sexta-feira, 28 de março de 2025

A melhor cocada do mundo

Há uma rua nos arredores de onde eu moro, na verdade uma pequena rua, ruazinha, ruela, que, toda vez que saímos de carro, precisamos passar por ela para acessar avenidas largas e as várias possibilidades de trajeto.

Seu comprimento pode ser medido em alguns passos. Mão única, tendo à sua esquerda uma também pequena praça e à sua frente um semáforo, que raras vezes se mostra verde para nossa passagem.

Inevitável pararmos ali. Parece mesmo que sempre está fechado o sinal na nossa vez.

E ali, sempre que aguardávamos a abertura do sinal, um homem se aproximava da janela do carro oferecendo algo dentro de um recipiente retangular de plástico que ele segurava com um dos braços.

O gesto era automático por dentro do vidro fechado - um não com um pouco de agradecimento, misturado também com um desejo de boa sorte ao vendedor, afastando porém o que quer que fosse aquilo.

Certo dia, o vidro do carro estava aberto pela metade e a voz do moço pode nos alcançar - "Cocada moço? Cremosa hein?!

O obrigado saindo pela boca e pelo gestual da mão era a maneira educada de dizer não.

O semáforo sempre fechado quando por ali passávamos. O homem sempre ali com sua caixa plástica. 

Deixamos de ver o homem ali, enquanto o semáforo mudava a cor para nos sinalizar a passagem, e nem percebemos. Ele havia se tornado como que invisível a nós.

Até que...

Ano passado, durante meu tratamento, muitas vezes precisei usar o serviço de carro por aplicativo para ir ao hospital.

O caminho, obrigatório passar pela ruazinha.

Então numa dessas tardes, o motorista que me conduzia começou a falar-me ainda quando esperava o semáforo esverdear.

"Nossa dona, sabe que sempre que eu passo por aqui eu fico procurando o vendedor de cocada e nunca mais o encontrei?

Um dia, faz tempo já, eu passei por aqui e tinha acabado de almoçar. Tava com aquela vontade de um docinho sabe e quando parei aqui no semáforo, ele veio e me ofereceu uma cocada. Eu olhei bem, porque dona, eu sou conhecedor de cocada, olhei, olhei e achei que aquilo era puro pelote de açúcar com uns fiapos de côco perdido. Mas a vontade de comer doce tava grande e eu comprei.

Dona...

Eu posso lhe garantir - a melhor cocada do mundo era daquele moço. Nunca comi cocada tão boa, e olha que sou conhecedor, já comi cocada na Bahia, no Ceará, aqui em São Paulo e falo mesmo que não tem melhor que a desse moço. Mas faz tempo que eu não vejo mais ele".

Eu engoli em seco enquanto o semáforo abria e o carro arrancava.

A melhor cocada do mundo sempre ali acenando a cada vez que parávamos na dita ruazinha e nós nunca demos uma chance para ela. Senti uma pequena tristeza.

E agora que sei que não existe iguaria melhor em todo o mundo das cocadas, não posso comprá-la porque não existe mais o vendedor.

Naquele dia, quando meu marido foi me buscar no hospital contei-lhe a história da melhor cocada do mundo. 

Apenas me respondeu - "é verdade, nunca mais eu vi aquele homem e olha que sempre que eu passo o farol está vermelho e eu fico olhando ali para a praça e é mesmo, o homem não está mais lá".

Havia também uma pequena tristeza na voz de meu marido.

"Talvez ele tenha arrumado um emprego, ou passou a oferecer suas cocadas para algum lugar. Tomara esteja bem né?"

Na ausência do doce, tentei essas boas palavras.

Pois bem, dias desses indo a pé para algum lugar, na volta paramos ali, naquela praça da ruazinha, aguardando a luz vermelha do sinal paralisar os carros para podermos passar.

Foi então que vimos o homem.

Não foi preciso nenhum diálogo entre meu marido e eu. Fomos ao encontro do homem instantaneamente e minha alegria era tanta que enquanto marido escolhia, eu ia falando:

Nunca mais te vimos aqui...

Fui interrompida de imediato - "dona, eu venho todos os dias, mas acontece que a cocada acaba antes mesmo das 9 da manhã. Trago a caixa cheinha. No começo eu ficava aqui o dia inteiro... agora tá assim.

Aceita pix? - sim, mas leva o papelzinho com o número para casa, não é bom ficar de celular na mão né?

Enquanto marido fazia a escolha, dois carros abaixaram o vidro, estenderam a mão e levaram a melhor cocada do mundo.


Foi uma espécie de redenção comprar essas cocadas! Só que tenho de admitir, é mesmo a melhor cocada do mundo.

Você aí que entende de cocada, já encontrou a melhor cocada do mundo?!



sábado, 1 de março de 2025

A garrafinha

 Foi numa conversa com meu marido, enquanto tomávamos uma xícara de café, porque para um mineiro, o calor que tem feito, não é impeditivo para um bom café. E deixemos de lado a questão do preço para não amargar inclusive a escrita!

"Você se lembra da primeira vez que viu o mar, o que você sentiu? " - assim iniciou a prosa.

Puxei pela memória e me transportei para aquele dia. A chegada ao litoral foi com chuva, o mar estava cinza, a impaciência de criança por ter que esperar o outro dia para poder colocar os pés na areia, na água, nas ondas.

