sexta-feira, 27 de março de 2015

Livro revelado

Eu não imaginava que muitos leitores desse blog ficariam curiosos com o livro que estou lendo!
Foram vários comentários expressando a curiosidade e eu havia dito que quando terminasse o livro, postaria.
Resolvi fazê-lo antes de findar a leitura. Eu estou exatamente no meio do livro e realmente não sei, não faço ideia do que ela reserva para o final.
Mas sei que até aqui, até essa metade, eu achei o livro ótimo e mesmo que o final seja ruim ( o que não acredito! ), terá valido a pena.
E por que gostei tanto?
Porque quando assisto à algum noticiário, mesmo documentários, que tem abordado o mesmo tema, as guerras no Oriente Médio, grupos extremistas, bombardeios, jovens que fogem de casa, ataques, armas, enfim... parece que tudo nesses países se resume a isso. Homens armados, mulheres submissas, crianças ensanguentadas.
Esse livro traz a vida, a luz, os sentimentos que pulsam nas pessoas, o medo também. Especialmente nas mulheres. é um livro sobre as mulheres e também como os homens as enxergam.
Vou colocar um trecho que bem resume o espírito do livro.
Então, pegue uma xícara de chá e vem conhecer!

"Minha querida Halajan,

   Amanhã é quinta-feira e você virá ao bazar. Estou sonhando ver seus olhos e rezando para Alá para que você não esteja usando a burca. Eu sei que é mais seguro, mas me deixa muito zangado. É como se os olhos de uma mulher, o rosto de uma mulher fosse maligno. Nós, que temos idade suficiente para termos vivido ao longo de um regime após o outro, sabemos que a burca tem a ver com o medo de um homem, não a malícia de uma mulher.
   Hala, eu gostaria de escrever sobre seus olhos e sobre o que eles fazem comigo, mas hoje estou zangado. Lamento, eu sei que não é da natureza de Islã desperdiçar o tempo com a raiva, mas não posso evitar. Dois soldados de Karzai entraram em minha loja esta manhã. Ambos estavam com rifles, um deles trazia dois casacos militares sobre o braço. "O inverno chegou", disse um deles. Precisamos que esses casacos sejam ajustados para nos servirem, disse o outro, ou vamos congelar. Eles tinham sido usados anteriormente, por soldados mortos em combate. O inverno chegava, os recursos do exército são limitados e os casacos deveriam ser reutilizados. Mas um homem alto substitui um baixo, um forte substitui um magro e reajustá-los para servir seria um trabalho e tanto.
    Dei um café a cada um deles. E foi quando vi que não eram mais que meninos, com talvez quinze, dezesseis anos. E eu achei que suas vidas lhes foram roubadas.
    Eu seu que você sente como eu, no coração. O talibã está regressando em número maior que da última vez, e não há nada que nossos militares possam fazer para impedí-los. Não há nada que os americanos possam fazer. A presença deles aqui só alimenta o fogo da ira do talibã. É como se não fôssemos gente de verdade, com coração, com mente própria. Como se fôssemos animais que precisam de humanos para nos moldar. Por Mohamed, eu sei que se mais de nós tivéssemos alguma educação e soubéssemos ler, nós poderíamos ser uma força poderosa. Poderíamos mandar em nossas próprias vidas.
    Não se preocupe, Hala - eu seu que sou apenas um alfaiate, não um líder. Mas posso sonhar como um!
    Eu temo por você, por nós e pelo nosso amado país. Como você e eu sabemos, a vida pode mudar rapidamente. Tão recentemente, ainda podíamos andar por aí de jeans e tênis. Ainda tenho os meus Nikes, mas agora uso só dentro de casa. Tolice, eu sei. Lá estou eu, de pijama e Nikes. Estou falando demais?
    E estou zangado por não podermos estar juntos, por conta das regras tolas. Minha esposa está morta, seu marido está morto e, no entanto, se o homem errado lesse essa carta, você seria apedrejada até a morte.
    Eu sei o que você me dirá, se um dia me escrever uma carta. Você citaria Rumi, que disse "a paciência é a chave para a alegria". Bem, eu estou farto de Rumi!
    Amanhã, meu amor, tenha uma viagem segura. Um dia, eu irei visitá-la em sua casa de chá. você diz para que eu não vá, por causa de seu filho, mas um dia eu vou desobedecê-la, meu amor, e vou aparecer na sua porta. vou sorrir para seu filho e ele será como um filho para mim.
 Seu,
Rashif


Como está escrito na quarta capa: "um romance soberbo..."

Uma pequena casa de chá em Cabul
Deborah Rodriguez
Editora Quinta Essência ( Leya )

* A dica deste livro veio lá do Templo das Borboletas!

quarta-feira, 25 de março de 2015

Kiwi

Vou falar de kiwi em três versões:
A fruta conheci de um jovem que a comia com colher. Gostei mais da versão fatias.
Da ave, que não sabia existir e achei-a uma espécie de patinho feio.
Ave símbolo da Nova Zelândia, com penas que parecem pelos e apesar de ser ave, não sabe voar.




