quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Comi a gentileza

Gentileza é daquelas palavras boas que deveriam ser escritas como se fosse uma boquinha sorrindo :)
O que muita gente fazia antes quietinho, no anonimato, em tempos de web ficou ainda melhor porque é um fazendo e incentivando e vamos sendo contagiados em espalhar gentilezas.
Isso é maravilhoso!
A gente vai de bom dia sorridente ao porteiro, ao professor ao desconhecido na rua.
A gente carrega sacola pesada para a senhorinha.
Ajuda a mãe a acudir um esfolado no joelho de criança.
E, de repente, é a gente mesmo que está recebendo as gentilezas espalhadas de volta!

Foi assim que o interfone tocou por aqui. Desliguei o fogo da panela e atendi.
"Oi, aqui é a Sabrina mãe do Caio eu queria falar com a Ana Paula mãe do Bernardo.
Oi, sou eu.
Então... sabe, o Caio...
Ah claro, aceito sim. Nossa que coisa boa! Muito obrigada mesmo!"

Sabrina perguntou se eu aceitaria uniforme escolar que não servia mais no filho dela para os meus. Claro que aceitei e também disse que viriam uns livros de leitura dos anos anteriores do filho e poderiam ser usados pela Júlia. Melhor impossível!
Eu sinto falta dessa rede de passa e repassa entre primos, irmãos mais velhos para os mais novos, vizinhos, enfim, a Sabrina trouxe a alegria dessa rede!

Não demorou muito e duas sacolas imensas estavam aqui no meio da sala.
Tinha muito mais do que ela havia dito. Muitos livros infantis, juvenis, os uniformes. Quanta gentileza que ela nos fez feliz!

Voltei à minha panela, que eu havia desligado o fogo quando o interfone tocou e por sorte já estava pronto meu arroz-doce. Remexi e ao desprender aquele gostoso aroma, ocorreu-me a ideia: vou retribuir a gentileza levando arroz-doce para a Sabrina!



Não se iludam, vamos à realidade: eu não sou essa pessoa linda cheia de potinhos fofos.
Por acaso eu tinha guardado um potinho que comprei com cogumelos. Por acaso eu tinha comprado um potão de doce de nata suíça que custa tão caro que eles puseram um chapeuzinho xadrez para amenizar a coisa.
Então o que eu fiz foi somente ferver o potinho, arrancar a touca do potão, pegar um papelzinho recortado pela filha e escrever, porque adoro escrever cardamomo: Arroz-doce perfumado com cardamomo!

Chamei a minha filha e descemos para o apartamento da Sabrina. Ninguém atendeu.
Achei melhor assim, pois o arroz-doce ainda estava quente e eu, não sei ela, mas eu prefiro geladinho.
Pus na geladeira.
Dia seguinte, pela desci, bati novamente na porta dela. Em vão.
Tirei a touca e o papel e pus na geladeira de volta.
Tentei de tarde. Nada.
Perguntei para a filha que estava apressada já na porta do elevador como eu fazia para interfonar para lá, cada torre tem um número na frente, uma confusão, enfim.

Ao cair da tarde, já quase noitinha, interfonei.
Foi uma mulher que atendeu e ficou com voz estranha. Ela me disse que a Sabrina não estava ( ou foi isso que eu ouvi ) e eu pedi-lhe um favor - deixaria o pote com ela e ela entregaria para a Sabrina. Com uma voz enfraquecida ela concordou.

Desci lá com o pote de touca, toquei e nada.
Subi e contei para a filha a minha estranheza.

"Poxa, tá estranho isso, eu interfonei quem atendeu foi uma tal de Adriana e eu pedi o favor de...

Mãe do céu que número você ligou?
Que mico mãe. Você ligou pro apartamento errado. Você falou com a mãe da Marianinha. E agora, elas me conhecem, elas vão achar estranho toda essa história de potinho...

Calma, calma, eu não disse meu nome, muito menos o seu. Quer que eu arrume essa situação? A gente vai lá no apartamento da Marianinha pede desculpa pra mãe dela, diz que eu me confundi e damos o arroz-doce pra ela; a mãe dela me pareceu fraquinha...

Nem pensar, que vergonha, que mico."

Fiquei triste segurando minha gentileza na mão.
Gentileza na geladeira por mais de três dias não é bom.
Tirei a touca, abri o pote e comi a gentileza.

Nossa gente, como faz bem comer uma gentileza!
Fiquei tão feliz!

20 comentários:

  1. Que ternura e doçura te ler! Fiquei imaginando mil coisas com a mãe do Caio...Teria ela viajado? Mudado de casa em tão pouco tempo?

    De qualquer forma, tua parte foi feita e a gentileza valeu...Tu foste obrigada a comê-la, mas valeu e com certeza, ficaste ainda mais carregadinha e recheada dela e de bons pensamentos. Valeu muito! ADOREI! beijos, tuuuuuuuuuudo de bom ,chica ( esses adolescentes e os micos,rs)

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  2. Morri de rir!
    Passada a gargalhada, com vontade de arroz doce que prefriro monrninho, com bem canela, fiquei aqui pensando nessa tal de nata suíça. A que conheço é brasileira mesmo, baiana para ser bem exata, retirada do leite de saquinho fervido, passada em cima de bolachas cream cracker, salpicadando açúcar por cima e devoradando na minha infância que desconhecia iguaria melhor.

    Curiosa fiquei com o sumiço da moça gentil (faz tentativa 2 de levar algo e conta pra gente).
    Isso de fardas, casacos, livros que são (eram) passados em família e amigos, pq não, esse levar a vasilha e receber cheia de volta de preferência rsrs, os bilhetes, o sair das redes anti-sociais e socializar face a face, coração a coração. É do meu agrado!

