segunda-feira, 22 de julho de 2013
Um lápis cotoco
Estava caído no chão.
Titubeei, confesso.
Num rompante ele estava dentro de meu bolso.
E repentinamente, deixou de ser um lápis para ser ponte e eu seguindo pela ponte cheguei até os bolsos do paletó de meu pai.
Paletó azul escuro. Pesado. Muito pesado. Motivo de muitas desavenças entre ele e mamãe.
Quinquilharias miúdas recolhidas em sua maioria do chão povoavam os compartimentos de tecido. Vez por outra mudavam para a caixa de ferramentas.
Eu só ouso falar os nomes mais fáceis e comuns: porcas e parafusos.
Havia mais, muito mais. Tenho vaga lembrança de um lápis como este, só que vermelho, já cotoco.
Demorei vários solstícios para compreender que todo aquele peso que meu pai carregava em seu corpo era afeto.
Bolsos pesados de afeto.
"Seu Zé, o portãozinho de madeira está caindo".
Mão no bolso e elegantemente o portãozinho ficava empertigado.
Era assim que José Augusto distribuía seu afeto.
O olhar pousava em uma bugiganga acho que imaginando sua serventia. Ia pro bolso.
O lápis do qual eu me lembro, ponta feita na faca, ficava apoiado na orelha. Riscava alguma tábua para que a furadeira não errasse o endereço do furo a ser feito.
Retornando por esta mesma ponte, lembrei de alguém que já escreveu por estes planetas virtuais que gosta tanto de escrever e tem preferência por lápis cotoco. Gosta também de lápis de marceneiro, carpinteiro, pedreiro. Este mesmo aí de cima.
Talvez um dia eu o coloque numa caixinha e envie pelo correio para esta pessoa. Assim mesmo feio, descascado.
Porque agora sei que afeto não é só um objeto lindo, cheirando a novo.
Um lápis quadrado, de pedreiro, marcineiro, tão usado, tão surrado deve ter muita poesia, muitas histórias dentro dele.
Obrigada papai por me ensinar.
Uma curiosidade: vocês sabem por que o lápis de pedreiro/marcineiro é quadrado?
Além de ser mais reforçado, quando se está trabalhando num telhado, o lápis não pode cair. Os redondos são mais propensos a rolar e cair!
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Que linda viagem fizeste ao encontrar esse cotoco de lápis! Lindo lembrar das coisas do teu pai...
ResponderExcluirMuito bom te ler! bjs praianos,chica
Nossa, esse lápis cotoco foi um verdadeiro baú de recordações! Amei a ponte que ele criou entre você e seu pai, com as lindas recordações aqui compartilhadas... Fiquei aqui imaginando o Seu Zé, e acho que conheço em minha casa alguém que se parece com ele: meu filho Gabriel, que se declara inventor aos 6 anos, para quem qualquer coisa é ferramenta, instrumento de trabalho para as mais diversas construções. Tenho a impressão de que, como o Seu Zé, ele será alguém com 'bolsos pesados de afeto'.
ResponderExcluirLindo post, Ana! Beijos meus.
Ana Paula, nem vou dizer que o meu pai era exatamente igual. Seus bolsos eram tais qual um "almoxarifado" de manutenção, kkk!
ResponderExcluirSe tivesse uma torneira pingando, ele tirava do bolso um pedacinho de corda, enrolava na rosca do cano, passava (tinta) zarcão, colocava o cano e parava o vazamento. Eu ficava vidrado com aquilo. Meu pai, apesar de bancário, se tornava um arquiteto se tivesse um pedaço de arame nas mãos.
Hoje eu sou tal e qual. Sou o faz tudo e adoro ser assim. Já me apaixonei pelo jeitão desse lápis da postagem, kkk!
Isso chama-se CRIATIVIDADE. Aos poucos vai acabando isso porque hoje em dia temos tudo pronto. Olhamos para qualquer coisa e não conseguimos imaginar como e para que aquilo foi idealizado. Enfim...é o "progréssio da vida moderna"!
Beijo
Manoel - Blog do Óbvio
PS: Muito feliz por seus comentários lá!