E kiwi rede social, principal objetivo desta postagem.
Criada a pouco tempo, já virou "modinha" entre os adolescentes.
Seu ícone é inspirado na ave kiwi


É uma rede social de perguntas e respostas, não é algo novo, inovador, mas dessas formas misteriosas, "pegou".
Autorizei meu rebento adolescente a usá-la por um tempo determinado dentro da pedagogia Lampião, que tem sido necessária nesse momento da criação. Ou seja fico de olho e orelha em pé com o tal kiwi.
Confesso que tenho consumido remédios contra enjoos. É enjoativo as perguntas que ocorrem por lá. 
O que poderia ser algo interessante, conhecer o pensamento, as ideias, opiniões, virou sei lá o quê. Lamentável.

Antes que o kiwi dele bata asas e voe para bem longe, eu pedi que colocasse algumas perguntas. Uma delas foi: Você doa seus livros?
Por conta da aproximação do BookCrossing Blogueiro, queria saber a opinião da galera.
Bem, as respostas são um tanto curtas para meu apreço.

Eis algumas:

Acho que não porque os livros que eu li são da versão antiga.

Que livro que eu leio?? Hahaha triste isso.

Alguns sim.

Não.

Nem ferrando, eles são meus preciosos.

Mas é claro.

Depende, tem alguns livros que eu gosto de reler.

Só doo os didáticos.

Ah não eles são meus amorzinhos ( desenho de coração )

E então, gostou do kiwi?




terça-feira, 24 de março de 2015

Vamos libertar um livro?

Estou lendo um livro onde há uma personagem velha e viúva que está apaixonada por um alfaiate velho e viúvo. Eles se amaram na juventude, porém de acordo com as tradições, onde o casamento era arranjado, foram separados e agora puderam se encontrar.
Toda semana eles se encontram e ele lhe entrega uma carta. Ela a esconde sob a roupa e somente em sua casa, escondida de todos, ela pega a carta e se inebria.
Ela não sabe ler.

Eu estou inebriada com esta, que é uma das histórias do livro ( assim que terminar, farei um post sobre ).
Há pessoas que têm dias melhores com livros; são companheiros. Às vezes nos desafiam a pensar fora do nosso habitual, às vezes são ruins que se custa a terminar de ler, podem ensinar, apenas distrair. Ah! Há tanto num livro!

Eu gostaria muito de encontrar um livro solto, perdido só me esperando!
Não posso reclamar porque acabei de ganhar um num sorteio!
Acho uma sensação tão boa ter um livro em mãos que vou participar mais uma vez do BookCrossing Blogueiro que está em sua 10˙Edição.
Acontecerá  de 16 a 23 de abril e vai se espalhar pelos blogues, face, instagram. 
Então contagie-se! Prepare, separe um livro, pense em um lugar para "esquecê-lo"ou melhor para libertá-lo.

A Luma organiza a bagunça literária, disponibilizando todos os links dos participantes e é muito legal ver as várias formas que o pessoal liberta o livro!
Desapega, abra espaço, espalhe leitura por aí!




domingo, 22 de março de 2015

Planeta Água

Hoje, Dia Mundial da Água, mais do que nunca deixa de ser apenas uma data, afinal a crise da água está afetando a todos, é um dia de reflexão, conscientização.

E quero neste dia fazer um convite para a Hora do Planeta.


No próximo sábado às 20h 30min, apague as luzes por uma hora.
É um movimento mundial pela preservação do nosso planeta. Um movimento que conscientiza, produz ideias, atitudes, exige mudanças dos governos.
Use a hashtag  #useseupoder.

Um vídeo curtinho:


sexta-feira, 20 de março de 2015

Embarque imediato

Senhores passageiros, embarque imediato pelo portão dos blogues.
A Chica fez o convite, vamos viajar! Cada blog, uma cidade, um olhar.
Vem!


Ai! Não quer viajar de foguete?
Nem eu!
Então, vamos aqui:


Esta é a minha nova cidade: São José dos Campos que estou conhecendo pouco a pouco. Mudamos para cá no início do ano e estamos adorando.
Como deu para perceber essa cidade adora aviões, foguetes!
Aqui fica o Centro Técnico Aeroespacial, a Embraer, o parque Santos Dumond, onde foram feitas essas fotos.
A cidade é arborizada, tem vários parques. Infelizmente estamos vivendo uma epidemia de dengue e está difícil até passear, tanto são os mosquitos.
Mas entre um repelente e outro, muita brincadeira!


Uma das primeiras coisas que me chamou atenção aqui foram as árvores. Elas têm franja! Parecem enfeitadas.


É lindo o amanhecer aqui. Seja com sol ou com uma bruma que passeia suave antes de ir.



Conheci uma capela que me encantou pela simplicidade.
No lugar do altar, com mesa, há um poço simbólico. 


Há muito ainda a conhecer, a explorar.
Participe também! Mostre um pouquinho da tua cidade!
beijo.







Olhos de amor

"É assim sempre, frio na barriga, respiração intensa e profunda misturada com sentimento de gratidão que invade e toma conta de tudo. Faz tudo valer, tudo ser e crescer! Mesmo nas voltas, nas curvas e nas paradas da vida, momentos em que sentimos o quanto tudo é muito Maior. O caminho é longo mas está quase lá. E hoje é dia de Mambo. E daqui a pouco ele será oficialmente os olhos e amor de um outro alguém! E está tudo certo como tem que ser. Desde que seja Amor simplesmente."                                                                                                                                  Mi.

