quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O homem do código de barras

Eu era adolescente quando ouvi, pela primeira vez na vida, o termo código de barras.
Fazia aulas de inglês duas vezes na semana, à noite. O professor tinha por volta dos 40 anos. Aparentava mais e havia um peso, um cansaço excessivo em sua aparência.
Numa daquelas noites ele nos revelou o motivo de seu desgaste - o trabalho que realizava durante o dia e que nada tinha a ver com aulas de inglês.
Trabalhava com código de barras.

Fez um desenho na lousa, vários risquinhos, tomando o cuidado de deixar uns finos e outros mais grossos e pôs-se a explicar seu árduo trabalho.

Eu sinceramente, não alcancei nada do que ele havia dito.
Comprávamos a grande maioria das coisas na venda do português Antônio.


"Compra um rolo de papel higiênico e três gomos de linguiça"- pedia a minha mãe. "E pede pra ele marcar".
Caneta na orelha para marcar o que a gente levava na caderneta. As contas ele fazia de cabeça.

Tempos depois, no dia seguinte ao pagamento do pai, que religiosamente era no dia 10 de cada mês, a gente ia ao mercado Malena que tinha uma caixa registradora feito essa da foto.
Nunca reparei se havia código de barras no chocolate sensação que eu comprava para durar o mês todo.

A cada aula de inglês, o professor chegava mais exaurido. Eu deduzi que devia ser péssimo trabalho essa coisa de código de barras. 
Ele começou a faltar, saiu da escola e eu ainda não aprendi inglês, embora hoje já saiba um pouco mais sobre código de barras e afirmo que é das coisas mais exaustivas que podem acontecer para nosso cérebro.
Explico:

Em 1976, um supermercado (americano) tinha 9 mil produtos distintos; hoje esse número inflou para 40 mil, embora uma pessoa comum satisfaça de 80% a 85% de suas necessidades num universo de apenas 150 artigos. Isso significa que precisamos ignorar 39 850 artigos em estoque. Estima-se que exista hoje mais de 1 milhão de produtos nos Estados Unidos ( cálculo baseado nas unidades de manutenção de estoque, aqueles pequenos códigos de barras nos produtos que compramos )*

Bem, lá na venda do português devia ter uns noventa itens, no máximo, incluindo os bloquinhos com folha de papel carbono para jogo do bicho...

1 milhão de produtos, milhões de risquinhos de código de barras e isso explica que eu não tô ficando velha, embora sim, esteja.

Marido me disse que eu estava ficando velha quando me recusei a entrar em um local para comprar jornal.
Compro jornal somente aos sábados. Os de domingo têm muito informe publicitário de apartamentos.
Então, num sábado qualquer, saíamos do supermercado quando eu disse que passaríamos na banca de jornal.
No andar térreo do supermercado há uma sequencia de pequenas lojas e entre elas uma que vende jornais, mas eu me recuso a entrar lá.

Antigamente havia somente revistas, o que já é um exagero de publicações, jornais, balas e gomas de mascar. Foi vendida e a nova proprietária conseguiu colocar naquele espaço minúsculo, um milhão de novos itens.
Há pesos para porta, lingerie, perfumes, brinquedos piscantes e barulhentos que ficam funcionando, girando pelo meio do caminho, ou seja, lá eu não entro, fico tonta naquele lugar; prefiro andar mais e ir até uma banca de jornal convencional.

A neurociência veio em meu socorro explicar esse meu mal estar.

Há um relato num livro em que um professor encontra sua melhor aluna um tanto exasperada. Ela é uma imigrante e ele acha, a princípio que é todo o fato da adaptação a uma nova cultura que a deixou assim.
Ela diz:

"Mas hoje é o quarto dia que venho à livraria. Olha só! Toda uma fileira de canetas. Na Romênia tínhamos três tipos. E muitas vezes havia escassez: nenhuma caneta. Nos Estados Unidos existem mais de cinquenta tipos diferentes. De qual delas eu preciso para a aula de biologia? E para a de poesia? Será que quero uma de ponta de feltro, de tinta, gel, cartucho, apagável? Esferográfica, ponta fina, rollerball? Estou há uma hora aqui lendo etiquetas."