Será que todos os pais da nossa geração guardam tafntas tranqueiras "afetuosas"[como diz você]? Meu pai guardava tudo, e quando precisava esparramava a quinquilharia sobre um balção e procurava o que queria. Às vezes o serviço que ele executava ficava horrível, mas ao menos servia.
ResponderExcluirCada coisa tem sua história e realmente certos objetos fazem pontes e evocam saudades e até uma certa nostalgia.
Bjkas doces
Uma linda declaração de amor, assim é o seu texto. E fico pensando se percebemos como os pequenos gestos e atitudes são capazes de marcar tanto os que estão ao nosso redor.
ResponderExcluirbom dia Ana! que lindo esse seu momento homenagem ao sr José Augusto.
ResponderExcluirAliás um lindo nome!
Tem pessoas que são assim, carregadas de boas intenções e planos.
Meu marido era um desses, vivia "catando" coisas e guardando. Quando eu ralhava ele dizia: um dia pode servir para alguma coisa.
E o pior é que servia mesmo e eu ficava com cara de ué!
Um bom dia para voce, com muita chuva por aqui, mas é bom para espantar o pó!
beijos
Tua crônica está absurdamente linda. Lembrei-me de meu pai, serralheiro, que também carregava lápis parecidos...
ResponderExcluirNossa Ana Paula, a sua mente viaja mesmo heim... que belas lembranças um lápis pode trazer. Mas é verdade, se o cheiro de algo nos trazem tantas recordações, um objetopode nos fazer lembrar de coisas que pareciam esquecidas. Bom ler suas memórias.
ResponderExcluirBeijos!
Se meu pai não fosse quase uma árvore com raízes que não sai de casa e se um dia você tivesse morado na Bahia, diria que somos irmãs e que descobri que seus antepassados não são italianos e sim espanhóis...rsrsrs
ResponderExcluirPorcas e parafusos era o que mais ele pegava e eu pegava para ele e lápis achatados, de pontas quadradas, vermelhos é para mim, assim como durepóxi, a cara dele para mim.
As pontas sempre feitas com a faquinha de descascar verduras ou gilete, daquelas usadas no barbeador antigo ou estilete.
Concertar coisas, ser apanhador de desperdícios, esse é meu pai e era o seu e o do Manoel e a cara metade da reclamona da Inani e Manoel de Barros, nosso pai poeta.
Receber esse cotoquinho para a tal pessoa, vai ser uma delicia, ele vai ir para o baú de pequenas grandes coisinhas que ela guarda com carinho, como a peninha do passarinho da família, colada com durex em uma folha de papel quadradinha, o passarinho viveu, cantou e encantou desde a infância do irmão a do filho, se chamava biquinho e debaixo do pé de folhas de louro ela enterrou o amiguinho.
Tem o barbeador dos de colocar gilete dentro que o marido disse que era do avô, tem uma moeda raspada no asfalto pelo marido, ao achar no chão e lhe dizer: "vou te pedir daqui a dez anos essa moeda". Não pediu, lá se vão mais de dez anos e ela está aqui e nós tb.
Tem um cópia do documento de identidade do avó dela, tem um cotoco de borracha, tipo uma bolinha, que foi uma borracha de dois lados, um para lápis outro para caneta e que ela escondia sob potes para o filho cotoquinho descobrir onde estava.
A brincadeira ficou ainda mais famosa qd ele começou a pedir a borrachinha e a mãe dela, lhe dava uma ponteira de lápis que é uma cabeça de cangaceiro, dizendo: Se eu não achara borrachinha, serve o cangaceiro? Muitos risos, sempre.
Serviu para me emocionar sua postagem, para desejar esse cotoco amarelinho ai da foto e começar quem sabe uma coleção de cotocos, em um estojo de madeira velho que meu pai deve ter em suas coisas, vou pedir a um e outro por quem tenho apreço que me mandem um cotoco, para eu ter um muitas ferramentas de escrita já cheias de histórias para contar e contar ainda muitas outras e como herança deixar.
Oi Ana Paula!
ResponderExcluirEmocionada fiquei ao te ler agora...
A melhor lembrança que a gente pode guardar daqueles que amamos são as expressões e o olhar. E você falou tão lindo do olhar do seu.
E as atitudes são tão marcantes, né?