Como já disse uma blogueira por aqui, não é preciso conhecer para gostar, para sentir afeto, desejar coisas boas, enviar uma prece no silêncio do vento.
Eu não conheço que escreveu a frase acima. Eu não conheço o ser humano que sentiu, viveu e vive todos os sentimentos expressos naquelas palavras. Eu simplesmente tenho apreço, estima por Mi.
Foi na rede social Instagram que me deparei com todo o sentimento expresso nesta frase e a foto de um cão.
Ainda sem saber, mas de alguma forma intuindo, me perguntei - será?

Há uns bons anos, e eu não me lembro nem como, nem onde, veio parar em minhas mãos um folheto solicitando voluntários para cuidarem de um cachorro durante um ano. Devia-se arcar com alimentação e caminhadas. Ao final desse um ano, o cão seria entregue para que fosse treinado para  ser um cão-guia.
Ao ler aquilo eu apenas respondi mentalmente que seria difícil devolver o cachorro. Não pensei, não senti nada além. Aliás eu nem sabia da existência desse projeto. 
Muitos anos depois eu a frase acima me tocou, acionou algo que já tinha passado por mim. 
Criei coragem porque parecia e era meio intromissão, mas eu perguntei e soube que o sentimento expresso acima era de alguém que cuidava de um filhote que seria os olhos de alguém em breve.

Quando se tem olhos, às vezes a gente nem se lembra de quem não os tem.

Eu ainda não estou preparada para esse projeto e acho que posso dizer que por razões de espaço físico. Mas  é algo que encontrou acolhimento dentro de mim. Deixo como uma semente.

E trago um outro projeto que chegou aos olhos pela manhã: Meninas cegas bailarinas.

Outro projeto que nos faz ver o quão lindo e importante é a dedicação de alguém a ensinar essas meninas.
Elas precisam de recursos para dançar na Alemanha e eu vou me abster de escrever sobre todo o dinheiro de corrupção que...

Deixo o link que tem um vídeo de dois minutos. Enche os olhos só de olhar.
Por aqui.

terça-feira, 17 de março de 2015

Para sempre Alice

Deveria ser um atendimento mecanizado: o funcionário diz boa tarde porque assim manda o protocolo, pergunta o filme e pede que você escolha os assentos, teclando na tela a sua frente. Cartão ou dinheiro, débito ou crédito, teria dois reais ( que é para facilitar o troco ), tenha um bom filme ou apenas bom filme. Próximo.
Porém, no sábado, quando fui ao cinema, foi diferente.
A jovem mocinha que nos atendia, preocupou-se e tentou realmente me auxiliar diante da escolha que eu fazia junto aos meus filhos: "Para sempre Alice".
Senhora - ela disse em tom calmo - esse filme não é um conto de fadas, não é algo como Alice no país das maravilhas.
Eu sei, eu sei, respondi também suave com um leve sorriso.
Mas a senhora vai levar as crianças? Normalmente não tem crianças para esse filme e muitas pessoas saem da sala chorando. É um filme triste - ela concluiu.

Eu sei que é um filme triste e as crianças também sabem e elas querem assistir. Sabe, a vida é um conto de fadas com boas doses de realidade, realidade que é feia, dói e que inevitavelmente existe. Obrigada pela sua preocupação! Será um bom filme, eles vão gostar!

Não foi em função do Oscar que escolhi esse filme, foi pelo tema - uma mulher jovem para os padrões da doença de Alzheimer.

Minhas crianças que já não são crianças pequenas, começam a galgar degraus da adolescência desejaram assistir mesmo sabendo o que encontrariam. E claro, encontraram muito mais do que imaginavam.

Em tempos de selfies felizes e sorridentes, imagens lindas, curtidas, gente jovem e descolada aos 80 anos, corpos malhados e moldados com alimentos específicos, uma dose de realidade faz bem.

Conquistamos um aumento na qualidade de vida, na expectativa de vida, mas nem tudo é cor de rosa, como mostra o filme de forma delicada e brilhante.
Meus filhos sabiam o que era a doença na teoria. Não imaginavam que não é "só esquecer".
Para quem conhece a doença de perto, a abordagem no cinema foi fiel. 
E há muitos detalhes que vão do romantismo à razão e que nos rendeu bons diálogos.
Alice, a protagonista, pede ao marido uma no sabático, para que eles saiam pelo mundo, ou apenas fiquem juntos antes do avanço da doença, antes dela perder-se dela mesma e de todos.
Ele não o faz. Parece cruel, insensível. Só que há aspectos práticos como por exemplo e o dinheiro para comprar fraldas adultas descartáveis?

Como já li em um livro, as crianças de hoje nascem achando que têm direito à wi-fi, não imaginam que isso tem um custo.

