Meus filhos já vinham insistindo há algum tempo. Eu seguia firme na relutância até que, me deparei com um artigo do dr. Toba.
“… o trabalho pela longevidade tem que começar na infância, e não aos cinquenta anos”, diz o especialista.
Ao ler isso eu quase perdi a ternura para com o dr. Toba. Respirei e lembrei que elegi a palavra ternura para nortear meu ano.
Fiquei um tanto abalada com essa fala do dr. Toba porque a minha infância foi vivida com chocolate guarda-chuvinha e suco vendido na feira em embalagens plásticas em formato de carrinho, boneca, com cores bem vívidas, acho que tinha até azul. O que havia naquele suco ou no chocolate de guarda-chuva é melhor nem pesquisar…
Tomei então uma decisão: juntei a insistência dos filhos, mais a desesperança do dr. Toba, a minha alegria de infância com os guarda-chuvinhas achocolatados e me matriculei numa academia.
Nossa! Como eu pude demorar tanto tempo para fazer isso?! Descobri que eu adoro uma academia. Vou sempre que posso, só é uma pena que quase nunca posso ir. Mas vou, sempre que dá.
Os primeiros dias foram muito, mas muito difíceis. Cheguei mesmo a achar que nunca mais voltaria a por os pés naquele lugar.
“É dor no corpo mãe?” - perguntava aflito um dos filhos.
Não, não sinto dor no corpo. O problema é o cheiro. Cheiro de borracha que me faz sair de lá com muita náusea.
Eles me olhavam com cara de guarda-chuvinha.
“Mãe, não existe isso de cheiro de borracha.”
Claro que existe, eu revidava e provava - todas aquelas roldanas, aquelas esteiras girando o dia todo ali, aquilo exala e eu fico tonta e nauseada.
“E o corpo?” - eles insistiam em saber.
Não sinto nada no corpo.
Entre repousos, semanas sem ir, consegui vencer a questão do odor emborrachado e passei a frequentar com maior assiduidade.
Apanhei até certa intimidade com os outros frequentadores. Eu os chamo de “queridos”. Por causa do livro que li Humanos Exemplares, lá tem os queridos.
Os horários em que consigo ir para a academia estão sempre lotados de queridos. Eu mal me sento em uma daquelas máquinas de musculação e chega um querido perguntando - “tá terminando?”.
Eu respondo que sim e imediatamente vou me levantando para dar lugar ao querido. Vejo que os músculos dele têm mais urgência em manter aquele padrão todo do que os meus.
Encontrei duas coisas que realmente gosto de fazer na academia. Uma bicicleta que tem uma cadeirinha como banco. Então você se senta bem confortável naquela cadeira com pedais. Pode tornar os pedais duros e exigentes colocando uma intensidade neles.
Eu prefiro mesmo ao natural, pedais bem soltinhos, sem esforço. Fico ali muito tempo e posso com tranquilidade olhar bem para a fisionomia dos queridos.
Olha, fico estarrecida. Eu que já trabalhei num centro obstétrico, não via caretas tão retorcidas durante os partos como vejo no rosto dos queridos durante sua musculação. Eles, os queridos, colocam tanto peso, mas tanto peso que todos os músculos da face de retorcem.
Um dia, eu estava ali serena na minha bike-conforto e uma querida disse para a outra:
“Tadinha, a minha mãe não me deixa pegar peso em casa, mal sabe ela o quanto de peso eu pego aqui na academia!”.
Ouvir isso me abala os nervos. Eu vou lá para ser saudável, mas fica difícil com esses queridos. Eles me estressam.
Toda vez me pego pensando: será que todos esses músculos tão fortes e desenvolvidos têm forças para pegar uma pia de louça e dizer “mamãe, pode deixar que eu lavo”.
Esses braços que mal cabem na manga da camiseta, seriam agéis com uma vassoura?
Fico tão estressada ao ouvir e ver essas injustiças musculares que não há outra maneira, largo tudo e me largo na cadeira massageadora que basta uma moedinha, cedida pela própria academia, e eu fecho os olhos e deixo os queridos para lá e tento relaxar um pouco.
Ao sair, um novo golpe: há duas caixas plásticas enormes próximo da entrada cheia, lotada de guarda-chuvas.
Estamos em época de chuvas de verão. Intensas, porém rápidas, passageiras. Os queridos chegam com seus guarda-chuvas, depositam ali na caixa plástica e depois de tanto tempo ali dentro, a chuva passou, o chão da rua já secou, o sol voltou a brilhar e eles nem lembram que choveu e muito menos lembram de pegar o guarda -chuva de volta.
Músculos tão trabalhados e a atenção… E olha que eu que comi um mundo de chocolate guarda-chuvinha na infância, não esqueço nunca meu guarda-chuva ali.
Volto para casa com a sensação de missão cumprida. Mas os olhares que recebo em meu próprio lar são ásperos: “mãe, como você consegue voltar da academia sem estar nem um pouco suada?”.