domingo, 24 de novembro de 2019

Despedidas

Venho me despedindo aos poucos. Vamos nos mudar de cidade no início de dezembro.
Quando minha filha ouviu minha conversa de elevador falando da mudança, assim que ficou sozinha comigo, mostrou sua indignação:

"Mãe, que mico! Pra quê você está falando para essas pessoas que a gente vai se mudar? Ai que vergonha..."

É bem verdade que não fazer diferença na vida dessas pessoas. Sabendo ou não sabendo, tudo seguirá.

Ao longo dos cinco anos em que morei neste prédio, fui dando falta de pessoas, fui percebendo que aquelas conversar de elevador, o bom dia, o se vai chover hoje, que frio hein, vai gerando um carinho, uma preocupação, um querer bem. E isso me moveu a fazer as despedidas.

Comecei a dois meses atrás. Falava que logo não nos veríamos mais por conta da mudança e eu queria agradecer todos os sorrisos e bons dias que recebemos!

E foi incrível as expressões de surpresa e carinho que recebemos!

Minha filha, que inicialmente tinha achado tudo um mico, chegou um dia em casa maravilhada!

"Mãe, me pararam na rua para falar que vão sentir muito a minha falta e desejar que eu seja muito feliz na nova vida!"

Despedi-me de pessoas que encontrava na rua enquanto eu passeava com o cachorro e elas estavam a varrer suas calçadas. Foi gostoso, foi divertido!

Lembrei-me também de um livro sobre a vida dos feirantes de São Paulo e alguns relatos da preocupação e até mesmo tristeza deles em ter um freguês "sumido".

"Toda semana ele estava aqui, gostava de vir nas primeiras horas da manhã, dizia que as frutas não estavam apertadas e de repente sumiu. A gente fica pensando né, no que aconteceu e torce para um dia voltar".

As pessoas começaram a me dar papeizinhos com seus telefones - olha tá aqui, se você precisar de alguma coisa para o teu filho, eu tô à disposição.

Nosso filho ficará na cidade, ele mora no campus da faculdade e eu realmente posso ir tranquila! Vários guardiões estão à disposição!

No mercado encontrei uma senhora, a quem sempre cumprimento e elogio a bonita casa em forma de chalé de madeira com o jardim bem cuidado. Sempre paro para um dedo de prosa no portão dela.
Quando soube, foi logo tirando da bolsa um pedaço de papel e caneta, me deu seu telefone e a recomendação: " Olha, eu sei que seu filho que vai ficar aqui, então quando você vier visitá-lo, nada de ficar em hotel, eu moro sozinha aqui, tem quarto sobrando, você é minha convidada!"

É uma surpresa atrás da outra!

Júlio, um morador idoso, é encantado pela minha Júlia. Chorou no elevador ao saber e disse que não segue religião, mas queria oferecer-nos um verso da bíblia e o recitou com a voz embargada. Foi lindo!

A gente acha que as conversar de elevador são apenas superficiais, mas talvez exista algo a mais ali...

Na despedida mais recente, uma mãe nos contou orgulhosa "ah com os filhos é assim mesmo, eles vão encontrando o caminho deles. Olha a minha: termina agora a faculdade, vai fazer mestrado em gestão de escola pública e depois quer ir para a Finlândia estudar lá e trazer melhoras para o ensino público do Brasil".

Ah! Que magnífico isto! Uma jovem que que mudar, melhorar as nossas escolas públicas! Tudo isso só pude saber pela nossa singela despedida!

E agora eu me despeço de vocês, mas é só um pouquinho!
Só o tempo de eu encaixotar as coisas, desencaixotar, contratar outro serviço de internet.

Como não sei quanto tempo isso vai levar, quero deixar meu abraço apertado, não de despedida aqui, só de umas férias! Se eu não voltar a tempo do Natal, celebrem o encontro de pessoas, sem se importar em quem elas e nós, votamos. Celebrem o amor, o melhor que temos a oferecer!

Peço paciência e desculpas a todos os blogs que ainda não visitei. Amanhã encerraremos o serviço de internet daqui, então escrevo às pressas, com erros certamente, mas com o coração feliz em ter-vos como companhia em mais esse ano aqui neste blog.

Fiquem em paz e até bem breve eu espero!

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Podosfera

Uma das coisas que eu mais gostava de quando eu frequentava a escola primária, eram os livros de Língua Portuguesa. O capítulo era aberto com um texto, seguia-se questões de interpretação deste texto e depois a parte referente à gramática.
Ficava logo abaixo do texto o que eu mais apreciava: vocabulário.
Algumas palavras, diferentes, novas, complexas, eram destacadas abaixo do texto com o seu significado.
Ah! Como eu gostava daquilo! Aquela explicação que clareava, que fazia tudo ganhar sentido.

Os anos iam passando, os livros mudavam de editora, de coleções e o "vocabulário" seguia ganhando outras versões - para entender o texto ou glossário, ou mesmo, vamos aprender mais?

Deixado o banco de escola há muito tempo, sinto falta desse glossário, desse vocabulário explicativo na vida, que os dicionários não dão conta.

Podosfera é uma dessas palavras. Deparei-me com ela e pensei em algo mais elaborado para podólogo. Logo percebi que não tinha ligação nenhuma com pés...