O sentido de família, do cuidar, do amar e o desejo de que os avanços em pesquisas para esse doença tão cruel prossiga até chegar à cura.

sábado, 14 de março de 2015

Vovó, Rita e eu


Esses dias, eu postei essa foto acima no meu instagram, aliás, aproveito a oportunidade para avisar que estou tendo problemas na minha conta, há pessoas que estão sendo bloqueadas; meu filho instalou algum programa extra e... enfim, estamos trabalhando para melhor atendê-los!
Sobre a foto acima:
No início da semana eu assistia à tv na companhia ( ?! ) de meu filho que estava ao tablet.
Iniciou-se um programa de culinária que eu adoro, o Cozinha Prática com a Rita Lobo. Aliás, gosto do programa por causa da Rita Lobo. Elegante, bonita, agradável, serena.
O programa era sobre arroz e em determinado momento ela fez bolinhos de arroz.
Eu também faço bolinhos de arroz com a receita de minha avó.
Os de Rita são assim achatadinhos; os meus são bojudos.
Após ficarem prontos lá no programa, meu filho suspira e diz: "a gente assisti a esse programa e fica com uma vontade de comer esses bolinhos de arroz".
Nossa! E eu que achei que ele estivesse vendo tablet.
Tão sincera foi a declaração do garoto que resolvi, mesmo sentindo que eu trairia vovó e sua tão ancestral receita, que faria a receita de Rita para meu menino.
Planejei qual seria o melhor dia para cozer os bolinhos. Teria de ser um dia em que eu pudesse me sentir fina e elegante como Rita, ou seja, não poderia ser um dia em que eu lavasse roupa, passasse pano no chão, limpasse vidros e ainda cozinhasse.
Não. Deveria ser um momento de atmosfera serena.
Acordei e senti que aquele seria o dia.
Antes mesmo de sair da cama, visualizei-me sem avental, preparando os bolinhos e depois sentada no sofá, com as pernas cruzadas, folheando uma revista esperando os filhos chegarem da escola.
Tudo daria certo. Já tinha dado, é assim que se pensa.

Ingredientes. Chequei a receita pelo computador e como sabia de antemão, falta-me amido de milho.
Na verdade, queijo parmesão também. Eu o tinha em saquinho, mas Rita recomendou um bom queijo a ser ralado na hora. Bem, dependeria do preço.
Amido de milho e talvez, parmesão.
Fui ao mercado que tem como slogan, "lugar de gente feliz".
Poxa! Eu estava no lugar certo! Sentia-me muito feliz naquela manhã!
E o parmesão ainda estava em promoção.
Ah! Deveria ter tirado uma foto do parmesão; era bonito. Tinha um invólucro preto que dava um contraste com a cor de queijo parmesão. Usei metade e aoutra metade comi com goiabada.
Sei, sei que Rita nunca faria isso. Parmesão com goiabada, nunca.
Foi um deslize, que cometeria novamente.
Ainda no mercado, após pegar o amido de milho de outra marca, mas da mesma cor, amarelo, na caixinha, fui até os ovos.
Uma moça linda pegava uma caixa de ovos korin. Simplesmente pegou e com leveza colocou em seu carrinho.
Pensei em fazer o mesmo e colocar no meu cestinho os ovos korin, mas aí escutei uma voz interior: lembra que tem que comprar uma chuteira pro filho, as havaianas da menina não servem mais e lembra que o cachorro pediu uma ração nova com blueberrys? Ovos korin são muito caros.
Então lembrei que eu tinha ovos em casa. Comprei no dia anterior uma caixinha com 6.
E também lembrei de uma frase da Tati Bernardi que anotei e interrompi minha escrita aqui para procurá-la e já que achei, mesmo não se enquadrando exatamente aqui, porque não se trata de ovos, mas sim de frango, só que frango e ovo tem um parentesco, aí vai a frase de Tati Bernardi:

"Já percebeu que a pessoa que come lasanha de abobrinha se acha melhor que as outras? Tem o médico sem fronteira e tem a pessoa que come quinoa real com filetes de frango korin, pau a pau ali na generosidade para com as mazelas humanas alheias" - Tati Bernardi

O fato é que eu não precisava de ovos. Paguei meus dois itens e fui para casa. É preciso ressaltar que o lugar de gente feliz é o mercado mais próximo da minha casa, porém fica a vinte minutos de meus passos só na ida.

Iniciei o preparo da receita de Rita. Tive que ir tantas vezes da cozinha para a sala para ver no computador o modo de fazer que tive vontade de ter aquela geladeira com computador na porta.
Mantive-me sem o avental o tempo todo, feito Rita.
Só não consegui, nunca consigo, descascar a cebola como ela, com as mãos e sem chorar.
Caramelizei as cebolas ( vovó riria desse termo ), ralei o parmesão em movimentos firmes, porém delicados e peguei um potinho para quebrar os ovos antes de colocar um a um na tigela com os demais ingredientes. Ovos no final.
Quebrei o primeiro e estava podre.
Senti-me feliz pelo ovo podre. Fiz exatamente como Rita recomenda, já tinha aprendido com vovó. Ovo sempre no potinho que, se estiver podre, não perde a receita inteira.
Joguei fora, lavei o potinho e quebrei o segundo. Podre.
Aí eu fiquei p__@, mas tentei-me manter a serenidade.
O terceiro foi para a tigela e aí aconteceu.
Todos os outros ovos, até chegar no número 6, estavam podres.
Me descontrolei, me descabelei, acabei com aquela atmosfera de paz, me odiei por não ter comprado ovos korin, olhei no relógio e só faltavam quarenta minutos para eu estar no sofá com as pernas cruzadas, folheando a revista e eu não tinha os ovos para a receita de Rita.
Fosse a receita de vovó, estaria tudo bem, porque na da vovó é assim: tem, você põe; não tem, não tem problema, vai sem mesmo.
Mas na receita da Rita...
Bati na porta da vizinha. A empregada atendeu e disse: é que ela não cozinha, desculpa.

