domingo, 17 de maio de 2020

O cachorro Toninho

Mas não é sobre o cachorro Toninho que quero falar. É sobre o que estamos a aprender com o vírus da pandemia.

Logo que tudo isso começou, começaram também as reflexões - o que esse vírus quer nos ensinar, o que ele quer nos mostrar.

E não demorou para que surgissem inúmeras interpretações. E fui, inicialmente, lendo algumas, refletindo junto.
Família... estávamos desconectados de nossas famílias dentro da mesma casa? Trabalho? Tudo excessivo? Manipulação política? E quando me dei conta, já não conseguia mais refletir sobre nada, não conseguia ouvir o que o vírus gritava.

Tudo questão ambiental. Políticos de olho não nas vidas mas nas próximas eleições. Homescholling, como assim, com crianças pequenas que deviam passar longe de celulares e tablets? A indústria da vacina, a farmacêutica? Os muitos testes para covil-19 que mais confundem do que elucidam. A subnotificação?

Se eu achava, lá no início que sabia qual era o recado do vírus, fiquei imersa em confusão, atordoamento, coisa demais para pensar, para ouvir, muita matéria para aprender.

Então agora eu quero falar sobre o cachorro Toninho.

O cachorro Toninho, eu o conheci antes dessa pandemia, na verdade logo que me mudei. Ele estava deitado debaixo da carroça, com seu dono a aparar-lhe os pêlos. Estavam na esquina duas grandes e movimentadas ruas e de tão interessante observá-los ali, em meio àquela multidão passando apressada entre entrar e sair de academias, bancos, eu, voltando do mercado, o comércio de rua ali todo concorrido, eu parei entre os semáforos piscando e perguntei o nome do cachorro.

Toninho. E eu sou o Renato.

Voltei para casa já contando: conheci o cachorro Toninho!

Dia desses na pandemia, eles estavam lá, no mesmo cruzamento, os semáforos trabalhando incessante entre verde, amarelo, vermelho. Desnecessário. Poucos carros na rua, quase nenhum pedestre para atravessar. Tudo deserto, tudo estranho. Homem e cachorro e carroça ali, estacionados. Comércio fechado. Eu que ia a passos rápidos e só com os olhos descobertos, parei. Nem sei ao certo se queria parar, o que me fez parar, mas parei.

"Seu Roberto, eu vou ao mercado, o senhor quer que eu traga alguma coisa?"

"É Renato. Eu sou o Renato e ele é o Toninho. 
O homem virou-se para a sua carroça e com uma das mãos ( depois percebi que o outro braço é paralisado ) levantou um pedaço de lona e disse-me: pão eu tenho, tenho arroz com carne, tem um pouco de leite. Obrigado, não preciso de nada não.

Eu não queria chorar, eu tentei segurar uma ou outra lágrima, usei como argumento que é ruim chorar de máscara, mas meu coração não atendeu.

Um homem, o cachorro Toninho, a carroça. Simplicidade.


* Peço desculpas por não estar conseguindo interagir nesse tempo em que temos tempo de sobra. Porém com as aulas online das crianças, o computador é utilizado o dia todo e eu realmente ainda não consigo fazer pelo celular. Sempre que der apareço! Fiquem bem, cuidem-se e fiquem em casa. Beijo!

11 comentários:

  1. Bah...Que grande lição ele nos deu! Realmente ele tinha tudo ali...Tudo o que precisava...E estava ali, juntinho dele! E, na certa, num outro dia, apareceria uma outra alma caridosa como tu e talvez então ele precisasse algo! Bela lição de vida e nesses tempos em que os valores tão distorcidos estão, faz um bem enoooooooorme ler isso! ADOREI e desde já, fã do Seu Renato e o Toninho! beijos, tudo de bom,chica

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  2. Penso que muito se tem aprendido a todos os níveis da vida social. Será que não se vai esquecer depressa assim que o confinamento acabar? ... se é que vai acabar-
    .