Recente podosfera. Assim dizia o texto que eu estava lendo e só aos poucos fui me dando conta.

E a memória foi me trazendo vovô com seu rádio de pilhas grandes e amarelas. Um retângulo envolvido por uma capa de couro ( bem ensebada! ) que se acomodava tanto num criado-mudo como ao pé do ouvido. Todas as tardes, religiosamente um minuto antes das seis horas, eu ficava ao lado dele, de vovó e um copo com água próximo ao rádio. Hora da Ave-Maria. Uma oração, um gole de água e eu já voltava para as brincadeiras.

Eu, adolescente, já com rádio movido à energia, não perdia o programa de músicas francesas de Monsieur Gilbert, Chandon D'Amour e também o romântico Sérgio Boca com seu "Na boca da noite".

Então chega a recente podosfera. O novo rádio, o formato inovador. De músicas a bate-papos dos mais variados assuntos. Ouve-se a hora que quer, onde quiser.

Os responsáveis por esta nova mania são os podcasters que já têm até sigla: Abpod - associação brasileira de podcasters.

Eu demorei para saber o que era isto, demorei para ouvir um podcast, mas não é que fui fisgada?!

Já ouvi podcast falando de emoções, de política, de luto, de livros e estou gostando desta tal podosfera.

Agora quero saber de você. Você embarcou na podosfera? Gosta? 
Tem algum podcast para nos sugerir?
Já é um produtor de podcast ou pensa em ser?

E rádio, você ouve? Músicas, programas?
Ah conta tudo que estou curiosa!

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Páginas e lágrimas

Eu me emociono ao ler livros, adentrar a vida, a história das personagens. Chorar é raro.
Aconteceu com livros que li sobre os campos de concentração, um choro de apertar mesmo o peito.

Mas eu quero falar de um livro que finalizei a leitura recentemente. Chorei em cada página. Chorei o livro todo.
Um choro de alegria, de encher o peito de um calor confortante!

Quero mostrar-lhes a foto que está lá no finalzinho do livro, na chamada quarta capa:


Dois líderes espirituais.
Dois ganhadores do Nobel da Paz.
Dois amigos. Dois irmãos de tradições diferentes.

Olhar para esta foto já me emociona.
Não é uma foto de dois velhinhos fofos dançando meio desengonçados.

Arcebispo Desmond Tutu e Sua Santidade O Dalai Lama.
Ambos dentro de suas tradições espirituais fazem votos, ou juramentos. Algo de muita seriedade e que deve ser rigorosamente cumprido.

Sua Santidade o Dalai Lama tem o voto de nunca dançar.
E aqui, numa demonstração de pura amizade, amor, ele simplesmente quebra o seu voto e dança para acompanhar o Arcebispo Tutu.

Tutu igualmente quebra um voto sagrado por ele feito. Na tradição cristã, a eucaristia é oferecida para cristãos e ele celebra a eucaristia e a oferece ao Dalai Lama que o tempo todo mantém suas mãos em prece no mais profundo respeito pela religião do amigo.

Esse livro, Contentamento, nasce do desejo de ambos líderes e amigos, de comemorarem seus aniversários juntos num encontro de uma semana e oferecer ao público o presente desse encontro - o próprio livro nascido das longas conversas entre eles. Tudo foi filmado para que posteriormente se transformasse no livro.

As dificuldades foram inúmeras. Primeiramente seria o Dalai Lama a ir para a África do Sul, porém o governo africano foi alertado pelo governo chinês que, caso concedesse o visto de entrada para o Dalai Lama, sofreria sérias retaliações ( esse também é um dos motivos pelo qual o Dalai Lama não se encontra com o Papa ).

Então o Arcebispo teria que ir à residência do Dalai Lama na Índia. 
Ele estava passando por um tratamento de quimioterapia para o câncer de próstata e mesmo assim, ele foi.

O livro descreve com uma delicadeza, uma ternura, cada momento deles, desde a chegada ao aeroporto até a partida.
Frases como " O Dalai Lama segurou a mão do Arcebispo entre as suas" "Tocaram suas testas e assim ficaram demoradamente".


Num determinado momento, eles entram no assunto "morte". E o Arcebispo diz - "Ah mas para você não há problema, você tem a reencarnação."
Ao que o Dalai Lama responde: "E você tem o Reino do Céu, me conte, me ensine, o que é o reino do céu, o que você espera encontrar lá?"

Nenhum dos dois tenta convencer o outro que está errado. Simplesmente há um profundo respeito pela fé e crença do outro.

Não argumentam, não discutem se aquilo existe ou não faz sentido. Apenas se ouvem e mostram interesse cada um pela crença do outro.

Não é preciso concordar para respeitar.

Lindo, lindo, lindo.

Eu fico pensando o quanto poderíamos aprender com eles...
Não conseguimos conversar com quem pensa diferente de nós. Se adentrarmos o campo da política então... resulta em rompimentos de amizades, brigas em família, só discórdias.

Para tantas outras coisas, será que conseguiríamos abrir nosso coração e ouvir sem julgar?

Esse livro me tocou profundamente. É uma escrita leve, as lágrimas são de alegria, o riso vem fácil - 
"Você Dalai Lama tem um inglês tão ruim, mas tão ruim que eu não entendo como pode lotar estádios de gente para te ouvir. Ah! ainda quero ser famoso como você! "