Não
toco nenhum instrumento. Criança ainda, manifestei vontade de tocar
piano. Ganhei um violão, mas deve ter sido mesmo a ausência de
talento que não me fez tocá-lo, ainda que tentasse, ainda que tenha
tido um professor por alguns meses.
Não
toco mas, gosto e muito de música!
Durante
dois anos consecutivos, frequentei aos domingos, onze horas da manhã,
uma sala que trazia músicos eruditos. Eram quartetos, trios,
cameratas, solos, e ali eu fui conhecendo um pouquinho dos principais
instrumentos e me encantando com eles.
Violinos
e violoncelos, piano com flauta, oboé... Duas apresentações me
marcaram sobremaneira: o solo de harpa e o de cravo.
A
harpa deslumbrou meus ouvidos e olhos. Olhar a harpista deslizando
por aquelas cordas e extraindo um som que achamos ser celestial...
Depois
veio o cravo; outro deslumbramento. Indescritível a sensação ao
ouví-lo.
Por
estas épocas, se eu tivesse que escolher algum instrumento para
tocar, seria difícil me decidir, porém ficaria com a harpa e talvez
se eu fosse homem, escolhesse tocar saxofone ( à noite na sacada de
um apartamento, peito nu prateado pelo luar... e quem não se lembra
de Kenny G?)
Segui
tocando a vida em frente, assistindo à sinfônicas pela tv e foi num
dia do último dezembro que tudo mudou.
Fui
ao shopping, ao contrário do que a grande maioria imagina que é um
lugar para se divertir e comprar e fui resolver problemas com a
companhia de telefonia celular. Acho que não preciso dar detalhes.
Saí, naturalmente, sisuda, carrancuda, irritada, e enquanto andava
pelos corredores em busca da saída fui surpreendida por um som que
ainda distante pareceu tocar o mau humor.
Diminuí
os passos, voltei para trás e lá estava descendo a escada rolante a
enorme tuba.
Fiquei
deslumbrada por aquela campânula que fazia as pessoas
pararem e dançarem.
Sim
de repente aquele andar do shopping estava todo dançando: velhos,
jovens, bebês no colo, crianças e eu, ex-carrancuda.
Ele
andavam e entravam nas lojas e nós ficávamos ali em frente dançando
e depois os seguíamos com os celulares em punho para fotografar ou
gravar. Um tumultuado dia de dezembro foi tomado por alegria.
A
tuba exalava alegria.
Qualquer
música ali se transformava em alegria.
Sim
os violinos são maravilhosos, a harpa é divina, a flauta, o
piano... todos podem evocar beleza, tranquilidade, serenidade. O
samba pode ser explosivo, mas a tuba evoca e toca alegria no tom
certo, na dose exata.
Então
está decidido: vou tocar tuba.
Já
tinha visto num livro das crianças que uma mãe saía para a aula de tuba,
achei estranho, afinal nenhuma mãe toca tuba.
Aliás
nunca vi um bebê ao nascer ser visitado na maternidade e ganhar uma
tuba. Vou repensar meus presentes.
Meu
filho disse que eu teria problemas com a portabilidade, uma vez que
só ando de ônibus.
Ah!
Isso não seria problema: depois de algumas semanas, outros tocadores
de tuba fariam o mesmo e os jornais noticiariam: “Pessoas deixam os
carros em casa e vão para o trabalho de ônibus só para ouvir os
tocadores de tuba e assim a poluição dimuniu”.
Em
pouquíssimo tempo teríamos nos coletivos – assento reservado para
tocadores de tuba. E lá estaria eu assoprando alegrias.
livro: Isto é um poema que cura os peixes de Jean-Pierre Siméon. Ilustrador: Olivier Tallec
Eu
vou de tuba. E você, vai de quê?