Teve até simpatia naquela noite para parar de chover! E depois foi muita alegria, aquele desejo de ficar ali o tempo todo!

Eu já " conhecia" o mar pela televisão e talvez alguma figura em livro, fotografia em revista. Comprovei o que conhecia de maneira distante.

Marido foi só com o imaginário. Carregava apenas o que tinha ouvido de quem já tinha colocado os pés na areia da praia.

O transporte foi feito numa kombi.

"Você lembra das kombis? Naquele tempo podia estacionar na praia mesmo, na areia, e meu coração estava maior que toda aquele kombi cheia da parentada!"

Café, lembranças, risos e assim ele recordou a ida de seu pai, Antônio, bem moço vivendo lá na roça rodeada pelas montanhas mineiras, na sua ida ao litoral.

Um acontecimento para aquele homem nascido em 1925 viajar tão distante para ver o mar. Acontecimento da grandeza de uma festa.

E assim foi Antônio encontrar o oceano ali nos tornozelos de calças dobradas um pouco abaixo dos joelhos, os pés ressabiados diante da imensidão azul.

Já quase em tempo de retornar, pegou uma garrafa e a encheu com a onda mansa que se desmanchava.


No retorno da viagem, a casa se enchia de visitantes ávidos por informações detalhadas. Afinal, naquela porção do século passado, rodeado pelas montanhas mineiras em seu pedaço de terra que dava abóbora, couve, milho, a dificuldade, a distância de uma viagem dessas para chegar ao mar, era imensa.

E igualmente distante as fotografias, as imagens de uma praia. Uma boa conversa, um causo bem contado, era o que se tinha.

Gente chegava, um bolo de milho era servido e a prosa girava em torno de: "é mesmo grande assim como falam Antônio? E é azul como dizem?"

A inquietação maior se dava mesmo com a grande dúvida: "é mesmo verdade que aquele mundão de água é tudo salgado?"


Ah... a garrafinha!

Arrancou suspiros, exclamações e reflexões aquela tal garrafinha.

Diante das perguntas cheias de curiosidade, Antônio pegava a garrafa, despejava, melhor dizendo, gotejava cuidadosamente o líquido esclarecedor das dúvidas na mão do incrédulo e dizia - prova, põe assim a língua.

Não bastava que um membro da família provasse e atestasse a qualidade salgada da água do mar. Todos queriam viver em suas línguas aquela experiência.

Passados muitos dias, deu-se as condições de Antônio ir visitar sua irmã querida, Tunica, assim chamada em bom mineirês!

Sua irmã não pudera ir para a grande viagem com eles, o irmão compadecido, fez-lhe uma promessa:

" Olha Tunica eu vou trazer um pouquinho de água do mar para você ver mesmo se é salgada".

Mas, o pior já tinha acontecido... Era visita atrás de visita, parente próximo e distante, conhecido e conhecido que nem se sabia quem era - todos ganhando uma lambida na mão com a água do mar. E num é que a água acabou? E bem na vez da Tunica saber do mar, a garrafinha estava vazia.

Antônio não teve dúvida:

Pegou um copo na cozinha, encheu-o de água, colocou sal, mexeu e mandou tudo para dentro da garrafinha.

Rumou para a casa da irmã e foi recebido com a pergunta:

" É mesmo salgado o mar, Antônio? ".

"Tunica faz assim com a mão, agora põe a língua".

Rimos um bocado dessa garrafinha!

E você, tem lembrança da primeira vez que viu o mar?!




segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Toquei o sino

 

Minha filha Júlia e eu


Semana passada fiz a minha última sessão de radioterapia!

Bem mais leve que o tratamento anterior, a quimioterapia, ainda assim com desconfortos, mas com a alegria de finalizar mais uma etapa importante.

Meu horário para esse tratamento era sempre no final da tarde, 17h20 , e foi inevitável o stress, a ansiedade - hora de cair a chuva aqui em São Paulo, trânsito que trava, ruas alagadas e o pior, na maioria das vezes, durante os temporais de verão, a energia elétrica oscila, cai e por consequência, a máquina de radioterapia parava.

Era necessário que o técnico especialista fosse acionado. Isso demorava... Mas, enfim, concluí essa fase!

Agora é seguir com acompanhamento.

Muitas vezes, enquanto eu recebia a infusão da quimioterapia, ou agora mais recente, enquanto esperava minha vez de entrar na sala da radioterapia, eu ouvia o som do sino e o som das palmas, dos aplausos.

Muitos "anônimos" ali na sala de espera participavam desse momento celebrativo - alguém em sua última químio ou rádio. Foi assim comigo!

Soube pela internet de pessoas que odiavam o sino na ala da oncologia pois, ou elas mesmas, ou algum parente não iria tocá-lo devido à gravidade do caso.

Sinceramente eu acho bonito participar, daqueles pequenos instantes de alegria.

Acho até mesmo importante celebrar uma pequena vitória - hoje eu consegui. Se é a cura definitiva ou não, acho que é uma etapa, como está nos "dizeres do sino ".




Quero celebrar com vocês que torceram por mim, que me enviaram mensagens, um bom pensamento, orações.

Vou começar minhas visitas aos blogs e ir buscando inspiração para escrever aqui. Sinto que tanto tempo parada, perdi o jeito!

Só sei que quero continuar!

Um abraço carinhoso 💚