Lindo!!!
Beijos!
Selma
É genial como um lápis tão pequeno permite uma viagem assim tão grande.
ResponderExcluirPois é Ana Paula, a gente não para de aprender... Conheço bem esse lápis mas não sabia porque era quadrado mas sempre achei isto curioso.
ResponderExcluirQue lindo jeito seu pai tinha de ser "ecologicamente correto" e carinhosamente atencioso, além de generoso...
belíssimo post.
Bjs
Vania
Pela ponte... Que post tocante este, Ana. Beijos pra voce e uma boa noite.
ResponderExcluirAna Paula,que delícia de ler fiquei emocionada!Lembrei do meu velho pai que trabalhava com carpintaria e usava um lápis vermelho quadrado atrás da orelha.
ResponderExcluirEle fazia banquinhos e mesinhas para eu e minha irmã brincar de casinha.
Amiga, emocionei!!
Beijos
Amara
Oi Ana
ResponderExcluirNesta sua ponte atravessei só peguei outra bifurcação, lembrei da escola e dos meus lápis apontados a faca, as pontinhas perfeitas para escrever. Nossa foi uma viajem muito boa, sabe que tenho este costume de achar coisas perdidas e guardar para mais tarde usar.
Um sonho de post, amei.
Tenha um dia super especial. Beijos
Que lindo texto, que lindas lembranças! Desenhe um sol e pinte de amarelo e envie junto o lápis. Só uma ideia, mas vale um verso ou o contorno de um beijo! :) Parabéns!
ResponderExcluirQue linda essa recordação!Fiquei sabendo muita coisa por aqui hoje,especialmente sobre estar sempre preparado para ser gentil!Que lindo o exemplo do seu pai!bjs,
ResponderExcluirOi Ana Paula!
ResponderExcluirNunca pensei que um cotoco de lápis pudesse ser a ponte para um lugar tão bonito!
Abração
Jan
não sabia dessa particularidade. ta na moda esse lápis hexagonal, mas o q gosto mesmo é do laís de ponta fininha. Acho bonito isso de ver num objeto uma história, eu sempre faço isso kkkkk.
ResponderExcluirParabéns amiga escritora!
ResponderExcluirBjssssssssssssssssssssssssss
Seu texto é um hino à emoção que as belas lembranças dos ensinamentos vividos aflorou em sua mente ao encontrar esse cotoco de lápis. Hoje venho abraçá-la e prestar-lhe uma singela homenagem.
ResponderExcluirVocê escritora é a artista que interpreta a vida através da arte. É quem borda com caligrafia dourada a emoção encadeada em cada verso, em cada palavra. Parabéns escritora pelo teu dia!
Beijos com carinho
Gracita
Oi, Ana Paula!
ResponderExcluirNão vejo mais lápis e talvez se tornem uma raridade. Outro dia li uma reportagem de um homem nos EUA que tem como profissão "Apontador de lápis". E acredite, ele ganha muito dinheiro, pois os lápis que aponta são especiais, de madeira tals, de grafite tals... ah, no passado as carteiras escolares eram inclinadas... E por que usavam lápis redondo?
Seu pai foi um homem bastante generoso e ensinou isso à você. Se assim não fosse, não nos ofertaria com crônicas tão bem elaboradas!
Bom fim de semana!!
Beijus,
Ana que lembrança linda, adorei esta maneira de descrever teu pai. Lembrei do meu avô que também usava paletó escuro mas não guardava seu lápis nele. Era um lápis vermelho de carpinteiro. Ele colecionava lápis, colecionava chaveiros, brinquedos e criança... Ana com este teu lindo(como sempre lindo) texto tive uma ótima lembrança da minha infância.
ResponderExcluirMuito obrigada Anitcha(posso te chamar assim? Carinhosamente).
Um grande beijo da Lola
http://antonellaesuaboneca.blogspot.com.br/
Bom é isto..acabei de contar para o diego sobre o teu texto e as minhas memórias que estavam guardadas. Um grande beijo e muito obrigada!
ResponderExcluirhttp://antonellaesuaboneca.blogspot.com.br/
Muito bonito o jeito como você diz coisas essenciais.
ResponderExcluirBeijocas