    Tenha um domingo de Paz e Bem
    Cuide-se

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  3. que emoção senti ao ler. Me vi ali conversando com o Sr Renato ao seu lado. O Toninho é um cachorro abençoado com certeza. E a pandemia,com tudo que ela nos faz refletir e vivenciar, para muitos um sentido mais profundo, um olhar para dentro, mas para outros talvez justamente um olhar mais para fora. Obrigada por essa postagem, por essas suas palavras, bjossss

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  4. Nossa Ana Paula, eu também chorei! Que ser humano é esse Renato...quanto nos ensinou com apenas uma frase. Quanta dignidade nessa pessoa. E que bom que você tem um coração amoroso e se importou em perguntar! Caso contrário não estaria aqui dividindo essa pérola conosco.
    Cuide-se bem, estes tempos estão realmente difíceis.
    Grande abraço

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  5. Boa tarde de paz e esperança, querida amiga Ana Paula!
    Sempre percebo como tem gente que reclama de barriga cheia.
    Tenho procurado me abster de reclamar mais do que nunca de nada...
    Pelo menos isso tendo vida enquanto tantos a perderam.
    Tenha dias abençoados!
    Bjm carinhoso e fraterno

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  6. Aninha, Aninha, sempre surpreendendo a gente com coisas do coração...
    É de chorar mesmo, porque eu também chorei...
    Como o mundo carece dessa verdade, porque o Renato abriu e conferiu seus pertences...
    Como o mundo carece dessa honestidade e fé, porque ele poderia se atencipar, e pedir algo para o futuro, mas de alguma forma o futuro ele sabe que está garantido, porque tem fé, e Deus vai mandar algo ou alguém...
    Como carecemos dessa simplicidade, humildade, verdade!
    Fique tranquila, cuide-se também, e sempre que puder apareça...
    Beijinhos doces,
    Ju

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  7. Oi, Ana Paula!

    Simplicidade...como carecemos aprender essa lição.
    Linda história!
    Obrigada por compartilhar e me fazer pensar em tudo que tenho e que às vezes passa despercebido.

    Uma abraço com carinho,

    Sônia

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  8. Ana, você me fez lembrar duas coisas com essa história! Uma é que temos tanta, mas tanta coisa que as vezes achamos que não precisamos de quase nada do que temos...E a vontade é de ter menos vendo Toninho e Renato, talvez felizes um com o outro. CLaro, necessitados, mas conformados e simples.. simples demais no universo deles de terem "tudo" que precisavam. Afinal, tinham um ao outro...

    A segunda coisa é que me lembrei de um moço que eu e Maria conhecemos na praça aqui da cidade, anos atras. Renato! Não sei se vc ja leu sobre ele no meu blog.
    Ele fazia crochê. Disse que sua mãe havia lhe ensinado. Era do Espírito Santo. Será que é o mesmo? Na época Renato não tinha um cachorro.
    Bom... ele dizia que alguns riam dele por ele fazer crochê. Fazia menininhas. Imãs de geladeira. Compramos 6. Maria sempre se compadece e além de ter achado as bonequinhas lindas, quis muito ajudar.

    Renatos da vida... simples. carentes ou não... necessitados ou não.. mas que sempre deixam lições pra gente que tem tanta coisa na vida .. até mais do que precisamos ou merecemos...muito mais que um arroz e carne, um pouco de leite e pão... Que os Renatos sejam felizes e Toninho também!

    Beijos Ana

    Tê e Maria ♥

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  9. Muito bom conhecer esta história que nos mostra um lado do ser humano não muito tão visível. Simplicidade, penso que precisávamos voltar a ela.bjs Primeira vez por aqui, impelida pelo título. Vi na amiga Calu. bjs

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  10. Boa tarde, Ana Paula!
    Pois é, com esse tempo elástico que estamos vivenciando, retornei aos Blogs, e reeditei meu blog de poesias, passa lá quando puder.
    E você, continua sensível em seus textos, passa pra nós o sentimento e o altruísmo desse homem e seu cachorro.
    É tão lindo ver que quem mais precisa diz que nada precisa! Enquanto isso, tem gente chorando porque os shoppings não abrem de vez!
    um beijinho carinhoso

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  11. Olá! Gostei muito do blog e já o segui! Quero convidá-lo a visitar e a seguir o meu blog de volta <3

    www.pimentamaisdoce.blogspot.com

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