" Servir os outros não tem de ser algo grandioso. Conceder um gesto caloroso a alguém que nós nem sequer conhecemos - digamos, no ônibus - pode fazer diferença tremenda para aquela pessoa. Pode trazê-la para fora de um lugar de profundo isolamento".
Elizabeth Mattis Namgyel
Ouvi a frase acima no último domingo, dentro de um grupo de estudos, e a pessoa que o conduzia, retomou a frase várias vezes e nos inspirou a refletir na nossa mania de grandeza, de querer fazer algo que impacte o mundo, ou mude a vida de milhares de pessoas, e assim nos perdemos de perceber, receber e oferecer gestos simples.
Sem que eu precisasse fazer qualquer esforço, emergiram da minha memória, com muita clareza, algumas histórias que eu presenciei assim "meio sem querer" e que exemplificam nitidamente esses pequenos gestos, esses gestos simples capazes de mudar uma vida, inteira, por momentos, e que passam despercebidos porque temos sede de coisas grandiosas.
Uma dessas histórias se deu assim: eu estava andando na Avenida Paulista, me lembro que era um dia de semana. Um homem que caminhava a minha frente, virou-se para o outro ao lado dele e falou - "eu tomei um banho ontem, tinha sabonete, tudo. Rapaz como um banho faz bem pra gente, dá um ânimo né pra seguir a vida".
Naquele momento em que ouvi essa conversa, eu pus reparo e vi que eram pessoas em situação de rua. Um banho tirou aquele homem de um lugar de profundo isolamento e talvez mesmo, um lugar de sofrimento. A água, o sabonete, o frescor no seu corpo devolveu-lhe esse sopro na alma, esse ânimo de viver...
No metrô aqui de São Paulo, mas acredito que em outras capitais também ( já vi a Pandora falando sobre ) o comércio dentro dos vagões, a tentativa de ganhar uns trocados das mais variadas e criativas formas, viraram rotina.
Eu estava em pé num vagão relativamente vazio. Não havia lugar para se sentar, mas não estávamos espremidos entre vários humanos!
Entrou um artista, um músico. Qual instrumento ele tocava, eu realmente não me lembro. A música sim, Asa Branca. E essa não me saiu da memória porque além do vagão inteiro cantar, a conversa que eu ouvi depois me causou espanto. Aquele espanto bom e feliz, sabe?!
O moço cantou e tocou, tirou os olhos de muita gente do celular, fez outro tanto de pessoas cantar e depois passou o seu chapéu e entre notas e moedas, desceu na estação que se aproximava.
Assim que saiu, a mulher que estava sentada, eu de pé ao lado dela, virou-se para a outra no mesmo banco e disse o que eu interpreto como um desabafo feliz!
" Olha, eu nem te conheço mas vou te contar uma coisa, como uma música assim faz bem pra gente! Teve um dia que eu tinha decidido que ia tirar a minha vida. Eu tava voltando do trabalho, não aguentava mais nada e só queria chegar em casa pra fazer a besteira. Sabe que entrou um moço assim e começou a cantar e aquilo era tão bonito e entrou em mim... moça, eu comecei a chorar e vi que não valia a pena acabar com a minha vida. Uma música me salvou!
Eu tinha achado tão bonito, foi tanto espanto na época em que ouvi aquilo de uma desconhecida dentro do metrô, mas depois que eu recordei isso com essa luz vinda da frase lá de cima, ficou ainda mais especial!
A outra e última história por hoje me envolve diretamente.
Meus filhos, Bernardo e Júlia, eram pequenos e eu estava com eles num parque, que na verdade era do tamanho de uma praça grande, e eu os levava lá para andarem de bicicleta. A Júlia com rodinhas, o Bernardo já sem.
Durante a semana era bem tranquilo e eu me posicionava num local que bastava girar um pouco o corpo e eu podia ver as crianças no ponto mais distante e logo retornando em suas bicicletinhas.
Num desses dias, uma mulher me parou.
"Oi! Você lembra de mim? - ela indagou sorridente e parecia esperar por uma resposta afirmativa.
Não fiz todos os esforços necessários para lembrar porque eu tinha que estar de olho nas crianças.
Mas, confesso que tentei e nada. Eu realmente não conhecia aquela mulher.
Ela insistia de forma delicada, ela fazia um esforço para que eu me lembrasse.
Então após aquele deserto, sua voz saiu gentil:
- Eu me lembro de você como se fosse hoje; aliás eu nunca vou me esquecer. Você foi tão doce comigo, o tempo todo segurava a minha mão, enxugava o suor do meu rosto e me ajudava a respirar. Você ficou o tempo todo comigo até que meu filho nascesse!
Ah, a maternidade! - eu exclamei mesmo sem me lembrar da mulher à minha frente. Já faz tempo que eu deixei de trabalhar e ainda brinquei com ela para tentar me redimir do fato de continuar a não lembrar. "nossa, mas eu sempre estava de touca e máscara e ainda assim você se lembra de mim?!
"Nunca vou esquecer seus olhos e como você foi importante naquele momento em que eu estava com tanto medo. Obrigada".
Acho que a conversa durou o tempo de uma volta com as bicicletas, quando as crianças retornaram eu já me despedi um tanto sem jeito pela falta da lembrança. Desejei felicidades a ela e a seu filhinho e nossos destinos seguiram seus rumos.
O gesto simples fora meu. Eu havia oferecido um olhar, uma mão, talvez algumas palavras. Era só o meu trabalho.
Em dias de mudança de lua, a cegonha sobrevoava aquela maternidade com voracidade! Vários partos acontecendo ao mesmo tempo. Seria mesmo difícil de me lembrar. Logo após o nascimento, a recém-mamãe já era levada para outra ala.
Um gesto simples, pequeno, marcou aquela pessoa e eu sequer saberia disso, que um olhar e uma mão segurando outra podem ser inesquecíveis!
Pediria para você voltar lá pra cima e ler novamente a frase e pensar nos gestos de simplicidade que você oferece ao mundo, ou os que te ofertaram.
Vou fazer melhor e trazer a frase novamente aqui. Que ela te inspire!
" Servir os outros não tem de ser algo grandioso. Conceder um gesto caloroso a alguém que nós nem sequer conhecemos - digamos, no ônibus - pode fazer diferença tremenda para aquela pessoa. Pode trazê-la para fora de um lugar de profundo isolamento".
Elizabeth Mattis Namgyel