Quando
se mora em grandes centros urbanos, acostuma-se com os ruídos. Uma
questão de sobrevivência.
Tornam-se
conhecidos. Mesmo dentro de um apartamento, no alto, aprendemos a
decifrar ruídos. Horário de entrada de escola mais carros, chuva,
muita buzina, provavelmente semáforos apagados... e assim, mesmo sem
olhar pela janela, os acontecimentos se codificam nos ruídos.
Era
perto da hora do almoço quando um ruído nos sinalizou algo fora dos
padrões conhecidos. Um helicóptero bem próximo, num voo pausado.
Mesmo
difícil de ouvir a nossa televisão, ligamos no noticiário local do
meio-dia.
Na
tela da tv a imagem gerada do helicóptero: uma obra, um prédio, um
operário morto.
Seria
mais um caso como quase todos dos noticiários: morte, morte, morte.
Reconheci
de imediato a construção. Um edifício que abrigará um hospital.
Sim
era mesmo a construção que acompanhamos desde o início. A chegada
das máquinas, o prédio tomando forma e mais do que isso, os
trabalhadores.
Feriados,
noite adentro, lá estavam eles: incansáveis no cansaço disfarçado
dos músculos e suor escorrendo.
Parados
ali em frente à obra, aprendemos sobre cooperação, sobre dons.
O
engenheiro com o projeto debaixo do braço necessitando do dom de
braços fortes para tornar seu papel realidade. A cooperação de
cada um desempenhando o seu papel.
Ali
em frente àquela obra, que simplesmente estava no nosso caminho,
parávamos para aprender sobre a vida.
Ali
conversamos sobre igualdade: não há dom mais importante que outro,
precisamos de todos. O operário sujo, queimado de sol, cheirando a
suor não é menos que o engenheiro, não é menos que a faxineira
que irá trabalhar naquele hospital. É tão igual ao médico, tão
necessário. Infelizmente no nosso planeta as diferenças se fazem em
tantos aspectos...
Esse
operário que nós nunca vimos o rosto, ou talvez tenhamos visto num
horário de almoço onde ele poderia estar sentado na beira da
calçada, morreu.
Um
anônimo que tanto nos ensinou.
Não
sei o porquê, de quê ele morreu. Sei que ele não ganhará uma
biografia com direito a pré-venda.
Sei
que passamos novamente em frente à obra e ali apenas consta em
grande placa o nome dos engenheiros responsáveis.
Não
há flores ou desenhos pelo chão para homenageá-lo.
Lá
dentro, vários trabalhadores anônimos. Disfarçando a tristeza em
seus músculos fortes. Escorrendo suor no lugar das lágrimas.
Queria
um dia passar por uma obra e ver, como num convite de formatura, o nome
de todos que ali trabalham, em ordem alfabética.
O
Anônimo também estaria lá.