Ela não cozinha, portanto não tem problemas com ovos podres.
Eu não poderia voltar no lugar de gente feliz naquele meu mal humor. Sol do meio dia e subida, nem pensar.
Uma mercearia, ainda mais longe, mas, pelo menos em linha reta seria a minha salvação.
Andei o mais rápido que pude. Lá chegando, pouco familiarizada com a disposição das coisas - nunca tinha comprado ali - deparei-me com prateleiras curtas, lotadas de ovos de codorna e uma caixa de meia dúzia de ovos comuns, aberta com um ovo quebrado e dois ao lado dele.
Indaguei onde teria outros ovos e ouvi o que temia: "não temos, vai chegar no final da tarde".
Deve ser ciúmes de vovó por eu ter trocado a receita dela, não há outra explicação.

A essa altura dos ponteiros do relógio e do meu mal humor muito, mas muito elevado, eu já estava disposta a enfiar aqueles dois ovos no bolso da calça jeans caso não me quisessem vendê-los.

Por cinquenta centavos cada um, enfiaram-los num saquinho plástico e me entregaram.
Precisava correr, voar, tinha medo de quebrá-los. Voltei para casa pisando em ovos e no fim consegui lembrar de fotografar os bolinhos.
Deu tudo certo. Apenas ficou faltando eu sentada com a coluna ereta, pernas cruzadas esperando as crianças.
Dormi de avental no sofá e segundo as crianças, que eu nem ouvi chegar, um dormia de boca aberta e babava.
Os bolinhos ficaram bons, elas disseram.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Sério isso?

Escrevi no post passado, sobre um filme ao qual assisti e tratava-se das relações entre adolescentes, jovens, pais e internet.
A crítica a uma mãe que vigiava integralmente tudo o que a filha acessava na web; pais completamente alheios, conflitos surgidos a partir da rede.

Hoje quero deixar a pergunta: será que nós entendemos realmente o que fazem os jovens na rede?

Uma avó, lê no mural do facebook de seu neto uma mensagem. Passa mal, sente dores no peito e morre.
Calma! Não leve isso tão a sério. A velhinha passou mal, mas passou a mão no celular e ligou para o filho e para o neto a fim de tirar a história a limpo.
A mensagem que ela lera é a seguinte:

"Aprendi muito sobre a maneira como as pessoas se relacionam com o dinheiro. Discordando de algumas coisas, resolvi que vou doar meu celular e excluir meu Facebook. Me apaixonei por Shirnram, um incrível monge budista que me ensinou muito e com ele vou deixar a cidade. A partir de agora, provavelmente, morarei nos Andes".

Tudo foi esclarecido. Era uma brincadeira de uma pessoa que havia invadido o perfil do neto e publicado tal frase.
Ocorre que todos os que leram, imediatamente entenderam o seu significado de que se tratava de uma brincadeira, de uma zoeira. A vovó não.
E aí abriu-se a discussão a partir dessa reflexão:

"... O público nascido antes da Internet aprendeu a brincar de postar fotos e mandar inboxs. Mas o contexto e o significado das redes sociais virtuais, nas suas cabeças, difere daquele que os mais jovens têm para si..."      Felipe Gaúcho   ( leia o texto na íntegra aqui ).

Cogitou-se até impedir o acesso dos idosos aos perfis de jovens ( sério isso ?!).

E então. Não é que aconteceu comigo? Afinal, sou nascida antes da internet!
Quase morri. E isso é sério.
Vi num perfil do meu filho um desenhinho de um anel de compromisso e um coração.
Céus! O menino casou, noivou, compromissou, sem eu saber? Ele só tem uma dúzia de anos. Vão fugir juntos?

Com a voz em tom surtado, indaguei-o sobre o tal anel virtual e ele gargalhou e disse: nada disso mãe. É que "ela" é a minha best, a minha melhor.

E o que é uma melhor, uma best. Não sei. Não consegui entender o significado. Só sei que não é uma namorada.
O autor do texto que sugeri acima, diz haver um abismo entre as gerações.
Estou caída nesse abismo. E se alguém aí puder me ajudar, agradeço!

Fazemos o que então? Um intensivo para aprender a ler entrelinhas? Ficamos na nossa vila pré-internet? Ou vamos de mural em mural deixando mensagens fofas, o equivalente a um aperto na bochecha, que eles odeiam?!
Quem mais encontrou um anel de compromisso reluzente no mural do filho ou da filha?!


