar sua aparência que o fazia parecer com poetas famosos!

Eu tenho tanto a escrever sobre ele... Espero que consiga deixar registrado aqui neste diário virtual um pouco desse homem que tornou minha vida possível.
Não seguirei nenhuma ordem cronológica. Acho que o próprio ato de escrever faz aflorar memórias. Algumas tenho clareza, outras irão mesmo me surpreender.

Então fica o convite para conhecer um pouquinho da minha historia entremeada à de papai!





sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Hastes flexíveis

Disseram que esta imagem correu a internet.
Resolvi então correr atrás dela.
E não foi necessário nenhum esforço.
Digitei a palavra cavalo marinho no buscador, e enquanto titubeava entre colocar a palavra-chave "haste flexível ou cotonete", já estava lá: cavalo marinho cotonete.
Executei o movimento de dois ou três clics e  a imagem que rendeu prêmio ao fotógrafo, surgiu.



Fonte e matéria completa aqui

Enquanto eu lia a matéria que falava em enxurrada de lixo, também uma enxurrada de imagens, reflexões, questões, lembranças me assolavam. Toneladas de lixo na praia de Copacabana, lixo na virada do ano da Paulista, japoneses que recolheram todos os seus resíduos num estádio de futebol, o professor rígido de Língua Portuguesa nos repreendendo por falarmos cotonete, dona Beatriz...
A campainha, as visitas, as novidades, o convite de casamento... me fizeram esquecer.

Na parede da cozinha, o espaço vazio deixado pelo calendário, hoje ultrapassado. Nenhum outro a substituí-lo. Lembrei-me que uma rede de drogarias estava vendendo uma revista solidária com um calendário.
Quando no calendário haviam os números 1976, eu tinha medo, no nível pavor, do cheiro de uma farmácia. A sala da  injeção, o choro, o segurar apertado da mãe.
Em 2018 não identifico o cheiro de uma farmácia. É uma mistura de esmaltes, protetor solar, fraldas de recém-nascidos, adultos, velhos, cremes dentais, geladeiras com água, energéticos, isotônicos, desodorantes, shampoo, chocolate com colágeno. Ah, já ia me esquecendo, remédios.
Em meio de todos esses odores que se misturam, se anulam, se sobrepõem, sou informada que o tal calendário da revista está esgotado.
Dou uma "volta" pelos corredores só para não perder a viagem.
Numa esquina de gôndolas, a novidade: hastes flexíveis ecológicas. Pego uma das caixinha, ergo-a até a altura dos olhos para ler as letras miúdas que explicam que são feitas com papel reciclável e o mais puro algodão. Destacam ainda - sem descarte de plástico na natureza.

Mais uns anos no calendário e essa foto não faria mais sucesso na internet, não renderia prêmio a um fotógrafo.
Volto para casa sem calendário. Volto para casa com a sensação de ouvidos tão limpos que sou capaz de ouvir dona Beatriz...

"Conheça a triste história da foto do cavalo-marinho com cotonete"- esse é título da matéria que cita o premiado fotógrafo.

Conheça a triste história de dona Beatriz e os cotonetes caídos no chão - vou contá-la.

Dona Beatriz estava no calendário de 1978. Era avó de minha amiga. Brincávamos todo final de tarde no quintal da casa da avó alta e altiva, que eu tanto admirava.
A brincadeira parava somente naqueles instantes que entrávamos na casa para beber água.
Numa dessas vezes eu estava com as mãos tão sujas que achei melhor lavá-las. Da casa de dona Beatriz só conhecia a cozinha, mas não fora difícil encontrar o banheiro do pequeno lar.

Dona Beatriz estava lá dentro e com um sorriso abrandou minha timidez deixando-me confortável para entrar.
Fiquei sozinha ali admirando uma cena que nunca antes eu tinha encontrado e fiquei até um tanto confusa.
Num rústico banquinho retangular de madeira, estava disposto um frasco com líquido cor de rosa ( minha mãe tinha igual, era para dor nas pernas ) uma toalha dobrada de maneira bonita, e uma fileira bem simétrica com várias hastes flexíveis de cabo azul.

Passado algum tempo, ouvi adultos conversando:

"Coitada da dona Beatriz, tava no banheiro, ia começar a ajeitar os cotonetes um do ladinho do outro, como ela fazia todo finalzinho de tarde para esperar o seu Euclides. Pedreiro, né coitado, trabalho duro. Ela deixava tudo ali no banheiro prontinho pra ele e gostava do gesto excêntrico do marido. Lembra que ela falava? É pedreiro mas tem um luxo com os pés! Só enxuga o meio dos dedos com cotonete e ria muito. Coitada. Recebeu a notícia que o marido estava caído lá no portão da casa. Só se ouviu os gritos dela, os cotonetes caíram da mão, ficou tudo espalhado lá no banheiro".

Bom, com calendário na parede ou no celular, com cotonete ou haste flexível, de plástico ou ecológica, eu queria mesmo voltar com uma história bem alegre. Não encontrei. Achei melhor voltar com cotonetes mesmo. Vou apurar bem os ouvidos e não deixar o calendário correr tanto para estar novamente aqui.
Seguimos juntos neste 2018!