Os cientistas descobriram que todo esse processo de decidir, escolher, selecionar, optar por um item e ignorar os demais, tem um custo para nosso cérebro. Processar toda essa informação cansa.
E para nosso cérebro não há prioridades. É como se você tivesse uma cota diária para ser usada. Parece "bobo" decidir com qual roupa você irá trabalhar, qual caminho fazer hoje e se usa a caneta de ponta fina ou grossa. Isso causa um cansaço em nosso cérebro e quando lá no final da tarde temos que tomar uma decisão importante, nossa capacidade já está comprometida.
Então não é preciso dizer que logo pela manhã escolher qual vídeo assistir no facebook, quais fotos curtir, ou curtir todas, enfrentar cinquenta marcas novas de shampoo. E as notícias então?

Aquele homem que trabalhava com códigos de barras e mais parecia carregar barras de ferro nas costas, tem meu apreço.

Gosto de pensar que agora que ele resolveu tornar os tais códigos mais leves, bonitos, suaves e poéticos.
Gosto de imaginá-lo criando códigos assim:



4 comentários:

  1. Boa noite, querida Ana Paula!
    Também gosto de mais simplicidade e seria ótimo que tudo girasse em torno do mais simples para facitar nossa vida...
    Códigos sofisticados dão nos nervos...
    Recordei-me das equações do ginásio ao ler seu post... rs... um horror mas resolvi-as, era imbatível nisso porque tinha que estudar por não gostar!
    Matemática seria o avesso do Português? Hum! Um caso a se pensar... Incógnita sobre incógnita...
    Bjm muito fraterno
    P.S. Ah! Sobre as máquinas, me recordo da que nos mostrou mas, nas vendinhas do interior de um Estado que ainda frequento em algumas ocasiões de férias, já é tudo com cartão de débito ou crédito também, rs... mudança da modernidade... a gente se preocupa mais em não extrapolar os cartões do que com os códigos, creio...

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  2. Olá Ana bom dia.
    Viajei na tua crônica, me encontreie encantei, fiz pausas para lembrar a budega onde comprávamos, só tinha um tipo de bolacha, de arroz, poucas coisas nem era preciso escolher. Hoje a gente perde tempo e vida escolhendo pela marca, pelo preço, pelo sabor, pela embalagem, pelos brindes, pelas promoções. Haja custo ao nosso cérebro.
    E sabe que em saber que vc fica tonta ao entrar em lugares cheios de coisas como a loja citada, esses dias fui à cidade vizinha com minha mãe e estávamos em busca de um secador, entramos numa loja, tinha mil e um sobre ions, com cores variadas, wolts afins, saímos para ver outra , tinha tanto móvel aglomerado que me deu aflição e descobri que eu nãos ei andar entre lojas cheias de móveis, parece que me prendem, que vou bater em algo. Que sejamos mais simples

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  3. Muito interessante... a vida tem mesmo certas mudanças.

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  4. Você é uma poeta!
    Que lindo seu código de barras...
    É verdade isso que disse, o cérebro tem uma quantidade finita de informações que suporta por dia...e hoje estamos bombardeando-o com excessos de todo o lado.
    Isso cansa...
    Sabia que há alguns anos existe um movimento chamado minimalismo, em que se busca não apenas consumir menos e ter menos desperdício, mas reduzir o excesso de estímulos? É bem interessante, eles removem até os rótulos dos shampoos, cosméticos produtos de limpeza e etc, marcando com uma caneta permanente apenas o nome e o prazo de validade para reduzir a quantidade de estímulos. Mas não é só isso é toda uma filosofia de vida...
    Bjs

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