quarta-feira, 11 de março de 2015

Homens, mulheres e filhos

Queria ter falado deste filme já há algum tempo, à época em que o assisti, mas que coincidiu com a nossa mudança de cidade e ficou esquecido, até que ontem, encontrei o ticket na minha bolsa.
Não sou de me influenciar com a crítica, só que dessa vez, confesso que titubeei.
Numa revista semanal de grande circulação, eram muitas as estrelas atribuídas ao filme; já no jornal de também grande circulação, a estrela nem luz tinha. O filme era dado como um fiasco.
Só que eu me interessei pelo tema que seria abordado e decidi que iria assistí-lo. Foi difícil. Uma única sala o exibia.
Fui e gostei, com algumas ressalvas. O filme é uma adaptação do livro com o mesmo título, que eu não li.
São várias histórias que de alguma forma têm um entrelaçamento.
Achei que algumas histórias poderiam e mereciam uma maior exploração e destaque, por exemplo a questão da anorexia.
O enfoque principal no filme é sobre a internet na vida de adolescentes e adultos. Como se lida com esse mundo virtual, os impactos, as incertezas, os comportamentos.
Duas histórias ganharam maior destaque no filme: a mãe superprotetora que vigia a filha adolescente em tudo o que ela faz na web. Pede para ver o histórico dos sites, inspeciona o celular, mas, adolescentes são espertos e a filha tem um outro chip para o celular e assim consegue falar o garoto que gosta e também cria uma conta secreta para um tipo de blog sem que a mãe saiba. Mas essa mãe é mais esperta ainda que a adolescente e ela instala um dispositivo em casa que mapeia cada passo virtual da filha e a cada semana imprime páginas e páginas e vive em função disso.
Já o jovem que gosta dessa menina, vive com o conflito da mãe que os abandonou ( pai e filho ) e ele vê o facebook dela com todas as atualizações de plena felicidade com um novo namorado e ela não manda nem uma mensagem para o filho. E eles se encontram nesse mundo, um com uma mã
e superprotetora e outro com mãe ausente.
A filha com anorexia poderia ter tido mais ênfase: uma adolescente que chega em casa e vai direto para seu quarto "a portas fechadas " dizendo que tem prova e precisa estudar. O pai ou a mãe leva o prato de comida, que vai parar no vaso sanitário enquanto ela conversa on line com outras meninas que também não comem e trocam dicas do tipo "se estiver com muita fome, inspire profundamente o cheiro da tua comida, jogue tudo no banheiro e coma um pedaço de aipo". A garota está magérrima e desnutrida.
São várias situações para se refletir. Até que ponto conseguimos e devemos rastrear nossos filhos? Deixá-los à deriva? Como se aproximar numa fase tão complexa como é a adolescência? Será que eles sabem mesmo tudo de internet? 
Um dos pontos é que eles sabem mexer na parte técnica, física. Comandos, programas, salvar, travar, destravar. E talvez lhes faltem saber salvar os próprios sentimentos ali dentro.
Mas há também um outro viés que deixo para um próximo post.
Beijo.

sábado, 7 de março de 2015

Sobre saco de pão

Tirei a foto com a câmera do celular e embora não tenha ficado uma foto boa, havia algo neste saco de pão que me instigava a escrever.
Foi minha filha que voltou da casa de uma amiga trazendo-o cheio de pipoca doce do tipo canjiquinha e logo explicou que não era a embalagem original da pipoca, mas a mãe de sua amiga tirou um pãozinho que estava ali e encheu-o com a canjiquinha para que ela trouxesse para casa.
Encheu-me de ternura e tristeza, sem que eu soubesse me esclarecer.
Era além da poesia de Drumond que tornava aquele rústico papel, especial. Era além da felicidade que falava seus versos que tão bem combinaram com a simplicidade do pardo saco de pão. E eu não sabia o que era.
Por algumas vezes, na tela do celular, olhava para a foto e para o desenho da lixeira logo abaixo dela. Quase.
Então soube de uma amiga que, no prédio onde ela mora não é permitido entrar no elevador principal segurando um saco de pão. Saco de pão só pelo elevador de serviço.
Talvez fosse isso a escrever. Talvez pudesse brincar com as palavras e questionar em tom alegre - será que saco de pão poetizado pode entrar no elevador social? E colocaria uma exclamação ali junto ao final para expressar um certo riso, uma certa descontração. 
Ainda seguia triste apesar da paisagem, da sorte, do tempo.
Sovei bem, suei e cansei o braço. Cobri a massa, o pão, o saco, a poesia para que descansassem e crescessem.
Levou tempo até que ficasse bom.
Foi preciso que eu me lembrasse de uma amiga que certa vez fez uma chuva de açúcar no pão com manteiga ao ler um texto com atitude homônima.
Não é só no elevador social que o saco com o pão está proibido de entrar. É por todos os lugares, é por todo o social, toda a sociedade.
A simplicidade de dentro foi tomada por um mistério vindo de fora. É quase um pecado comer pão deste rude saco. A verdade é que temos dele.
É preciso que tenha multigrãos, farinhas enriquecidas, plus, softs e venham plastificados. Esses podem entrar no elevador.
Eu não comi ainda pão com chuva de açúcar ou talvez sim, de uma outra forma que o tempo guardou na parte doce da memória.
Era com a vó Maria e com o vô Antônio que, eu nunca soube o porquê e hoje entendo que ali naquele prato fundo não cabia nenhuma dose de razão, eu comia sopa de pão.
Pão velho, dormido, de véspera. Seria falta de dinheiro para comprar outro? Seria respeito em não jogar comida fora? Ou seria a  sabedoria das coisas simples? Como disse antes, pouco importa a razão.
Primeiro picava-se o pão com a mão. Depois vinha o leite fervido e soprado para afastar a nata. O café escorria do bico do bule e por cima de tudo a colher grande tremelicava sem susto, sem medo do açúcar não ser "fit" e ser apenas açúcar e a sopa de pão nos nutria.
Não tinha a poesia de Drumond estampada no papel do pão. A poesia era diretamente adicionada na massa. E a gente era simplesmente feliz.

