Na minha infância, eu era rica aos domingos. Somente aos domingos, eu, rica.
Nos demais dias da semana, mamãe fazia verdadeiros malabarismos para esticar o dinheiro da mistura, e claro, no começo de nossa riqueza, aos domingos, ela chegou a implicar, mas se rendeu à nossa nobreza.
Não sei bem como começou, como exatamente eu fiquei rica no primeiro dia da semana, que, em criança eu jurava ser o último dos sete dias.
Mamãe, nunca ia conosco. Era um ritual de pai e filha. Logo cedo, ele me colocava no carro, que aliás, só saía da garagem também aos domingos. Eu me ajeitava no carro, por muitos anos, fuscas, cores variadas, bem depois, veio a brasília.
Mas, acomodada num dos fuscas de papai, eu abria o quebra-vento e deslizava alegremente pela imensa descida e depois outra imensa subida, em direção ao bairro vizinho ao nosso.
Entrar logo cedo, de mãos dadas com papai na bonita padaria com espremedor elétrico para as laranjas, vitrines amplas para os mais diversos pães e ouvir papai pedir orgulhoso - presunto gordo, que a menina gosta - ah... era um deleite.
O pão de lá era tão diferente da venda a uma quadra de casa, a venda do seu Joaquim.
Bengala era tudo o que o seu Joaquim tinha a nos oferecer, com a variante de ser bengala inteira ou meia bengala.
Já na grandiosa padaria, o pão chamava-se carequinha - comprido, estreito, sempre alvo. Parecia mesmo ter sido moldado para caber o presunto gordo, ou as gordas fatias de queijo fresco e goiabada que papai também levava para casa.
Extravagância era o vocabulário que mamãe usava ao nos ver colocar tantos itens em cima da mesa, aguardando apenas o seu café, passado em coador de pano.
O chocolate, adquirido no momento do pagamento, eu guardava para a sobremesa do almoço. Mesmo sendo chocolate, não me causava boa sensação degustá-lo ao café da manhã. O nome do chocolate, que coincidência, também era sensação!
Desembrulhar a rosca doce e redonda, era uma alegria e já uma nostalgia - nada sobraria; domingo à tarde sempre chegava visita em casa e eu já me antevia caminhando na segunda-feira para a venda do seu Joaquim a comprar meia bengala e besuntar margarina doriana, que sempre quis fazer-lhe uma caretinha como a das propagandas e meus olhos nunca saíam redondinhos.
O leite tipo B, tinha um sabor especial misturado no café de mamãe.
A mesa estava farta, e eu nem me importava com o chão de "vermelhão" que registrava a nossa não-riqueza.
Aos domingos, até o brilho da cera vermelha ficava mais bonito, afinal, eu era rica aos domingos!
Que riqueza poder te ler ,Ana Paula! Até essa cera vermelha lembraste? E quem não lembra?
ResponderExcluirQue lindas as recordações do dia de riqueza...Padarias sempre me encantaram e sinto até hoje o cheirinho diferente e especial daquelas lá do Rio . E também dos pacotinhos do pão, ou docinhos, embalados e bem amarradonhos, ainda que com barbante...
Coisas que nos marcaram. Tu faz a todos nós reviver as lembranças!
ADOREI! E que boa e tão legal lembranças assim, na maior simplicidade e tão ricas de doces memórias!
Lindo carnaval pra todos vocês! beijos, chica
Um texto lindíssimo a lembrar os domingos da infância em que tudo tinha sabor e cheiro e gosto… Coisas que ficam para a vida toda.
ResponderExcluirUma boa semana.
Um beijo.
Boa tarde de algrias e paz, querida amiga Ana Paula!
ResponderExcluirLi ontem, mas só comento hoje, com calma que o post merece.
Eu também era rica e nem sabia... rs...
Pois é, amiga, aos domingos era dias de festa linda sem data especial. Toda a família se reunia ao redor da mesa com tios, primos e avó. Familia grande e vó acamada; sendo assim, todos iam para a casa da infância minha.
Coisas gostosas, em todos sentidos. Na adolescência, eu era a responsável pela macarronda pois meu molho, segundo diziam, era bom.
Morava bem em fretne à padaria e sempr comprava pães. Tenho afeto por padarias e deve ser de lá...
Sabe quem encerava o chão de vemelhão? Euzinha aqui... como a gata borralheira nos dias de sábado...
Senti até o cheirinho da bendita cera... tínhamos enceradeira nuam certa altura e ficou mais fácil, até a varanda eu encerava e deixava brilhando.
Enfim, seu post ficou um primor e, com seus altos e baixos entre infância feliz e adolescencia mais delicada, revivi por aqui bons momentos, querida.
Obrigada por trazer à tona lembranças dos velhos tempos já idos.
Tenha dias felizes e abençoados!
Bjm carinhoso e faterno de paz e bem
Ana, como são preciosas as lembranças de uma linda infância.
ResponderExcluirE os detalhes estão sempre no cuidar, nas ações das pessoas, e uma pitada de coisas boa de comer que remetem nossa lembrança, porque os cinco sentidos parecem ter memória própria... O paladar, a visão, enfim, tudo confirma as boas lembranças da infância.
Que texto maravilhoso, emocionante e tocante.
A infância é uma preciosidade, ah se as crianças adultas se lembrassem disso...
Ana, linda recordação que merece registro mesmo...
Beijos
Ju
Que texto lindo! Eu vivi muitos dias ricos aos domingos, e me tempos de festas como páscoa, padroeiro onde até hoje por aqui se preparam um vestido novo, um almoço diferente, bolos feitos em comunidade, dias ricos de alegria.
ResponderExcluirLindo texto! Vivi também muitos domingos ricos, um almoço especial. E lembro também de quando se reuniam a família a fazer bolos, comida de milho, muita fartura. Dias ricos de alegria
ResponderExcluirOlá bela Ana Paula,
ResponderExcluirlembranças assim, são um tesouro. Devem ser guardadas como cristal.
Achei linda sua história! Posso te dizer que, com todo sua pobreza durante a semana,
você era rica comparada de mim.
Nunca tive carro. Até hoje não tenho.
Tomar café em padaria, nem pensar!
Roupas, eu sempre usei as que não cabiam mais em minhas irmãs.
Sou a mais nova.
Comia pão, roscas e outras delícias caseiras, pois minha avó preparava tudo.
Mas em minha casa, a pobreza era o ano inteiro.
Mas tenho uma saudade imensa de tudo!
Beijo.
Bom dia, Ana!
ResponderExcluirQue post gostoso de ler, através dele percebi que na minha infância também era rica aos domingos. Dia de macarronada com frango e refrigerente, as vezes eu e os irmão reclamávamos,mas hoje sinto uma vontade tão grande daquele tempero e sabor que só minha mãe conseguia dar.
Que saudade da minha riqueza de domingo.
Um abraço e obrigada por me despertar doces lembranças, através das suas.
Sônia