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  3. Que gracinha de texto. Adorei.
    Outrora as pessoas eram assim gentis, mas agora, pelo menos aqui na minha zona, quando tentamos gentilmente ajudar alguém, olham-nos com tal desconfiança que nos dá logo vontade de virar costas.
    Um abraço

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  4. Muito bom te ler e ver como vc consegue fazer tão ternas as situações usando as palavras. Falta mesmo gentileza, mas ainda se salva as pequenas delicadezas que vemos, pela internet e perto de casa. sabe que aqui é costume passar as roupas, as de Alice vai para Hadassa, que vai para Ester a prima, os do primo Amós para outros primos, pijamas, e calçados, nada se perde, agora os livros eu morro de medo de desapegar, leio para todos mas não consigo desapegar, pq preciso para as aulas tbm hehehe
    Tem novidade vc vai gostar, pq é poeta de mão cheia

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  5. Boa Tarde, querida Ana Paula!
    Demorei a passar pois estou no ES e fiquei prisioneira da greve como todo povo daqui...
    Gentileza faz tanto bem ao nosso coração que rejuvenescemos até...
    Gosto dessas delicadezas infinitas e doces...
    Bjm muito fraterno

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  6. Que legal, Ana Paula rsrsrsrrs !!!
    Você comeu a gentileza, o "mico" e, assim, resolveu a questão sem estresse.
    Poderia ter mandado a gentileza por Sedex... adoro arroz doce...

    Abração
    Jan

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  7. Gente, parece cena de novela. Você querendo ser gentil e nada de conseguir. Ainda bem que comeu logo a gentileza, se não ia estragar mesmo. Tenta depois fazer outra e entrega!
    Beijos
    Adriana

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  8. Adorei sua forma bem descontraída de ilustrar as coisas.
    Gentilezas abrem portas e faz toda a diferença.

    bjokas =)

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  9. Oi Ana Paula
    Também adoro essa rede de amizade e ajuda...
    Que pena, não deu para entregar o doce para a Sabrina....mas valeu a intenção!
    Bjs

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  10. Tuas narrativas são sempre ternas, Ana,e, mesmo vc comendo a gentileza não diminui o gesto.Sou super a favor dessas redes gentis e creio na corrente benéfica que estabelecem.Trocas afetuosas realçam a vida.

    Bjkas,
    Calu

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  11. E eu fiquei com a vontade de comer este arroz doce!
    Adorei a história de gratidão, respeito e amizade, lindo ensinar!
    Beijos!!!
    CamomilaRosa

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  12. Foi um gosto ler este texto. A gentileza é realmente uma coisa muito importante, que leva a partilhar com os outros uma afeição tão necessária. E depois isso é retribuído o que faz o mundo ser melhor...
    Uma boa semana.
    Beijos.

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  13. Ana Paula, eu acho que nos conhecemos, lá atrás, lá muito atrás. Será?
    Não importa!
    Adorei o seu texto. Eu gosto de doar, gosto de receber doações e fico imensamente grata nas duas situações.
    Amaria comer o seu arroz doce.
    Beijinhos da Nina

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  14. Que gostoso saber que ainda há esperança para a humanidade. Gentileza gera gentileza: vamos fazer a corrente do bem!
    Bj e fk c Deus
    Nana
    http://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com

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  15. Oi, Ana, como vai?
    Ri muito com o final da história, kkk... já dizia o ditado, "o que vale é a intenção", kkkk!
    Eu concordo contigo, divulgar gentileza é bom, não para inflar o ego, mas para estimular outras pessoas a terem ideias generosas. É bom e necessário!
    Eu também "herdei" uniformes, livros, roupas, de irmão, primos, e nem por isso tornou-se uma vergonha pra mim, ao contrário - é politicamente correto! Hoje é out quem pensa que para ser bambambam precisa estar com tudo zerado e da melhor marca! Que bom que os tempos mudaram!
    Menina, fiquei eu com vontade de comer arroz-doce, eu tenho uma receita facílima que fica ótima: Cozinha uma xícara de arroz em 1 litro de água com um pauzinho de canela se gostar. É bastante água mesmo, pro arroz ficar bem molinho. Quando estiver quase seco, coloca 1 leite condensado e... voilá! Delicioso! Se gostar mais doce é só colocar um pouco de açúcar! ;)
    Abraços!

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  16. Ana Paula, que encanto de texto! Muito tempo sem passar nos blogs, agora vou ler mais posts seus, que são sempre bons demais!
    Seu livro fica na minha mesa de cabeceira e sempre estou lendo uma ou outra crônica.
    Beijo!

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  17. Meu Deus!!!
    Que delícia ler seu texto! Conforme fui lendo imaginei tantas coisas... mas pelo título comecei a desconfiar o que iria acontecer!
    Essas pequenas gentilezas inundam nosso coração de amor, gosto muito de oferece-las. Grande abraço e um lindo finalzinho de tarde pra ti!

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  18. lendo esse post, lembrei, que ontem comentei com uma amiga, que deixei de roer as unhas, com uma espécie de base, com um péssimo sabor, dai ela disse que também roer as unhas, e eu ofereci o resto da base a ela, visto que perdi esse péssimo habito.
    pois è gentileza gera gentileza

    baci


    blog de decoração

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  19. Também gosto de repassar o que não uso e ainda pode de útil, da mesma forma que me alegro quando recebo.
    Gentileza sempre faz bonito.
    Gosto de arroz doce ainda quente, com açúcar queimado e canela por cima, como minha mãe fazia.
    Um abraço,
    Sônia


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  20. Não conhecia seu Kantinho, andei por aí e me enkantei! bj

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