quinta-feira, 5 de março de 2015

O azul de Rosa

Rosa mostrou-me seu álbum de casamento como quem conta um segredo. E era mesmo isso. A cada folha de seda amarelada entre as grossas páginas, algo a segredar.
Era azul seu vestido de noiva. Azul escuro, um matiz ainda depois do marinho, que era para expor a sua vergonha, a vergonha que ela impusera à sua família, especialmente à seus pais. Rosa casara-se grávida. E aquele azul pesado ela achou que fosse o pior dos seus dias.
Não foi.
Nasceu o filho e depois outros e as coisas foram tomando rumo como o céu marinho que clareia celeste. 
E Rosa tinha uma família, uma vida normal. Talvez sua mãe estivesse tão encantada com o bebê, como costuma acontecer, que nem mais se lembrava daquele tecido.
Ocorreu que Agenor, o marido, o pai, trouxe para a vida de Rosa um azul ainda mais denso do que aquele do vestido.
Ele bebia.
Não sei desde quando ou se havia um porquê, acho que nem Rosa tinha a resposta.
Era um bom marido. Trabalhava corretamente. Ia e voltava a pé para que sobrasse mais dinheiro ao final do mês, ou não.
Na saída do trabalho, Agenor ia parando de bar em bar. Mesmo que não quisesse entrar, tinha lá um conhecido necessitando de companhia, querendo um dedo de prosa e um dedo a mais de pinga.
Chegava em casa com o andar cambalheante. A maioria das vezes nem jantava. Ia pro quarto dormir com a mesma roupa que chegara. Rosa ia para o quintal chorar.
Não fazia escândalos, não batia na mulher nem nos filhos. Trazia o salário para casa depois de pagar os bares. Rosa fazia pudim de pão dormido porque não sobrava dinheiro para um pudim de leite condensado.
Levava, religiosamente, um ramalhete de rosas vermelhas para Rosa no dia da mulher, aniversário de casamento, aniversário dela e dia dos namorados.
Embora não houvessem espinhos nas rosas, Rosa sentia dor a cada ramalhete. Eu acho que nem era dor, devia ser ódio, raiva.
Agenor não era um traste destes que se põe para fora. Era uma espécie silenciosa de bêbado, que nos tempos de hoje já fica feio falar bêbado e tem que dizer dependende.
No rádio Rosa ouviu sobre um pozinho que punha no feijão e tirava a vontade de beber e recuperava o indivíduo.
Emprestou dinheiro, comprou, fez feijão e segredou o pozinho por entre o caldo e os grãos.
Fui certa noite comer um pizza lá. Agenor dormiu à mesa com a boca aberta e a pizza mastigada dentro e também escorregando para fora.
Pagou caro o pó que o moço do rádio dava como certo. Não adiantou.
 O fim dessa história eu não sei, nunca mais soube de Rosa, e estou contando tudo isso para falar de mais um jovem que morreu "de bebida"numa festa universitária.
E é preciso que uma morte ocorra para que então comece a se refletir.

Não se mostra a devastação que o álcool faz na vida do indivíduo e o que este indivíduo faz na vida das pessoas. 
Na televisão a publicidade de bebidas alcoólicas é o equivalente ao que tínhamos no passado com os cigarros. Tudo é felicidade, liberdade; tudo é lindo.
Nas novelas, o máximo que acontece é um porre curado com uma chuveirada gelada e café sem açúcar. Ou uma passagem por uma delegacia e o resgate pelo pai após pagamento de fiança.

Eu tenho medo das universidades. O que antes era um sonho poder exclamar "meu filho passou na faculdade gente!" é quase um pesadelo, porque a força do coletivo pode ganhar sobre todas as conversas que a gente tem em casa.
Passar quatro, cinco, seis anos numa universidade, bebendo quase semanalmente em festas patrocinadas pelas próprias empresas de bebida, vai gerar o quê? Ou será que ao sair, com o canudo nas mãos, tudo volta ao normal e deixa-se de beber? E porque os jovens estão bebendo tanto?

Ia me esquecendo. Rosa tinha os olhos azul celeste. Uma pena que enxergava sempre tudo tão marinho.

segunda-feira, 2 de março de 2015

A esmo

Havia pendências a resolver. Burocracias que lhe exigiam a presença nos balcões da companhia de energia elétrica, do fornecedor de gás e na sua nova caixa postal, coisas estas que vem junto a um novo endereço.
Postergou o quanto pode. Demorou-se na arrumação de caixas e, embora não houvesse prazos definidos para as resoluções pendentes, decidiu que seria o momento. Algumas tentativas frustradas via internet e telefone. A presença era indispensável.
Acordou e decidiu que aquela manhã seria o dia de resolver tudo aquilo.
Arrumou-se e fez brigadeiro. De colher.
Talvez fosse só uma maneira de protelar mais alguns minutos sua saída; talvez fosse só para perfumar a casa para quando voltasse, saber que ali era seu ninho.

Já na rua exitou: sempre optara pelos ônibus e sentiu medo. Dirigiu-se para o ponto de táxi.
Prefere ir pelo Anel Viário ou pela J. Lungo?
Não queria, não podia expor sua fragilidade dizendo nada conheço desta cidade.
Impostou a voz para parecer ao taxista segura e dona da situação, o que for melhor para o senhor, respondeu.
Cruzou os dedos para que o moço não tomasse proveito da sua ignorância e circulasse mais do que devia.
Procurou não pensar; apreciou o caminho. Chegou logo. Deu bom, deu barato o táxi.

