A todo o momento temos que aprender palavras novas. Não palavras que já existiam nos dicionários, são palavras novas realmente, que antes não existiam e passaram a existir por conta dos novos tempos, novas tecnologias, maneiras de pensar e se expressar.
Pós-verdade é uma dessas novas palavras. Já absorvemos blogs, face, insta, selfie.
Muitas vezes porém, vamos nos esquecendo de algumas palavras ou lembrando só parte do seu significado.
E é aí que entra a palavra que dá o título a esse texto.
Espanto.
Medo, sobressalto, terror, susto.
Indignação ( inclinada para um certo negativismo ).
A parte esquecida, talvez, seja o maravilhar-se.
Espanto é sinônimo também de maravilhar-se.
Então quero lhes contar uma história de espanto.
Começo a história pelo seu final, pela cena final.
Na rua, na calçada, no passeio público, duas malas escolares esquecidas ( possuem alça e rodinhas ).
Vários metros à frente, um carro freia bruscamente. É uma via de mão única, e no horário escolar, muito movimentada o que impediu uma marcha a ré. Pisca-alerta acionado, a motorista sai em disparada. Posiciona as malas, faz um giro com seu corpo, puxa as alças suspendendo-as e volta em direção ao carro. Corre um tanto descompassada pelo incômodo de puxar ambas malas ao mesmo tempo. Abre o porta-malas e logo sai apressada. É preciso compensar os minutos deixados ali em toda essa manobra.
Começo da história:
No ano passado, durante as saídas matinais com meu cachorro, uma alegre mãe com seu filho, interrompiam por alguns segundos os passos ligeiros para um aceno, uma palavra de carinho dirigida ao peludo.
Não demorou muito para eu saber que ela vinha a pé de outro bairro para levar o filho à escola.
Fiquei indignada com a distância e ela, bem humorada me disse fazer bem caminhar e que gostava.
Tempos depois anunciou-me que se mudaria ali, para bem perto.
Mostrei-lhe o prédio no qual moramos.
Seremos vizinhas de prédio então - ela disse sorridente - e você vai conhecer meu coelho!
Nesses rápidos encontros não era possível se estender. Muitas frases eram ditas já com as pernas em caminhada.
Vieram as férias escolares e nunca mais encontramos a simpática mulher que nem o nome eu sabia.
Certa manhã, eu saí do prédio com o cachorro e dei de cara com ela parada ali rodeada de crianças. Segurava um coelho no colo.
Apenas acenei, pois meu cão começou a latir, sinalizando não ter muita afinidade com coelhos.
Bem, não era um coelho comum, pelo menos dos que eu conheço, de pelo curtinho. Era um coelho parecido com um gato angorá, muito, muito peludo. Uma mescla de cinza e branco que se destacava ainda mais perante o vermelho da coleira. Sim, é um coelho que anda de coleira!
Fiz a volta habitual com meu cachorro e já retornando, mas ainda distante pude vê-la no mesmo lugar, agora com apenas duas crianças a rodear-lhe.
Demorei-me pois o cão vai e volta se enfronhando, parando a cada passo para cheirar.
Nessa demora, vi a cena final acontecendo: as crianças aguardavam a carona ali na calçada.
A mulher com o coelho parecido com uma nuvem fofinha a sestear, causou espanto nas crianças. Ficaram ali a perguntar, a acariciar o animalzinho.
Espanto faz isso mesmo, um encantamento tão arrebatador que malas, mochilas são facilmente esquecidos.
Vi as crianças entrando no carro, o coelho a saltitar de volta para a casa, as malas ficando ali esquecidas.
Sorri. Pensei em recolher as malas e pedir ao porteiro que as guardasse.
Nem foi preciso. Vi o carro parando bruscamente, o pisca-alerta acionado...
Voltei daquela manhã lembrando-me da bela fala, do ensinamento, do sonho de Rubem Alves de que precisamos, sempre vamos precisar, de professores de espanto.
E então, vamos nos espantar mais?!
Toda poesia e inspiração só se dá pelo espanto. Amei o texto
ResponderExcluirQue lindo ESPANTO esse! Realmente uma cena que não vemos todos os dias e que nos encanta espantosamente... Vale muito e tomara saibamos VER e PERCEBER essas cenas que se desenrolam diante de nossos dias e que não as deveríamos perder... bjs, tudo de bom, adorei ler! chica
ResponderExcluirMeu espanto foi igualzinho a este, só troca as mochilas por um amigo. Atrasado para o horário do vôo, o marido pegou o amigo em sua casa. Quando escutou o barulho da porta sendo fechada ele acelerou. Mas era o porta malas e quando olhamos a pessoa, desesperada, acenava loucamente e gritava, chamando a nossa atenção.
ResponderExcluirFui lendo os seus post e quero dizer que não abandonei vocês. Confesso que o meu blog está funcionando no modo automático e ultimamente eu "comi a gentileza" e não deixo nenhum comentário. A falta de tempo, o IG Bordados e Bordadeira dá um pouco de trabalho, uma nova etapa de tratamento, a mudança de apto, etc.etc. Justificam, mas não deveria ser assim. Mas se um dia BH estiver na sua rota eu ficaria muito feliz com a sua visita. Um grande abraço.
Uma palavra que pode ter mais sentidos Ana
ResponderExcluirGosto muito do maravilhar-se! Gostaria de me espantar sempre com cenas parecidas com as do texto .
Existe um outro'espanto' _quando lemos no noticiário atitudes de espantar _ ficar com medo mesmo.ter raiva, revoltar-se.Imaginemos o cenário politico, a violência urbana , a ganância dos empresários e veja se nao estou certa rs 'um verdadeiro 'espanto' não querendo acreditar.
Adorei o texto APaula
Vamos sim nos espantar! Esse tipo de espanto que você conta é o melhor de se ter! Que texto maravilhoso e que história maravilhosa para se ler assim meio tarde da noite nessas horas insones...
ResponderExcluirAdorei ler...eu me espanto sempre, adoro esse tipo de olhar.
ResponderExcluirAbraço!
Adorei o texto!
ResponderExcluirQue lindo Ana Paula!
ResponderExcluirQuero espantar-me assim sempre...
Bjs
Um texto muito bom, Ana Paula. Se temos a capacidade de nos espantarmos é porque apreciamos a vida e tudo o que nos cerca...
ResponderExcluirUma boa semana.
Beijos.
Interessante Ana suas observações e ilustração sobre estes comportamentos.
ResponderExcluirQue o espanto seja o de maravilhar-se e assim se deixar levar poesia.
Meu terno abraço.
Bjs