Nove horas e dois minutos. Estava defronte a um balcão. Rapidamente soube que suas resoluções estavam em outro balcão que começava o atendimento ao meio-dia. Em ponto.
Voltar para casa? Não, o brigadeiro ainda estaria quente. Preferia-o frio.
Não quis fazer contas de nove para meio-dia. Quis andar.
A esmo, sem trajeto previamente definido, sem pressa, sem ter aonde ir.
E foi. Caminhando, caminhando, mais com os olhos do que com as pernas.
O olhar corria à frente. Os pés apressavam em alcançar mas sem ter realmente uma pressa.

Chegou primeiro a uma praça.
Foi tomada por encantamento, afinal ainda não sabia, pelo noticiário, pelo jornal local distribuído gratuitamente, pela vizinha com quem não fizera amizade ainda indignada "o quê, você foi naquela praça? ali tem droga, tem assalto, não te levaram nada?"
Como não sabia de nada disso, apreciou e sentou e reparou muito. Nas árvores, nos banquinhos, nos passantes.


Sabia que era necessário aproveitar. Depois, somente depois saberia que ali nunca se senta, nunca se aprecia. O pior lugar da cidade.
Sentou e apreciou.
Seguiu, depois de demorar a se decidir pelo caminho a tomar.

Contornou demoradamente uma padaria numa esquina. Pelos vidros fumê viu as costas das pessoas sentadas no balcão: café puro, pingado, churrasco na chapa.
Desejou estar ali. Queria estar ali com todas aquelas pessoas. Não tinha nenhum sinal de fome. 

Continuou e viu muitas pessoas a sua frente, andando apressadas. Fez o mesmo, porém sem pressa.
Chegou! Lá estava a placa com o nome da rua: 7 de setembro. 
Estava no centro. Todo centro tem uma rua 7 de setembro. Adentrou como quem pisa num tapete macio. Automóveis nenhum. Uma rua só de pessoas. A familiaridade foi surgindo: pernambucanas, casas bahia, perfumaria sumirê. Achou existirem em todas as cidades, em todas as ruas 7 de setembro que logo descobriu ser entrecortada pela XV de novembro.

Uma construção antiga de quarteirão inteiro despertou-lhe a curiosidade. Entrou e deu alguns passos para não atrapalhar os outros e pôs-se a reparar no que via, nos cheiros que lhe chegavam. Logo, porém, sua atenção fora desviada pela bonita moça que, olhando realmente em seus olhos, convidou-a a "comer um pastel conosco, ali em frente é o nosso quiosque, vários sabores e sucos para acompanhar".
Encantou-se e não queria desencantar a mocinha que tão atenciosamente fazia o seu trabalho; não podia aceitar. Estava comprometida com a padaria. As costas para o vidro fumê. Disse apenas "depois, depois".
Foi passando pelos corredores do que, sem dúvida, era um mercado municipal e viu-se ao desvio de apenas um de seus passos, rodeada de queijos e vidros bojudos de doce caseiro.
Quis comprar um queijo, assim num impulso. Mas enquanto corria os olhos maravilhada pelas prateleiras, questionou-se sobre o queijo. Acabara de ler um livro onde a protagonista entra numa loja, compra queijo redondo como aqueles e sai com uma sacola a bater em sua perna enquanto caminha pelo metrô de Paris. Seria mesmo vontade de queijo, vontade de Paris, ou do documentário que ainda não conseguiu assistir "O mineiro e o queijo"? Deixou para outro dia e saiu.

Viu-se dentro da biblioteca municipal. Prédio antigo, interior arrojado. Lá encontrou um tesouro: sentados frente a frente uma mãe lia para seu garoto. A voz dela não era possível ouvir, o olhar absorto, quase hipnotizado do guri, sim.

Feito a história de João e Maria, voltou pelo mesmo caminho marcado pelas pedrinhas invisíveis que deixou. Parou ainda por um momento, que deveria ser rápido, só para observar a fachada de um museu.
Demorou-se. Não podia se mover. O abraço que presenciava tinha um brilho a mais. Estavam bem a sua frente, fazendo até desviar outros transeuntes. 
Nos braços uma bebê de uns sete ou oito meses. Segurava pela mão uma menina de uns quatro anos de longos cabelos, que assim como os da mãe significavam uma religião. O homem com quem se encontravam era o pai da moça, avô das crianças. Passou a mão pelo rosto da filha rapidamente para depois demorar-se no abraço que tirou os pezinhos da neta do chão. Rodopiaram e sorriram. A bebê chorou na tentativa de aproximação do homem. A filha disse que precisava ir, para que o marido não desconfiasse de nada. Ele agradeceu, disse entender, abraçou com lágrima a filha, abençoou a netinha de colo, disse amar a mais velha. 
Importa pouco o que os separou. Importa saber que aquela filha aprendeu o perdão.
Seguiu inclusive emocionada com a cena, para a padaria. De uma próxima vez, já sabe que vai reclamar de pessoas que param no meio do caminho para abraçar, atrapalhando a passagem.

Pediu bauru, ao que o chapeiro ao lhe entregar disse em tom duro, queijo quente com presunto e tomate.
Ela sorriu porque lembrou-se do programa que assistiu sobre os diversos nomes do bauru, Brasil afora. Lá certamente não era bauru!

Caminhou até o balcão burocrático, resolveu e voltou para casa. Passava da uma da tarde.
O brigadeiro já estava frio. 

*Agradeço a vocês as manifestações de carinho pela passagem do Antônio. Fez bem a todos nós.